sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A foto que matou o fotógrafo


Todos os grandes ícones fotográficos acabam tendo um forte componente mitológico. Esta foto, que foi tirada em 1993, pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter, no Sudão, girou o mundo e soou como uma espécie de mau agouro. Todos se perguntavam por que o fotógrafo, em vez de tirar a foto da criança enquanto o abutre espera a sua morte, não ajudou a criança a sobreviver? O que ele queria, era denunciar a fome, a guerra e o sofrimento no Sudão, devastado por uma sangrenta guerra civil.

Na verdade, a imagem tão forte e chocante, tem esta configuração apenas por uma sobreposição de planos de perspectiva. Carter já havia tirado várias fotos, quando, antes de sair, viu uma criança faminta deitada na areia, no mesmo plano com um abutre mais ao fundo, e aproveitou para unir dois poderosos símbolos que representam a melhor metáfora para o que aconteceu naquele lugar naquele momento, representando o grande desastre humanitário do século 20.

Dias depois, a foto de Carter foi publicada no Times, e a opinião pública mundial voltou-se contra o fotógrafo, que apenas soube aproveitar um momento que se repetia às centenas naquele cenário terrível do Sudão. A mal-afamada foto ganhou o prêmio Pulitzer de fotografia. Mas Carter suicidou-se em 1994, um ano depois de tirar a foto.

Todos imaginaram a terrível morte daquela criança, nas garras daquele abutre. Ninguém viu a morte dela e é a própria imagem que nega esse destino trágico, pelo menos em parte. A criança na foto carrega na mão direita uma pulseira de identificação da estação de alimentação da ONU. Em uma foto em alta resolução é possível ler o código “T3” escrito em caneta azul na pulseira.

Carter foi criticado por não ajudar a criança e o mundo inteiro pensou que ela havia morrido. Na verdade, essa criança foi registrada na central de alimentos da ONG francesa Médicos do Mundo, sendo atendida por enfermeiras. Florença Mourin coordenava os trabalhos na clínica improvisada, e explicou que o T indicava o estado de sua desnutrição (grave) e o 3 era o número de ordem de atendimento. Ou seja, Nyong Kong tinha desnutrição grave e foi o terceiro a chegar ao centro de atendimento.

Florença também disse que a criança se recuperou, sobreviveu à fome, ao abutre e aos piores temores dos leitores ocidentais.

Com essa premissa em mente e a possibilidade de que a criança ainda esteja viva apesar da fome e da guerra, a história dessa foto foi reconstruída 18 anos depois. Após vários encontros com dezenas de moradores do vilarejo sudanês de Ayod, local da imagem em 1993, uma mulher que distribuía comida nesse lugar há 18 anos deu a primeira pista sobre o paradeiro da criança misteriosa. “É um menino e não uma menina. Nyong Kong é seu nome, e vive fora da aldeia”, disse. Dois dias depois, aquela pista levaria à família da criança, cujo pai identificou os pequenos e confirmou que ela havia se recuperado daquela fome, mas que havia morrido de febre quatro anos mais tarde. (Com informações de http://www.claiweb.org)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O cerco se fecha


O estrangulamento lento e seguro do site Wikileaks e das indiscreções de Julian Assange é fato quase consumado. Enquanto o site busca meios para sobreviver, hoje (24.02) um tribunal do sul de Londres autorizou a extradição de Assange. Ele vai recorrer a uma instância superior, mas a palhacada do seu julgamento vai levá-lo diante dos tribunais e, dali, às masmorras dos EUA. Ele é acusado de ter feito sexo consentido sem camisinha - que passou a ser sexo não consentido no meio da relação, e com uma mulher que tem fortes ligações com a CIA (coincidência isso, não?).

Para ajudar a manter o site no ar, seus apoiadores podem comprar, numa loja virtual (http://wikileaks.spreadshirt.com/), artigos inspirados na luta do Wikileaks e na imagem granjeada pelo seu fundador, o jornalista Julian Assange. Camisetas, bolsas, bottons, bonés, guarda-chuvas e cachecóis estão na lista de produtos com a marca e a luta do site. Há até uma camiseta em que Assange aparece com a famosa boina de Che Guevara.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Kadafi mata com o apoio dos EUA

Kadafi: Vou exterminar os ratos e os mercenários

Bater na mesma tecla por muito tempo, para alguns, é uma coisa chata. Além de repetitivo, é desgastante. Vejo isso no teclado diante de mim, que a letra “M”, por exemplo, está completamente apagada. De tanto bater na mesma (duas vezes só agora!) tecla. Mas é necessário, para organizar o meu texto e para que você entenda o que escrevo.

