Um exemplo interessante da ligação entre o clima e a
história vem da Revolução Francesa. A queda da Bastilha em 1789 tem muitos
fatores de longo e de curto prazo, de ordem política, cultural, econômica e
social. Mas não foi somente uma população cansada do feudalismo que decidiu
livrar-se de seus opressores.
Um desses fatores foi o crescimento populacional em mais de
dez por cento nos últimos 20 anos antes da revolução. Desde 1770 a agricultura
não dava conta de produzir o que era consumido, além de ser tecnicamente
atrasada. A armazenagem era precária e insuficiente, a irrigação ruim, o modo
de plantio ultrapassado, o trabalho de plantar, colher e beneficiar era todo manual
e os agricultores não aceitavam novas técnicas.
Com isso, obviamente as colheitas eram escassas e não havia
estoques, abrindo graves brechas na economia para problemas em caso de
insucesso numa colheita ou tragédias meteorológicas. Uma enorme cratera começou
a abrir-se com uma crise de fome em 1770 que atingiu toda a Europa. Os “anos
dourados” da era Luiz XV terminavam em carestia aguda.
Com a subida ao trono de Luiz XVI (1774), a situação se
agravou, com estagnação econômica e recessão em 1778. Para tentar resolver, o
imperador implantou uma economia liberal equivocada, com uma política agressiva
de livre-comércio, que favorecia a nobreza. Sem estoques de cereais, ele
liberou a exportação dos produtos agrícolas já que não havia poder aquisitivo na
França para comprar a produção. Os lucros dos produtores foram às alturas e os
consumidores não tinham o que comer. Também a indústria francesa foi
prejudicada com a liberação de importação de manufaturados ingleses em larga
escala, que eram mais baratos. Com isso, veio uma crise de desemprego.
Este quadro explosivo de crise geral foi agravado por severas
tragédias climáticas. Em 1788 sobreveio um grave ano de seca, que culminou numa
tempestade de granizo que destruiu cerca de 1500 povoados nas cercanias de
Paris e reduziu a safra em 20% em toda a França. No ano seguinte, os preços não
pararam de subir. O verão de granizos foi substituído por um inverno de frio
sem precedentes em 1788/89, que paralisou a economia. O derretimento do gelo e
da neve acumulada no inverno produziu enormes inundações na primavera seguinte,
seguidas de peste entre o gado. Revoltas provocadas pela fome começaram a
eclodir em diversos lugares. Famílias inteiras assaltavam comboios de
transporte de mantimentos e cereais e os veículos começaram a ser escoltados
pelo exército. Nas cidades, cresciam os arrastões e os assaltos de bandos de
famintos a comércios e estoques.
O medo dos assaltos fez o governo distribuir armas aos
agricultores, para se defenderem dos bandoleiros. Ainda assim, o clima não deu
trégua e o verão de 1789 também foi sem chuva, estorricando o solo e as
pastagens. Rios secaram e os moinhos que tocavam a indústria também pararam.
Certamente não apenas o clima contribuiu, mas a revolução francesa foi também
uma revolução da fome. A data mais simbólica disso tudo foi o dia 14 de julho
de 1789. Nesse dia o preço dos cereais atingia o seu ápice. Foi precisamente o
dia da queda da Bastilha.
(Fonte das
informações: Kulturgeschichte des Klimas/Wolfgang Behringer)
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