quinta-feira, 30 de março de 2017

Santa Fumaça

Faz trinta anos e oito meses que larguei o tabaco e me sinto muito bem, graças a Deus. Mas, nem por isso estou na turba crescente dos evangélicos que condenam o fumo como um pecado que impede as pessoas de entrar no céu.
Quando fui estudar Teologia no Morro do Espelho, eu fumava escondido dos meus pais, embora meu pai tenha sido fumante boa parte da sua vida. Eu fazia bicos para comprar cigarros paraguaios de qualidade duvidosa. Quase ninguém considerava isso um pecado entre os futuros pastores e os grandes teólogos que nos davam formação.
As reuniões do Corpo Docente da nossa querida Faculdade de Teologia podiam ser cortadas com uma faca. A nuvem de fumaça dentro da sala era tão densa que depois de meia hora de reunião se sabia quem estava falando somente pela voz, mas não porque alguém visse quem estava fazendo uso da palavra.
Naqueles turbulentos anos 70 todo mundo fumava em sala de aula. Adorávamos um convite para o aniversário de algum docente, porque os estudantes eram recebidos na sua casa e, sobre a mesa de centro da sala, havia maços de cigarros à vontade. Além de fumar, levávamos alguns nos bolsos. As longas noites dentro do ônibus até São Leopoldo eram iluminadas pelas brasas acesas dos cigarros dentro do veículo. Quem não quisesse sufocar, que abrisse a janela. Quando eu estava de férias, visitava o Praeses Hermann Stoer em Rio do Sul e ele me recebia com um indefectível charuto nos lábios para uma longa conversa.
As grandes formulações teológicas do século 20 foram construídas entre baforadas de charuto e cachimbo. O teólogo da "Entmythologisierung", Rudolf Bultmann, fumou cachimbo por toda a vida. A lista é extensa. Karl Rahner, Helmut Thielecke, Martin Noth, ou mesmo evangelicais como John Stott, pensavam emitindo densa fumaça.
O grande teólogo suíço Karl Barth (foto) era um fervoroso adepto do tabaco. Ao ser perguntado se não considerava o tabagismo um empecilho para a sua fé, ele teria respondido: "Os não-fumantes também vão para o céu!".
Mas essa relação com a queima de ervas que alteram a psique vem de tempos ancestrais. Muitos dos nossos mitos fundantes surgiram entre nuvens de boas tragadas alucinógenas. Se for pecado, então boa parte dos textos bíblicos surgiu por trás de uma densa cortina de fumaça e são fruto do pecado!
Aliás, não era uma coluna de fumaça que conduziu o povo de Israel por 40 anos pelo deserto durante o dia?
Por fim, quero deixar claro que isto aqui é um registro histórico, não apologia ao tabagismo. Sou grato por viver minha terceira idade livre de tragadas e numa época em que este hábito foi banido. No shopping perto de casa, que tem mais de 20 mil metros quadrados, o único lugar que os fumantes tomaram para si é a escadaria da entrada. Ainda assim, tem uma placa ali proibindo fumar...

quarta-feira, 8 de março de 2017

Uma história para o Dia da Mulher

Para o Dia Internacional da Mulher eu vou contar-lhes uma história.
Certa vez, havia um homem, que já era casado, encantou-se por uma mulher estrangeira, e resolveu torná-la sua concubina. Julgando-se dono dela, mesmo contra as regras do casamento, ele não a tratou como se deve tratar uma mulher, e ela voltou para a sua terra, casa do seu pai.
Quatro meses depois, arrependido, ele foi atrás dela, para tentar convencê-la a voltar para aquela relação de concubinato. Na viagem, levou consigo um escravo e dois jumentos.
Ao chegar lá, entretanto, apenas falou com o pai dela, que deu comida, bebida, muita conversa e atenção ao homem, ao seu escravo e até aos dois jumentos. Por insistência do pai da moça, ele ficou ali muitos dias, e certamente também aproveitou o leito da moça, cuja opinião não importava. A ela, nada perguntou ou sequer trocou uma palavra com ela.
Depois de uma semana de farra e comilança com o pai dela, pegou a moça e a levou para sua casa. No caminho, viagem de dia inteiro, não trocou palavra com a moça. Mas combinou tudo certinho com o seu escravo e tratou com cuidado dos dois jumentos. Ao anoitecer decidiu, em longa conversa com o escravo, não ficar numa cidade estrangeira e passar o resto da noite numa cidade da sua terra, que ele considerava mais confiável.
Lá, ele ficou na praça com a moça, o escravo e os jumentos. Um velho, passando por ali, os convidou para pernoitar na casa dele, onde deu pasto aos jumentos, comida e bebida, servindo vinho para o homem e seu escravo.
Mas a presença dos forasteiros na cidade já havia sido notada e um grupo de homens mal-intencionados cercou a casa e queria molestar o forasteiro, divertindo-se com ele, fazendo serviço completo. O velho saiu da casa e pediu que o deixassem em paz, pois não queria que fizessem mal a um homem que estava hospedado em sua casa. Seria muita desonra.
O velho tentou negociar com os bandidos e propôs uma troca: “Eu tenho uma filha virgem e o homem tem uma moça com ele, sua concubina. Divirtam-se com elas, façam o que quiserem com elas e deixem o meu hóspede em paz”. Mas eles não queriam saber e tentaram entrar na casa para pegar o forasteiro.
Então, o próprio homem que viajou tão longe para trazer de volta a sua concubina a entregou aos molestadores, atirando-a porta afora e fechando em seguida. E eles a estupraram a noite inteira, largando-a na porta da casa. Ela ficou ali, estirada, até o dia clarear. Os homens, lá dentro, conversavam e bebiam vinho sem se importar, em plena segurança, a salvo.
De dia, ele se levantou e arrumou suas coisas para seguir viagem. Quando saiu, viu aquela mulher arrebentada na soleira da porta e, sem nem olhar direito para ela, determinou: “Levante-se! Vamos seguir viagem!”. Mas ela não reagiu. Estava morta.
Então a atirou sobre o lombo de um dos jumentos e a levou para casa. Quando chegou lá, pegou uma faca e a desmembrou todinha, em doze pedaços, e mandou um pedaço para cada um dos estados do seu país, provocando uma guerra civil. Queriam vingar a moça.
Mas certamente, como em todas as guerras, também naquela guerra tribal de vingança muitas mulheres foram abusadas e estupradas a noite toda, até o raiar do dia, e seus corpos arrebentados jaziam às soleiras de muitas portas (Esta parte final é apenas uma suposição minha).
Você deve conhecer histórias como esta. Elas acontecem todos os dias, em todos os lugares da Terra, em todas as religiões, culturas e sociedades, primitivas ou não. Elas se repetem ainda hoje, enquanto celebramos o Dia Internacional da Mulher.
Mas esta não é uma história qualquer. Ela é baseada num relato bíblico. Se você duvida, leia Juízes 19 em sua própria Bíblia.
Enquanto histórias como esta continuarem a acontecer, o Dia Internacional da Mulher é uma grande ironia. Enquanto mulheres são vítimas do machismo, sendo consideradas de menor valor e propriedade de homens, não há o que comemorar.

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...