Por isso, tomo a liberdade de bater numa outra “mesma tecla”. A tal tecla dos dois pesos e duas medidas que, há décadas, é o “modus operandi” da política externa norte-americana. Vamos lá.

O Kadafi é um dos mais sanguinários ditadores da atualidade. Se ele não consegue impor seus mirabolantes desejos à nação líbia pelo convencimento, ele mata. Não tem conversa. Isso é informação rasa para qualquer guri de ensino fundamental. Todo mundo sabe. Agora mesmo, quando se sente ameaçado, ele não demonstra o mínimo respeito por gente, por sua gente, e manda até a força aérea bombardear os que protestam contra o seu despotismo. Sua ira despótica está saindo pelas orelhas. E Kadafi mata, solenemente, com o beneplácito do Tio Sam, tão cheio de moral e de escrúpulos quando julga os outros.

Um carrasco genocida como esses é apoiado tacitamente pelos EUA há décadas e décadas. Tudo porque ele tem o que os americanos precisam: energia. Não só energia para violentar o seu próprio povo, mas aquela que os americanos precisam para manter a sua economia girando, ainda que precariamente. Ou seja, o apoio ou a hostilidade dos EUA aos demais países depende do tamanho da carteira.

Os americanos usam de mil argumentos inaceitáveis para continuar apoiando um canalha desses. Enquanto isso, não tem o mínimo pudor em meter a colher na nossa vizinhança quando bem entendem. Cuidam do quintal dos outros melhor do que do deles. E acham que receberam uma missão especial de Deus para manter a ordem no mundo...

Talvez seja por isso que, no teclado do meu computador, as teclas “E” e “U” já estejam meio apagadas também. O “A” continua intacto, acho que porque quem aplica os golpes nele é o meu dedo mindinho... Posso até perder o teclado, mas não vou me calar diante de tanta falta de equilíbrio em julgar os outros.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Contrate um cego



Este vídeo é uma das peças de uma campanha de conscientização lançada pela Associação Norueguesa de Cegos. A Noruega tem um contingente de trabalhadores deficientes visuais extremamente capacitados, capazes de exercer plenamente cerca de 100 diferentes funções. Ainda assim, entretanto, muitos deles continuam lutando para conseguir um emprego. O objetivo deste e de outros vídeos semelhantes é, por meio de bem-humoradas cenas, conscientizar e demonstrar que os deficientes visuais podem atuar plenamente nas empresas em funções para as quais estão formados e capacitados.
Os vídeos mostram situações engraçadas que dão a entender as “vantagens” de se ter um companheiro de trabalho deficiente visual. Este vídeo, por exemplo, diz que você pode “economizar luz ao contratar um deficiente visual”. O material foi desenvolvido pela agência norueguesa Try, de Oslo.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Moldando a vida


Recebo dezenas de textos filosóficos, dicas e reflexões por e-mail todos os dias, do mesmo jeito que quase todo mundo. No meio de todo esse lixo, às vezes até pastoso, gorduroso e de aspecto patético, de vez em quando aparece alguma coisa que se salva. Recebi agora, pela manhã, este e-mail do Ingo, que me chamou a atenção. É uma bela reflexão sobre o que fazer da sua vida, que somente pode ser feita a partir do ângulo do final da mesma. A autora dá preciosas dicas de como levar a vida. Nos faz lembrar que a nossa vida é como um pote de barro que as nossas mãos modelam. Podemos dar-lhe as mais diversas formas. Com um pouco de cuidado, podemos elaborar uma obra de arte. Confira:

