O Google avisa o mundo de que hoje é o aniversário de Lucy. Descoberta no dia 24 de novembro de 1974 no deserto de Afar, enquanto no acampamento dos antropólogos tocava "Lucy in the sky with diamonts" (Beatles), a fêmea de Australopithecus Afarensis de três milhões e duzentos mil anos voltava à vida para a ciência e o conhecimento da origem humana. Detalhe importante: ela era da Etiópia, um dos berços da humanidade e hoje um país miserável da África, que faz parte da triste lista dos países do mundo que experimentam fome extrema (Somália, Quênia, Etiópia, Sudão e outros). A imagem mostra o esqueleto descoberto e a provável aparência de Lucy, uma simpática mãe da humanidade. Seu corretivo dedo em riste nos adverte maternalmente: "O que vocês fizeram, meus filhos?".
terça-feira, 24 de novembro de 2015
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
Saudade / Sehnsucht / Heimweh
Quando se fala em palavras do português que são intraduzíveis, todos logo lembram de "saudade" (Trilha sonora: "Saudade, palavra triste, quando se perde um grande amor..."). Os alemães adoram!
Mas o alemão também tem palavras intraduzíveis, de sentido específico. Para "saudade", eles têm duas palavras: "Heimweh" e "Sehnsucht". E, para mim, as duas são fortes.
A primeira quer dizer "dor de casa, da pátria, do lugar que amamos e consideramos nosso lar"; uma dor difícil de descrever, mas dura de experimentar (Trilha sonora: "Heimatlos gibt´s viele auf der Welt; Heimatlos und einsam wie ich...).
A segunda, "Sehnsucht", expressa "vontade de ver". É uma saudade das coisas ou pessoas amadas que estão longe e que faz tempo que não vemos. Mas sabemos que, a qualquer momento, podemos ir ao seu encontro e matar a vontade de ver (Trilha sonora: "Tô com saudade de você debaixo do meu cobertor"...).
Já "saudade" expressa o desejo por algo que não podemos mais recuperar ou alcançar. Alguém que se foi, ou a casa paterna que foi derrubada e apenas continua em nossas lembranças; disso sentimos saudade (Trilha sonora: "E por falar em saudade, onde anda você...").
Cada língua com a sua dor...
terça-feira, 10 de novembro de 2015
Um mar de lama, dois pesos e duas medidas
Há um ano e dez meses, o segundo maior incêndio da história do Brasil matava 242 jovens e deixava mais de 600 feridos. Os donos da boate Kiss e a banda que fazia um show (com efeitos pirotécnicos) no palco foram presos no dia seguinte. Há incontáveis erros no processo, mas houve prisões.
Agora a absurda irresponsabilidade ambiental de mineradoras, negligência do poder público e dos órgãos fiscalizadores são responsáveis pela maior tragédia ambiental do Brasil. A mineradora Samarco não soterrou apenas uma indefesa vila em Mariana. Não há somente dois mortos e uma dezena de desaparecidos. Um mar de lama real eliminou qualquer vestígio de vida e comprometeu por décadas o ecossistema de toda uma bacia hidrográfica mineira, e não haverá operação lava-jato capaz de limpar toda aquela sujeira. A natureza terá que se virar para eliminar toda aquela lambança. O rio doce, agora insalubre, que se vire para voltar a ser doce algum dia. Daqui há 50 anos talvez tenha um ou outro peixinho nadando nele novamente.
E todo mundo fala das cidades que ficaram sem água, dos humanos afetados e dos negócios paralisados. É claro que isto é dramático. Mas, quando finalmente vamos perceber que a espécie humana não sobrevive som as outras?
Do ponto de vista jurídico, o dramático caso de irresponsabilidade coletiva em Santa Maria produziu jurisprudência para o caso de agora. Apesar dos muitos erros e falhas no processo, os principais causadores das mortes daqueles jovens estão ou já estiveram presos.
