No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido com a substancial ajuda do núncio papal na Dieta, Girolamo Aleandro – aquele mesmo, que vivia se esgueirando pelos cantos e que só andava nas ruas de Worms com guarda-costas.
É possível imaginar que Aleandro ficou nos calcanhares do jovem imperador todo santo dia, desde o dia 18 de abril, para que emitisse um veredicto definitivo sobre Lutero e sua doutrina herética. Imagino ele dizendo no dia 25 de abril: “Vossa Majestade viu? O monge atrevido partiu de volta para Wittenberg. Agora ele se escafedeu! Vai ser muito mais difícil enquadrá-lo!”. E posso imaginar também Aleandro, insistentemente, tocando no tema por um mês, sempre que possível. E posso imaginar, finalmente, no dia 25 de maio ele quase se ajoelhando diante de Carlos V: “Vossa Majestade vai mesmo deixar que esta Nobre Dieta se finde sem emitir um documento final sobre o caso Lutero? Não acredito! Eu até já rascunhei um texto como, na visão do papa, deve ser este decreto”.
Até que, no último dia, com o rascunho de Aleandro forrando de conteúdo o decreto, Carlos V proclamou o Édito de Worms. Pelo tamanho do fac-símile na biblioteca de Worms (foto) é possível imaginar o quanto Aleandro se empenhou para não deixar escapar nenhum detalhe da condenação. Assim, é possível imaginar o grau de “imparcialidade” daquele documento – um improvável STF do século XVI ia votar a suspeição de Girolamo Aleandro por onze a zero!
O famoso Édito de Worms, de 26.05.1521, com o carimbo e a assinatura do Imperador Carlos V, Senhor Absoluto do maior império da Terra, no qual o Sol nunca se põe, declarava criminosas todas as pessoas que, “seja por atos ou palavras, defendessem, sustentassem ou favorecessem o que foi dito por Martim Lutero”. O Édito determinou ainda que Lutero fosse preso e levado até o imperador para ser punido como herege e estipulou uma generosa recompensa aos que ajudassem neste intento. Na prática, Lutero era um proscrito. Qualquer cidadão que o encontrasse podia prendê-lo ou até matá-lo.
O que salvou Lutero foi a proteção do príncipe eleitor Frederico da Saxônia, que mandou sequestrar o reformador, no dia 4 de maio de 1521, em sua viagem de volta para casa. Ele já havia completado mais de dois terços da viagem quando um grupo o surpreendeu, o retirou da carruagem e o encapuzou. O ataque foi ostensivo, para que testemunhas contassem com riqueza de detalhes o que presenciaram.
Lutero foi escondido no Castelo de Wartburg. Lá, ele ficou oculto por mais de um ano com o codinome de Cavaleiro Jorge (Junker Jörg). Pouquíssima gente sabia de seu paradeiro e Frederico ordenara sigilo absoluto. Tanto que os boatos até davam o monge como morto. Durante esse tempo, Lutero ficou traduzindo o Novo Testamento para o alemão.
Quando Lutero saiu do esconderijo, o imperador não pressionou para que ele fosse preso. Carlos V sabia que haveria um levante e ele perderia seu domínio sobre a Alemanha. Por conta do crescente apoio a Lutero entre os alemães e da proteção de alguns príncipes, o Édito de Worms jamais foi aplicado na Alemanha.
Já nos Países Baixos, o Édito foi aplicado contra os mais ativos defensores de Lutero. Em dezembro de 1521 Jacob Probst, prior do mosteiro agostiniano em Antuérpia, foi o primeiro a ser preso e processado nos termos do Édito de Worms. Em fevereiro de 1522, Probst foi compelido a abjurar publicamente os ensinamentos de Lutero.
Pouco tempo depois, os monges Johann Esch e Heinrich Voes se recusaram a abjurar e sofreram as consequências. Em 1o de julho de 1523 os dois foram queimados vivos em Bruxelas. Lutero prestou comovente homenagem aos mártires do movimento da Reforma. O Édito de Worms foi temporariamente suspenso em 1526, mas foi reinstalado na Dieta de Speyer em 1529.
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