“Para celebrar o meu envelhecimento, certo dia eu escrevi as 45 lições que a vida me ensinou. É a coluna mais solicitada que eu já escrevi. Meu hodômetro passou dos 90 em agosto, portanto aqui vai a coluna mais uma vez:
1. A vida não é justa, mas ainda é boa.
2. Quando estiver em dúvida, dê somente o próximo passo, pequeno...
3. A vida é muito curta para desperdiçá-la odiando alguém.
4. Seu trabalho não cuidará de você quando você ficar doente. Seus amigos e familiares cuidarão. Permaneça em contato.
5. Pague mensalmente seus cartões de crédito.
6. Você não tem que ganhar todas as vezes. Concorde em discordar.
7. Chore com alguém. Cura melhor do que chorar sozinho.
8. É bom ficar bravo com Deus. Ele pode suportar isso.
9. Economize para a aposentadoria começando com o seu primeiro salário.
10. Quanto ao chocolate, é inútil resistir.
11. Faça as pazes com o seu passado, assim ele não atrapalha o presente.
12. É bom deixar suas crianças verem que você chora.
13. Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem idéia do que foi a jornada deles.
14. Se um relacionamento tiver que ser um segredo, você não deveria entrar nele.
15. Tudo pode mudar num piscar de olhos. Mas não se preocupe; Deus nunca pisca.
16. Respire fundo. Isso acalma a mente.
17. Livre-se de qualquer coisa que não seja útil, bonito ou alegre.
18. Qualquer coisa que não o matar, o tornará realmente mais forte.
19. Nunca é muito tarde para ter uma infância feliz. Mas a segunda vez é por sua conta e ninguém mais.
20. Quando se trata do que você ama na vida, não aceite um não como resposta.
21. Acenda as velas, use os lençóis bonitos, use roupa chique. Não guarde isto para uma ocasião especial. Hoje é especial.
22. Prepare-se mais do que o necessário, depois siga com o fluxo.
23. Seja excêntrico agora. Não espere pela velhice para vestir roxo.
24. O órgão sexual mais importante é o cérebro.
25. Ninguém mais é responsável pela sua felicidade, somente você.
26. Enquadre todos os assim chamados ‘desastres’ com estas palavras ‘Em cinco anos isso terá importância?’
27. Sempre escolha a vida.
28. Perdoe tudo de todo mundo.
29. O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
30. O tempo cura quase tudo. Dê tempo ao tempo.
31. Não importa quão boa ou ruim é uma situação, ela mudará.
32. Não se leve muito a sério. Ninguém faz isso.
33. Acredite em milagres.
34. Deus ama você porque ele é Deus, não por causa de qualquer coisa que você fez ou não fez.
35. Não faça auditoria na vida. Destaque-se e aproveite-a ao máximo agora.
36. Envelhecer é uma vitória sobre a alternativa de morrer jovem.
37. Suas crianças têm apenas uma infância.
38. Tudo que verdadeiramente importa no final é que você tenha amado.
39. Saia de casa todos os dias. Os milagres estão esperando em todos os lugares.
40. Se todos nós empilhássemos os nossos problemas e víssemos todos os outros como eles são, pegaríamos os nossos mesmos problemas de volta.
41. A inveja é uma perda de tempo. Você já tem tudo de que precisa.
42. O melhor ainda está por vir.
43. Não importa como você se sente; levante-se, vista-se bem e apareça.
44. Produza!
45. A vida não está amarrada com um laço, mas, ainda assim, é um presente.”
_________
Regina Brett (90 anos), colunista do The Plain Dealer, Cleveland, Ohio.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Pena de morte? Não, obrigado!

Esta peça integra campanha da Anistia Internacional contra a pena de morte.

Volta e meia se ouvem, também aqui no Brasil, acalorados debates em torno da necessidade de resolver problemas de segurança pública com duas medidas altamente polêmicas, atentatórias aos direitos humanos e que pouco resolverão a questão da violência: a redução da idade penal e a pena de morte. A favor da redução da idade penal há vozes como Alexandre Garcia e colunistas de Veja e do Estadão, entre outros. Também entre nossa gente há muitos que querem colocar nossos adolescentes infratores atrás das grades. Sofrem a influência do terror que a mídia faz em torno do tema segurança. Esquecem que colocar "crianças" na cadeia é assumir oficialmente que a sociedade falhou como instrumento de educação de seus jovens. E isso é uma vergonha.