No Vale do Rio Doce, a lama já avançou mais de 500 quilômetros e ninguém foi preso. Mineradora interditada e seus executivos circulando... e ninguém foi preso. Um lodaçal de desculpas, mentiras mais sujas do que a lama... e ninguém foi preso. O governador de Minas Gerais e o ex-governador e inconformado candidato derrotado à presidência defenderam deslavadamente a Mineradora Samarco... e, mais uma vez, ninguém foi preso. Os órgãos ambientais fiscalizadores, o poder público negligente e os sindicatos de mineradores indiferentes... e ninguém foi preso. O Ministério das Minas e Energia tratando tudo com uma leveza inacreditável, sem interditar as potenciais outras centenas de bombas de lama semelhantes Brasil afora... e ninguém foi preso.
Detalhe: Nós não estamos lidando com uma tragédia que matou duas pessoas e, provavelmente, também as outras 15 desaparecidas. Não estamos pedindo justiça apenas por uma vila que nunca mais poderá voltar a existir. Estamos falando de sonhos, de futuro lançado na lama, de incontáveis populações que dependem daqueles cursos d'água. Mas estamos falando também de uma NEGLIGÊNCIA que destruiu TODA A VIDA em toda a extensão do Vale do Rio Doce, afetando seu ecossistema por um século. E, ninguém foi preso até agora?
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
Quando o Sol desaparece
Dois meses sem sol começam a ter efeitos devastadores sobre as pessoas. Um incontrolável sentimento de melancolia começa a nos dominar. Segundo os estudiosos, a história do clima nos ajuda a entender. Em regiões de longos e escuros invernos, seguidos de primaveras e verões chuvosos e com o céu encoberto na maioria dos dias, populações inteiras são mais propensas à melancolia.
Esse clima depressivo que domina todos é hoje descrito como SAD, Seasonal Affective Disorder, que aparece quando o sol desaparece, levando muitos a um exagerado sentimento de tristeza e até mesmo, em alguns lugares, aumentando inclusive o número de suicídios. Os sintomas agudos da SAD manifestam-se como problemas de sono, letargia, falta de apetite, depressão, problemas sociais, sentimentos de medo, perda da libido e mudanças repentinas de humor. Não é por acaso que muitos se queixam de baixa imunidade e do aparecimento de infecções.
A luz e as trevas têm forte influência sobre a cultura e a religião. A própria Bíblia fala da luz como o bem e das trevas como o mal. E isso é assim na maioria das civilizações, como codificação cultural e religiosa que as assemelha. Em todas elas a luz é identificada com aspectos positivos e a escuridão com o mal. É uma cultura que chegou até mesmo a Hollywood, onde os filmes de pouca iluminação são sempre os mais tenebrosos, maquiavélicos e repletos de pesadelos e planos do mal.
O aumento da escuridão não traz bons sentimentos. Aumentam a sensação de solidão, de abandono, de angústia e cresce o medo do desconhecido e instala-se o pavor. Imagine como era isso nos milhares de anos em que a humanidade passou as noites sem a espetacular luz artificial que ilumina nossas casas e cidades nos dias de hoje. A noite era recebida com apreensão e angústia.
Anos e até décadas de pouca luz solar espalharam uma cultura trevosa, que produziu uma autêntica idade das sombras em muitas sociedades. Histórias de pessoas loucas, inclusive entre os governantes, não faltam. Lembro apenas o exemplo do jovem rei Luiz XIV da França, que se autodenominava o rei sol e se deixou retratar como a personificação do Sol em balé. Monarcas do seu tempo seguiram o exemplo dele, na desvairada busca por um pouco de luminosidade e se deixaram retratar também como sóis num tempo sem sol.
Alguém se habilita a dançar um balé solar por aqui? Volta, Sol!!!
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
Justiçamento é justiça?
Esta é uma pintura obviamente mórbida. É do pintor holandês Pieter Brueghel (1525-1569), com o título "O Triunfo da Morte". Num mar de caveiras espalhando o terror da morte, chama a atenção no horizonte uma floresta de forças e instrumentos de execução, que fazem menção a um tempo na história da Europa em que a pena de morte era um recurso fácil da justiça. No século 16, o aumento da criminalidade levou ao crescente endurecimento das leis, onde a tortura era mais corriqueira do que em qualquer outro período da história antes ou depois desse tempo e as execuções alcançaram números nunca registrados.
