Faz trinta anos e oito meses que larguei o tabaco e me sinto muito bem, graças a Deus. Mas, nem por isso estou na turba crescente dos evangélicos que condenam o fumo como um pecado que impede as pessoas de entrar no céu.
Quando fui estudar Teologia no Morro do Espelho, eu fumava escondido dos meus pais, embora meu pai tenha sido fumante boa parte da sua vida. Eu fazia bicos para comprar cigarros paraguaios de qualidade duvidosa. Quase ninguém considerava isso um pecado entre os futuros pastores e os grandes teólogos que nos davam formação.
As reuniões do Corpo Docente da nossa querida Faculdade de Teologia podiam ser cortadas com uma faca. A nuvem de fumaça dentro da sala era tão densa que depois de meia hora de reunião se sabia quem estava falando somente pela voz, mas não porque alguém visse quem estava fazendo uso da palavra.
Naqueles turbulentos anos 70 todo mundo fumava em sala de aula. Adorávamos um convite para o aniversário de algum docente, porque os estudantes eram recebidos na sua casa e, sobre a mesa de centro da sala, havia maços de cigarros à vontade. Além de fumar, levávamos alguns nos bolsos. As longas noites dentro do ônibus até São Leopoldo eram iluminadas pelas brasas acesas dos cigarros dentro do veículo. Quem não quisesse sufocar, que abrisse a janela. Quando eu estava de férias, visitava o Praeses Hermann Stoer em Rio do Sul e ele me recebia com um indefectível charuto nos lábios para uma longa conversa.
As grandes formulações teológicas do século 20 foram construídas entre baforadas de charuto e cachimbo. O teólogo da "Entmythologisierung", Rudolf Bultmann, fumou cachimbo por toda a vida. A lista é extensa. Karl Rahner, Helmut Thielecke, Martin Noth, ou mesmo evangelicais como John Stott, pensavam emitindo densa fumaça.
O grande teólogo suíço Karl Barth (foto) era um fervoroso adepto do tabaco. Ao ser perguntado se não considerava o tabagismo um empecilho para a sua fé, ele teria respondido: "Os não-fumantes também vão para o céu!".
Mas essa relação com a queima de ervas que alteram a psique vem de tempos ancestrais. Muitos dos nossos mitos fundantes surgiram entre nuvens de boas tragadas alucinógenas. Se for pecado, então boa parte dos textos bíblicos surgiu por trás de uma densa cortina de fumaça e são fruto do pecado!
Aliás, não era uma coluna de fumaça que conduziu o povo de Israel por 40 anos pelo deserto durante o dia?
Por fim, quero deixar claro que isto aqui é um registro histórico, não apologia ao tabagismo. Sou grato por viver minha terceira idade livre de tragadas e numa época em que este hábito foi banido. No shopping perto de casa, que tem mais de 20 mil metros quadrados, o único lugar que os fumantes tomaram para si é a escadaria da entrada. Ainda assim, tem uma placa ali proibindo fumar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário