Nesta véspera de Natal, três dias depois do insistentemente
anunciado fim do mundo que não se realizou, é o momento oportuno para retomar o
assunto. Natal, tempo de “renovo mui delgado”, como define o poeta, é a data
que anuncia a grandiosa intenção divina de arrumar a casa. Mas não do modo
imaginado pelos catastrofistas apocalípticos. O renovo delgado representa a
chegada de um novo tempo, pleno, holístico.
“Um menino nos nasceu, um filho se nos deu. Seu nome será
Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”,
anunciava o profeta Isaías, enquanto João anuncia “Novos Céus e Nova Terra em
que habita a justiça”, um lugar com tudo novo, onde “não haverá mais choro, nem
pranto, nem dor”, onde “a morte já não existirá”. São todas palavras de muita
renovação, esperança, plenitude e paz. São palavras muito especiais, que não
têm lugar para a ecatombe.
O fim cataclísmico de todas as coisas é uma invenção humana,
que tem origem no desejo de vingança. O apocalipse é uma espécie de chicote
conclusivo, que castiga todos os males da humanidade e está invariavelmente
voltado na direção dos outros. Porque o mal está sempre no outro e não em mim. O
apocalipse, na mente dos que se julgam escolhidos de Deus, é a fatura final,
que cobra cada centavo dos que ousam andar por um caminho independente. Na
ânsia de esfregar esta fatura na cara dos adversários, passam o rodo na
mensagem central do Apocalipse, que é o anúncio da chegada de um novo tempo de
renovação plena.
O apocalipse, no modo mais uma vez esperado no último dia 21
de dezembro, é uma genial invenção da mente criativa e teatral da humanidade,
com direito a requintes de crueldade. Os mensageiros desse apocalipse com ar de
final destrutivo de todas as coisas estão em todas as manifestações religiosas:
os profetas do apocalipse. E os grandes gênios desse modo de enxergar o fim dos
tempos estão reunidos em Hollywood. Filmes como Independence Day e 2012 são suprassumos dessa corrente.
Este último, aliás, o principal inspirador da absurda deturpação interpretativa
do calendário maia, que jamais anunciou o fim do planeta de modo destrutivo,
mas sim a chegada de uma nova era.
Estamos nesta nova era há três dias. No monótono curso da
terra, com suas dezenas de rotações e translações dançantes pelo universo, nada
foi alterado. Eis que se fez noite e dia, luz e sombra, calor e frio nos mesmos
lugares onde acontecem há milhões de anos... Tudo do mesmo jeito de sempre.
Quanto a nós, estamos há três dias vivendo mais uma oportunidade de participar
do novo.
O menino na manjedoura representa um novo tempo que teimamos
em rejeitar. Ele é muito frágil para as nossas cabeças criativas e cheias de
inventividade escatológica. Ele é tão
pequeno, mais leve do que uma pluma, mais doce do que o mel e mais amável do
que o próprio amor. Impossível ser este o portador de um novo tempo, de um
“novo céu e uma nova terra em que habita a justiça”. Como pode ser definido
como Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Príncipe da Paz?
Mas é justamente aí que reside a deliciosa incoerência de
Deus. Ele é Maravilhoso neste menino. Ele é Conselheiro, Deus Forte e Príncipe
da Paz justamente neste garoto frágil e indefeso. O sublime reside nele. Ele é
o próprio amor encarnado neste nosso planeta repleto de pequenos apocalipses
personalizados e diários. E o amor de Deus não destrói.
O amor de Deus se revela para construir novos céus e nova
terra. Não numa outra imagem kitsch, que imagina o cenário pós-apocalíptico
como um campo verde repleto de flores e de ovelhas pastando ao lado de leões e
crianças acariciando lobos, com todos os escolhidos vestidos assexuadamente de
túnicas brancas que refletem a luz de modo ofuscante. Tampouco, na imagem de
joalheria da Nova Jerusalém toda dourada e coroada de diamantes.
O amor de Deus é justiça e paz; um mundo sem guerras, fome,
medo, dor, sofrimento ou morte; em que as pessoas são tratadas segundo o
conceito do amor, não segundo as medidas da pseudojustiça humana, que condena
implacavelmente e é tardia em perdoar. A Nova Era iniciada em Cristo é a da aceitação
incondicional, que não pode ser comprada, vendida ou revogada. Ela nos chega sem merecimento ou cobranças,
algo difícil de entrar em cabeças que têm uma implacável balança instalada,
sobre a qual se deposita cada gesto, palavra ou pensamento do outro. A balança que Deus revela no menino na
manjedoura é a da graça plena, que perdoa e aceita, acolhe e abraça. Esta graça
divina rejeita o apocalipse catástrofe e anuncia um novo tempo, renovado e
pleno, de justiça e paz.
Feliz Natal e renovado Ano Novo de Paz e Graça.