Na verdade, a imprensa tem ajudado muito na publicação de notícias sensacionalistas sobre menores infratores, disseminando a idéia de que a bandidagem tem entre os jovens menores a maioria de seus protagonistas, quando as próprias estatísticas da segurança pública o desmentem. Elas revelam que menos de um por cento dos criminosos são da faixa etária até os 18 anos.

Somente por este simples motivo estatístico, seria uma temeridade reduzir a idade penal para 16 anos. Temos que proteger os nossos jovens e adolescentes. Colocá-los na cadeia não vai resolver um problema que, a meu ver, é muito mais grave, que é o do nível educacional que praticamos no Brasil. Nossos jovens devem ser educados, com qualidade. Não devemos ser tão rápidos em entregar os pontos, atirando-os à prisão em vez de dar-lhes uma nova e boa oportunidade de direcionarem melhor as suas vidas.

Já o problema da pena de morte é ainda mais grave. Não vou nem entrar no mérito do debate sobre a quem pertence a vida (a mesma, aliás, usada em larga escala para o debate recente sobre a descriminalização do aborto). Sou contra a pena de morte. Meu primeiro argumento é o estado deplorável da nossa justiça, que constrói sentenças sobre erros e mais erros, com advogados que usam de literalmente qualquer meio para ganhar uma causa (falso testemunho e corrupção são só os instrumentos menores que alguns deles usam para livrar seus clientes da justiça). É, portanto, fácil supor o quanto inocentes podem ser definitivamente excluídos da vida pela decisão da justiça.

Outra situação que depõe contra a adoção da pena de morte é que, os países que a usam regularmente como forma de inibir a criminalidade, não têm obtido mais êxito com isso do que a nossa legislação, que prevê penas de prisão ou outras formas de justiça.

O erro jurídico, no caso de uma pena capital, não tem como ser revertido, uma vez que o condenado está morto. Nos EUA existem inúmeros casos de executados que, comprovou-se depois, eram inocentes.

Mesmo assim, ainda há muitos países em que a pena de morte vigora. Veja a lista dos 44 países em que essa lei está em vigor:
1. Afeganistão
2. Arábia Saudita
3. Autoridade Palestina
4. Bahamas
5. Bangladesh
6. Bielorrússia
7. Botsuana
8. Catar
9. Chade
10. China
11. Cingapura
12. Coréia do Norte
13. Cuba
14. Egito
15. Estados Unidos
16. Guiana
17. Guiné
18. Guiné Equatorial
19. Iêmen
20. Índia
21. Indonésia
22. Irã
23. Irã
24. Iraque
25. Jamaica
26. Japão
27. Kuait
28. Lesoto
29. Líbano
30. Líbia
31. Malásia
32. Mongólia
33. Nigéria
34. Omã
35. Paquistão
36. Rep. Democrática do Congo
37. Serra Leoa
38. Síria
39. Somália
40. Sudão
41. Tailândia
42. Uganda
43. Vietnã
44. Zimbábue

Segundo dados da Anistia Internacional, desses 44 países que têm a lei da execução, além da China, onde não há dados oficiais sobre o número de executados, o Irã é o segundo na lista, com 388 execuções no ano passado. O terceiro lugar é do Iraque, com 120 execuções, seguido pela Arábia Saudita com 69 e os EUA, com 52 executados em 2010. Depois o número passa para 9 no Vietnã, 8 na Síria, 7 no Japão, Coréia do Norte e Malásia sem dados oficiais, mas abaixo de meia dúzia, o Egito com 5, a Líbia com 4, Bangladesh com 3, Tailândia com dois e Cingapura e Botsuana com uma execução cada. Os demais países não tiveram execuções, apesar de a lei estar vigorando.

Junto-me à Anistia Internacional, que está em campanha permanente pelo fim da pena capital nesses 44 países. Precisamos livrar o planeta desta mazela jurídica, que depõe contra a própria vida. Ela pode ser substituída por um sistema prisional eficiente e que privilegie a reabilitação dos criminosos, com amplas vantagens.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Espere por sua alma


“Quando se corre muito, há que parar e esperar pela alma”, diz um provérbio dos índios Guarany, antigos habitantes do Brasil meridional. Dá até a impressão de que os Guarany já anteviam a correria em que a humanidade se enfiou na atualidade. Se eles tinham sensibilidade para perceber quando a vida estava muito agitada, e tinham a sensação de estar ultrapassando suas próprias almas, o que nós vamos dizer?