Um viajante que chegasse, por volta de 1600, a qualquer das grandes cidades europeias, antes de chegar aos portões da cidade tinha que passar por um absurdo espetáculo de horror. Cadáveres de malfeitores e ladrões em putrefação estavam pendurados em forcas ao longo do caminho. O objetivo desse teatro macabro era intimidar potenciais malfeitores e passar a impressão de que uma ordem rígida e inquebrantável reinava naquele lugar. (Fonte: Wolfgang Behringer, in Kulturgeschichte des Klimas, p. 154).
Fique como um registro do absurdo em que a humanidade já se meteu e, volta e meia, volta a se meter. Especialmente, fique como alerta para os absurdos clamores que circulam pela nossa sociedade em pleno século 21, que levam grupos insanos a praticar justiçamento, linchamentos, apedrejamentos e outros atos que consideram "justiça". Justiçamento não é justiça. É crime em nome do combate ao crime.
Que permaneça o alerta de Gandhi: "Olho por olho, e o mundo acabará cego!". Por aqui, em muitos casos, a cegueira já nos atingiu. Passar a furar os olhos é apenas uma questão de tempo...
terça-feira, 3 de novembro de 2015
Lições da história, quem as aprende?
Datas de tragédias sempre evocam a necessidade de "não esquecer". A lembrança de genocídios têm a pretensão de repassar uma lição: "para que jamais se repitam". A dramática pergunta que fica é o da efetividade dessas lições. Aprendemos realmente com a história? Recordar ensina?
Eu fico em dúvida.
Faz 70 anos, por exemplo, que somos insistentemente relembrados das barbaridades do holocausto protagonizado pelos nazistas. Apesar disso, ele já se repetiu incontáveis vezes nessas poucas décadas do pós-guerra. Alguns poucos eventos para refrescar a nossa memória.
O genocídio cambojano levado a cabo por Pol Pot e seu regime do khmer vermelho (1975/79) executou 2 milhões de pessoas.
O apartheid na África do Sul (1948/94), regime racista da minoria branca contra a maioria negra, que nos legou a impressionante lição de Nelson Mandela sobre igualdade racial e prática do perdão, mas que não aprendemos, nem lá, nem aqui.
O genocídio de Ruanda (1994), no qual extremistas hutus exterminaram os tutsis com machados e facões. Entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 quase um milhão de tutsis foram assassinados dessa maneira e quase todas as mulheres foram estupradas no país.
Para que ninguém diga que há bons e maus nessa história (onde quase sempre os EUA são contados entre os "bons"), durante a guerra do Vietnã, para encontrar os bravos combatentes vietnamitas que se esgueiravam entre as florestas tropicais do país, os americanos lançaram sobre as florestas o agente laranja, uma mistura de dois herbicidas (2,4-D e 2,4,5-T), cujo uso deixou sequelas terríveis na população daquele país e nos próprios soldados norte-americanos, com proporções não plenamente calculadas até hoje. As aplicações aconteceram incontáveis vezes entre 1961 e 1971, como programa militar planejado em estratégias de guerra. Um total de 80 milhões de litros foram aplicados, que destruíram o habitat natural, deixaram 4,8 milhões de pessoas expostas ao agente laranja e provocaram enfermidades irreversíveis, sobretudo malformações congênitas, câncer e síndromes neurológicas em crianças, mulheres e homens do país, com sequelas até os nossos dias.
Por fim, acontecendo neste momento, todas as barbaridades promovidas pelo Estado Islâmico repetem as más lições da história com requintes de crueldade...
Ainda mais, para que não digam que somos uma ilha no meio de tudo isso, durante 21 anos o Regime Militar matou milhares de brasileiros e brasileiras nos porões da tortura, só porque pensavam diferente e sonhavam com um outro país. As lições da "Escola das Américas", que treinaram muitos dos protagonistas dos regimes militares por toda a América Latina, fez largo uso dos métodos de tortura e extermínio usados pelos nazistas no holocausto. Essas, infelizmente, foram as lições de história mais bem aprendidas daquele tempo nefasto.
Eu não queria dar este desfecho ao meu texto, mas não há como contornar um poste plantado bem no meio do nosso presente e que pode amarrar o nosso futuro próximo. A sociedade brasileira anda inquieta, cheia de ódio, moldado em bancos de igreja inclusive, e que a torna sedenta de vingança, pronta para um novo tombo no buraco da barbárie. Com temor e tremor por nossa democracia, eu pergunto: Lições da história? Aprendemos alguma?
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