Quando estourou o escândalo dos abusos sexuais na Igreja Católica – e muitos cristãos evangélicos aproveitaram para apontar com o dedo para os desvios da igreja do papa –, eu insistia que tem mais coisa sob este tapete. Insisti também que relacionar os casos com o celibato é um erro. As estatísticas comprovam que a maioria dos atos de violência sexual acontecem em casas de família, praticados por parentes próximos e de confiança (portanto, por pessoas que têm pleno acesso ao matrimônio e ao sexo consentido).
Também não deixei de apontar que há muitíssimos casos de abuso também nas igrejas que liberam aos seus religiosos o pleno acesso ao matrimônio e que, por conseguinte, deveriam estar livres daquilo que acusam os irmãos católicos. É grande o número de casos de abuso sexual nas igrejas evangélicas. Os casamentos forçados de meninas virgens com “irmãos” da congregação é uma forma velada dessa prática. Por inacreditável que pareça, acontecem no meio dito evangélico até mesmo casos absurdos, como o do médium João de Deus – que não é considerado cristão por eles –, em que pastores não hesitam em dar bênção e cura em troca de favores libidinosos semelhantes.
Mas, esses, infelizmente, são os extremos. Há muitos casos de abuso sexual entre evangélicos e também entre protestantes. Ministros que se aproveitam do seu poder sobre as pessoas para invadir terreno pantanoso e proibido não são uma exceção. Nem mesmo estão livres de risco os nossos meninos e meninas do Ensino Confirmatório ou da juventude.
Portanto, repito, apontar para a trave no olho do irmão aqui é um caso clássico!
Um passo louvável, entre os protestantes, foi dado pela Igreja Evangélica na Alemanha. Resolveu colocar um fim no olhar para o cisco no olho alheio e começa a deter-se na trave em seu próprio. Isso não é pouco, e exige coragem, peito aberto mesmo. A Igreja Evangélica na Alemanha acaba de criar, no dia 11 de junho, uma Central de Denúncias de casos de abuso sexual. A tarefa foi confiada à associação independente “Pfiffigunde”, da cidade de Heilbronn, que passa a denominar-se “Zentrale Anlaufestelle.help”. A tarefa de oferecer esta central de apoio a pessoas atingidas, foi delegada pelo “Conselho para Proteção contra Violência Sexual”, que é integrado por diversos bispos territoriais.
A criação da Central é parte de um plano de 11 pontos acordado pela assembleia da IEA no início do ano, quando 479 casos de abuso no meio protestante já eram de conhecimento da direção da igreja. Este número subiu para 600 casos entrementes. O objetivo é realizar um extenso levantamento em toda a IEA, e provocar o envolvimento de vítimas, inclusive com a criação de um conselho de vítimas de violência sexual. Os primeiros resultados deste levantamento devem ser conhecidos em 2021, e será um trabalho em parceria com o Estado.
Com o reconhecimento de que entre 2010 e 2018 a igreja alemã fechou os olhos, e que todo o levantamento está bem no início, foram destinados um milhão de euros para a Central. Eu garanto que, neste terreno escorregadio, tem um vasto campo melindroso a ser explorado nas igrejas cristãs não só na Alemanha, mas em todo o mundo... e em todas as confissões.