A nossa alma come poeira desde a infância! Ja nos primeiros anos de vida, uma criança tem muitas tarefas para cumprir, em muitos casos já com compromisso como curso de línguas, atividades esportivas e outros. Na vida adulta, a impressão que se tem é que a alma já nem mais consegue alcançar a maioria das pessoas. Junto com a alma, ficaram para trás a capacidade de reflexão, de ter tempo para recuperar o fôlego e até mesmo de conseguir parar para apreciar algo marcante ou bonito, como uma abelha colhendo o néctar de uma flor.

Por isso, ainda hoje, procure dar um tempo. Pare por algum tempo com tudo o que está fazendo e sente-se numa pedra para que a sua alma possa alcançá-lo novamente. Você verá quanto perdeu correndo tanto.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A África na pauta da esquerda

Junto ao monumento ao renascimento africano, símbolo de Dakar, montanhas do outro lado da África se acumulam.

Estamos bem no meio da semana em que acontece o maior evento das esquerdas mundiais. Desta vez em Dakar, na África, o Fórum Social Mundial reúne a nata do pensamento social mundial para discutir uma nova fase da descolonização do continente negro, depois de meio século de independência de vários países das suas antigas colônias europeias, comemorados no ano passado. O objetivo é construir um debate propositivo, que permita avançar na questão de como as populações de alguns países africanos podem reconquistar a própria liberdade e construir democracia, livrando-se de novas formas de colonialismo, especialmente na área econômica.

A realidade atual na África é que não somente os países europeus ou os Estados Unidos, colonizadores do passado, avançam sobre os recursos naturais do continente. Os novos ricos do mundo, como o Brasil e a China, copiam velhos modelos e em muitas situações perpetuam a dependência dos países africanos, especialmente no que se refere à transferência de tecnologia. O Fórum Social Mundial em Dakar deve colocar na balança social as chamadas parcerias sul-sul, para avaliar se os modelos propostos por países como o Brasil e a China são de fato bons para o continente africano.

Participam do FSM organizações e pessoas de 123 países. Nascido no Brasil, o encontro tem forte sotaque brasileiro. Mais uma vez, uma das estrelas do encontro será o ex-presidente Lula, cuja retórica não só moldou o Fórum mas o próprio discurso das esquerdas mundiais. Alguns itens importantes da agenda social mundial foram forjados na cabeça do maior líder social das américas na última década.

Agora livre do peso do cargo que exerceu nos últimos oito anos, Lula poderá dar atenção redobrada na busca de algumas conquistas sociais importantes também para o continente africano. Apesar da sanha capitalista de empresários interessados em lucros nas novas fronteiras que por lá se abrem, Lula redescobriu a África. Durante o seu governo, diversos projetos importantes, como pesquisas agrícolas inéditas lideradas pela Embrapa, projetos de combate à AIDS e uma importante fábrica de remédios genéricos em Moçambique, entre outros, foram implementados. Também a dívida externa de vários países africanos com o Brasil foi zerada. Trata-se de um empenho pessoal de Lula. Em sua ótica, o Brasil tem uma imensa dívida para com o continente africano. Seus projetos são um brando início de pagamento desta dívida histórica.

Nesse sentido, os protagonistas do FSM estão certos em monitorar com lupas a nova “conquista” do continente africano. Aquela gente já foi explorada demais, exageradamente, ao ponto da inanição. Como um bagaço de laranja, depois de dar o seu próprio sangue para o desenvolvimento do hoje chamado “primeiro mundo”, a África foi solenemente ignorada e lançada fora. Seu subdesenvolvimento é uma vergonha para a humanidade. A indiferença mata e, neste caso específico, somos todos um pouco assassinos da Mama África.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Álcool, a droga esquecida



Esta é uma campanha publicitária muito bem-vinda. A campanha foi encomendada pelos Alcoólicos Anônimos para a Agência Filadélfia, de Belo Horizonte (MG), que assina a criação. As peças mostram o poder de destruição do álcool na vida de uma família. Quebram-se as relações, quebra-se a estabilidade, rompem-se as próprias personalidades das pessoas que convivem sob o mesmo teto com alguém da família que se torna prisioneiro da droga mais difundida e socialmente aceita do mundo.

