terça-feira, 10 de maio de 2011
Dramático final para Gunter Sachs
O Playboy ao lado de Brigitte Bardot e, acima, já em idade avançada.
Para os mais jovens, o nome de Gunter Sachs não tem nenhum significado. Não que tenha um significado especial para mim, mas ele marcou a minha juventude. Ele estava em todas as revistas e jornais dos anos 60 e 70. O empresário alemão, rico e charmoso, vivia rodeado de belas mulheres e jogava dinheiro pela janela. Era figura carimbada do jetset europeu. Entre outras proezas do playboy, ele desfilava com ninguém menos que Brigitte Bardot a tiracolo. Havia se casado com a maior estrela do cinema internacional da época, a deusa loira, a mulher que habitava os sonhos mais deslumbrantes da maioria dos homens do planeta à época. Enquanto sua família enchia a conta bancária, ele era galanteador, socialite, bon vivant, fotógrafo e famoso colecionador de arte. E mulherengo. Principalmente, mulherengo. O casamento com Bardot durou pouco. Enquanto ele desfilava seu cobiçado diamante loiro, não perdia a oportunidade de um galanteio. A separação foi assunto de capa de todas as revistas do mundo e rendeu longas e escandalosas reportagens, por semanas a fio. O resumo da ópera é que ele não era nenhum exemplo para ninguém, mas não saía das páginas das principais revistas da época.
Você estará se perguntando o que Gunter Sachs estaria fazendo neste blog, depois de tanto tempo. Vou ser sucinto: todo este glamour acabou dramaticamente no dia de ontem, 9 de maio de 2011. Aos 78 anos de idade, já vivendo em completo isolamento e com raras aparições públicas, Gunter Sachs pôs fim à própria vida. Deu um tiro na cabeça. O gesto radical por si só se explicaria como uma saída desesperada de uma vida que, longe dos holofotes, perdeu o sentido.
Mas o motivo é ainda mais dramático e, de certa maneira, lança os flashes e holofotes do passado glorioso de Gunter Sachs na direção de um futuro que pode alcançar muitos de nós na velhice, e que tem jogado cada vez mais idosos, ao redor do planeta, num abismo escuro, frio e solitário: o Mal de Alzheimer.
Com o diagnóstico lançado sobre suas cãs, Gunter Sachs não via mais saída. Ele a chamava de “a doença A.”, cujos dramáticos sintomas iam se instalando implacavelmente na vida do ex-playboy. “Hoje ainda não constato, de modo algum, falhas ou retrocessos no meu pensamento lógico”, escreveu Sachs em sua carta de despedida. Mas um esquecimento crescente e uma rápida piora de sua capacidade de memorização e redução do vocabulário, que já se manifestava em constrangedoras buscas pelas palavras em conversações com os amigos. Uma catástrofe para Sachs, pois “tal ameaça já era desde sempre meu único critério para pôr um fim à minha vida”. Um único tiro consumou o ato final.
Pouca gente radicaliza sua relação com o Mal de Alzheimer da forma como o fez o ex-playboy, mas a demência provocada pela doença incurável e devastadora ataca cada vez mais pessoas, famosas ou não. Segundo os especialistas, 35 milhões de pessoas ao redor do mundo convivem com os sintomas da doença que mata os neurônios pouco a pouco e vai apagando habilidades, conhecimento, memória e a própria identidade da cabeça das pessoas. O número dos afetados cresce assustadoramente e, por ora, ninguém no mundo pode fazer qualquer coisa para deter o avanço do mal. Os cientistas calculam que haverá 115 milhões de dementes no ano de 2050, por causa do Mal de Alzheimer, o que é uma verdadeira epidemia.
A única saída é o diagnóstico precoce, mas apenas como possibilidade de adiar por alguns anos o total estado de dependência do doente. Um verdadeiro drama humano, que afeta profundamente o doente, mas também todas as pessoas das suas relações.
Cuidar de uma pessoa afetada cobra um alto preço e arranca até as últimas forças que somos capazes de juntar para continuar vivendo. É necessário cuidar dela 24 horas por dia, pois perde a noção de tempo e espaço e a própria consciência de que é um ser humano, perdendo inclusive a biografia. Ainda por cima, pode tornar-se extremamente agressivo e antissocial. A grande maioria dessas pessoas recebe cuidados em casa e, quase todas, ao longo de muitos e muitos anos.
Por tudo isso e com tal perspectiva, o desesperado ato de Gunter Sachs pode até não ser aceitável, mas é, sim, compreensível. Se a sua vida não foi muito edificante, a sua morte chama atenção sobre o grande mal da era do prolongamento da vida humana, que faz o corpo resistir mais do que a mente. A pergunta que não quer calar é se toda essa desesperada busca pela vida eterna e pela juventude permanente do corpo tem algum propósito, afinal...
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