Leis rígidas fazem de tudo para inibir as drogas pesadas, da maconha ao crack. Policiamento, controle e ataques pesados ao tráfico tem tentado o impossível: dobrar a espinha da desgraça das drogas.

O próprio governo também entra com tudo, em diversos países, no combate ao hábito do tabagismo. Também aqui entre nós o cerco aos fumantes é quase sufocante. Mas a desgraça do alcoolismo vem sendo bastante negligenciada, embora represente um rombo semelhante ao causado pelo cigarro nas contas públicas da saúde.

O álcool é um hábito de consumo comum entre os jovens, sendo quase endeusado como um bom “aditivo” para o sucesso dos relacionamentos. Na vida adulta, ele continua tendo importância exagerada. Basta ver que em muitíssimos lares há na sala, ao lado do altar da TV, um altar especialmente erigido para guardar e colecionar bebidas alcoólicas, algumas delas compradas por preço equivalente ao de jóias. Em viagem recente ao exterior era fácil encontrar garrafas de whisky que custam U$ 400 ou mais no Duty e que, por aqui, ultrapassam os mil reais. São colecionados como verdadeiras “obras de arte”.

Por incrível que pareça, até na igreja há os tradicionalistas exagerados, que defendem como um dogma intocável o uso exclusivo de vinho na eucaristia. Está na hora de abrir espaço para o suco de uva, ao menos como uma opção para quem é dependente químico.

No site do Estadão de hoje há um artigo revelador sobre o quadro desesperador do consumo de álcool entre jovens, alguns já começando antes dos 11 anos de idade. Você não pode deixar de ler: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110207/not_imp676104,0.php.

Por isso tudo, essa campanha dos AA vem em boa hora. Espero que seja exibida em rede nacional, para que mais gente tenha acesso a uma informação tão fundamental quanto o aviso já corriqueiro do “se beber, não dirija”, que mal ainda consegue chamar atenção.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Dietrich Bonhoeffer



No dia 4 de fevereiro de 1906 nascia o pastor e teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer. Pendurar este homem numa forca como inimigo pessoal do Führer foi um dos últimos atos de Hitler, pouco antes de ele mesmo acabar com a sua miserável vida. Mais que o espião ousado e o integrante de um grupo que planejou eliminar o ditador alemão, Bonhoeffer entrou para a história como um ser humano de extraordinária reflexão e fé, mesmo diante da iminência da morte, em 4 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossenbürg. A sua angústia enquanto esperava pelo fim iminente foi traduzida em poesia e lirismo fascinantes. Esta canção, "Von guten Mächten wunderbar geborgen", é o melhor exemplo do que eu digo. Ouça, atentamente, o texto de Bonhoeffer no original. Para os que não entendem de alemão, abaixo uma tentativa de tradução:

Maravilhosamente protegidos por bons poderes,
consolados, aguardamos o que vier:
Deus está conosco à noite e pela manhã
e com certeza a cada novo dia.

Quando o silêncio se espalhar profundamente ao nosso redor,
permite que possamos ouvir aquele som repleto
do mundo, que de modo invisivel se espraia em torno de nós,
do canto de louvor de todos os teus filhos.

E ao nos estenderes o pesado e amargo cálice,
cheio de sofrimento até sua mais alta borda,
nós o tomaremos, agradecidos e sem tremor,
de tua bondosa e amada mão.

Mas, se mais uma vez nos queres presentear alegria
neste mundo e em seu Sol brilhante,
queremos relembrar o que passou
e entregar-te toda a nossa vida.

Cercado de bons poderes em fieldade e quietude,
protegidos e maravilhosamente consolados,
assim quero viver estes dias com vocês
e caminhar com vocês na direção de um novo tempo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

MST tem vitória importante



Um grupo de trabalhadores sem terra invadiu um laranjal da Cutrale em 2009. Manifestei-me sobre essa questão na época (http://clovishl.blogspot.com/2009/10/o-suco-de-laranja-mais-barato-do-mundo.html). Muita gente ficou indignada e parte da sociedade brasileira intensificou o processo de criminalização dos movimentos sociais, principalmente a imprensa e muita gente que, do conforto de seus lares e sobre a montanha de propriedades privadas que compõem o seu patrimônio, condenaram o MST e os colonos que promoveram aquela invasão. Inclusive a justiça os condenou e foram presos.

O resumo da ópera é que aqueles trabalhadores rurais não foram só condenados pela mídia, pelos ruralistas do congresso nacional e por muita gente da sociedade que, no fundo no fundo, acha mesmo que a gente tem que se conformar com esse estado de coisas no Brasil. Aqui as capitanias hereditárias não foram abolidas. Elas continuam existindo, sim, e são tão gigantescas quanto aquelas do Brasil colônia. E quem ousar tocar nesse status quo é bandido, comunista, agitador, invasor da propriedade alheia.

Até filhos de imigrantes estão entre os sem-terra. Os imigrantes saíram da Europa como sem-terra miseráveis e enxotados, venderam até a mãe para comprar um pedacinho de chão por aqui, e, dez gerações depois, a sua terra foi tão exaurida, dividida entre a parentela e pisoteada, que eles voltaram a ser sem-terra. Sim senhor! Entre aqueles que dizem ser bandidos, malandros e agitadores sociais está muita gente de olhos azuis, com sobrenome alemão e tudo. É gente nossa e, tenham certeza, há até luteranos entre eles.

Voltando aos invasores do laranjal da Cutrale, eles foram perseguidos até pela justiça, em nome dos poderosos que detêm a terra e os meios de produção.
Agora o MST vem a público para divulgar a primeira vitória dessa gente. Por meio de habeas corpus impetrado pelos advogados da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e do Setor de Direitos Humanos do MST, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, por unanimidade, o trancamento do processo crime instaurado na Comarca de Lençóis Paulista/SP contra todos os trabalhadores rurais sem terra acusados da prática de crimes durante a ocupação da Fazenda Santo Henrique (Sucocitrico-Cutrale) entre 28/9 e 7/10/2009.

Os trabalhadores tiveram prisão temporária decretada, que foi posteriormente convertida em prisão preventiva. Os decretos de prisões foram revogados em fevereiro de 2010, por meio de liminar concedida pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, mas, a decisão final no habeas corpus aguardava desde então voto vista do Desembargador Luiz Antonio Cardoso.

Para firmarem as revogações das prisões preventivas, os Desembargadores além de entenderem que a Magistrada de primeiro grau deixou de indicar os indícios de autoria em relação a cada um dos acusados, declararam inexistir ocorrências dando conta de que os trabalhadores tenham subvertido a ordem pública.

Por outro lado, determinou-se o trancamento do processo crime sob entendimento de que o Promotor de Justiça, em sua denúncia, não descreveu “referentemente a cada um dos co-réus, os fatos com todas as suas circunstâncias” como lhe é exigido pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, de forma que:

“Imputa-se a todos a prática das condutas nucleares dos tipos mencionados. Em outras palavras, plasmaram-se imputações em blocos, o que implicaria correlativamente absolvição ou condenação também coletiva. Isso é impossível. Imprescindível que se defina qual a conduta imputada a cada um dos acusados. Só assim, no âmbito do devido processo legal, cada réu poderá exercer, à luz do contraditório, o direito de ampla defesa. (…) Imputações coletivas, sem especificação individualizada dos modos de concorrência para cada episódio, e flagrante contradição geram inépcia que deve ser reconhecida. O prosseguimento nos termos em que proposta a ação acabaria, desde que a apuração prévia deve ser feita no inquérito, não, na fase instrutória, por levar aos Órgãos jurisdicionais do primeiro e segundo grau, um verdadeiro enigma a ser desvendado com o desprestígio do contraditório e da ampla defesa, garantias constitucionais inafastáveis.”

A decisão do Tribunal de Justiça representa importante precedente jurisprudencial contra reiteradas ilegalidades perpetradas contra a luta dos trabalhadores rurais sem terra, contra o ordenamento processual penal, e, sobretudo, contra as garantias constitucionais vigentes. Esperamos que esta decisão se torne cotidiana, para fazer prevalecer o senso de justiça em oposição aos interesses do agronegócio, do latifúndio e dos empresários contrários ao desenvolvimento da reforma agrária que, naquela oportunidade, louvaram os ilegais decretos de prisão contra os trabalhadores.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Por um Egito sem faraós

O Egito é melhor sem faraós, diz o improvisado cartaz do manifestante.

A multidão de manifestantes não arreda o pé da praça nem à noite.


As multidões no Egito dão uma lição de ação não-violenta a todo o mundo. Milhões de egípcios, em todo o país, protestam em paz e sem rostos marcados por ódio ou desejo de guerra. As pessoas simplesmente vão para as ruas, as praças, os locais públicos para manifestar o desejo de ver Hosni Mubarak longe do “trono”. Eles não arredarão pé do lugar até sexta-feira, à espera de êxito no seu intento.

Entre os manifestantes reina otimismo, espírito cívico e disposição de ir até o fim. Já transformaram os protestos no maior movimento popular de que se tem notícia nos últimos anos. As multidões se unem contra o imperador solitário, que se aferra desesperadamente ao poder.

Em todo o Oriente Médio os ditadores, muitos por lá, estão apavorados. Temem o “efeito Egito”. Alguns até já se anteciparam a possíveis e indesejadas manifestações semelhantes, trocando todos os integrantes do governo e se aliando a figuras populares para garantir um pouco mais de apoio popular.

É uma bela lição. Uma demonstração inequívoca de que, no velho jargão dos movimentos populares por aqui, “o povo unido jamais será vencido”. Nós é que deixamos de acreditar nessa força ultimamente. É que os poderosos se esmeraram na arte de cultivar o individualismo. Em sua prática nefasta, qualquer mecanismo de aproximação, união, envolvimento popular deve ser demolido no nascedouro. E nós nos deixamos manipular, levar na conversa, enrolar.

Aprendamos desta bela lição do povo dos faraós. Em sua sabedoria milenar, perceberam que o tempo das dinastias passou. Agora, só manda quem o povo quer. Porque uma nação não precisa de mandatários. Precisa de líderes. E os líderes não conhecem a autoridade. Eles crescem nos braços do povo. Vêm de baixo. E se mantêm enquanto estão próximos aos que lideram.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A lição de Paderewski


Desejando encorajar seu filho para tocar piano, uma mãe o levou a um concerto de Ignacy Jan Paderewski. Após se sentarem, a mãe viu uma amiga na platéia e foi até ela para saudá-la. Livre para explorar as maravilhas do teatro, o menino levantou-se e suas explorações o levaram a uma porta em que se lia “Entrada Proibida”.

Quando as luzes do teatro foram reduzidas para que o concerto pudesse começar, a mãe retornou ao seu lugar e descobriu que seu filho havia desaparecido. Nisso, as cortinas se abriram e as luzes caíram sobre um impressionante piano Steinway, no centro do palco. Horrorizada, a mãe viu seu filho sentado ao teclado, inocentemente catando as notas de “Cai, cai, balão...”.

Nesse momento, o grande mestre do piano fez sua entrada. Rapidamente foi ao piano e sussurrou ao ouvido do menino: “Não pare. Continue tocando”. Então, debruçando-se sobre o garoto, Paderewski estendeu a mão esquerda e começou a preencher a parte do baixo. Logo, colocou a mão direita em torno do menino e improvisou um belo arranjo para a melodia que o menino executava. Juntos, o velho mestre e o jovem iniciante transformaram uma situação embaraçosa numa experiência maravilhosamente criativa. O público estava perplexo, e acabou explodindo numa espetacular ovação.

Há inúmeras situações como esta em nossas vidas. Atrevidos, sentamo-nos no banco do mestre e, incapazes, executamos uma melodia infantil em seu espetacular instrumento. Mas ele não nos remove do seu banco. Ele nos inclui em sua apresentação. Apenas precisamos de silêncio para ouvir o mestre sussurrando ao nosso ouvido para que continuemos tocando nossa melodia infantil.

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...