segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Marie Curie e Judith Butler - Incríveis Semelhanças

Muitos não entendem que, quando falamos de justiça de gênero, estamos buscando valorizar a mulher. Neste mês de novembro, em que são comemorados os 150 anos do nascimento de Marie Curie, nada mais justo do que voltar a este tema. Mesmo porque, como primeiro destaque mundial da mulher no machista segmento da ciência humana, Marie Curie passou por experiências muito parecidas com as que Judith Buthler teve que enfrentar no Brasil cem anos depois (imagina, neste quesito estamos um século atrasados, que tristeza!).
Vamos primeiro saber quem foi Marie Curie (1867-1934). Ela foi uma verdadeira heroína feminina num mundo majoritariamente dominado pelos homens. Ela foi a primeira doutora em Ciências Naturais, a primeira professora mulher em Sorbonne, a primeira cientista mulher a ganhar o Nobel de Física, e também a primeira pessoa humana a ganhar um segundo Nobel em Química, bem como a primeira integrante mulher da “Académie de Medicine” parisiense. Foi a primeira mulher a candidatar-se à “Acedémie des Ciences” em 1911, mas perdeu. Somente no ano de 1979 a física Yvonne Choquet-Bruhat conquistou a primeira cadeira para uma mulher nesta academia.

Suas pesquisas pioneiras não foram fruto de um trabalho nos melhores laboratórios da França. Junto com seu marido, Pierre Curie, ela pesquisava no quintal de casa, numa mistura de rancho com depósito de batatinhas.
Polonesa de Varsóvia e filha do professor Wladislaw Sklodowski, ela já cresceu num meio intelectual. Foi estudar medicina na Sorbonne, em Paris. Após casar com Pierre, os dois se meteram no laboratório. Sua descoberta, os elementos Rádio e Polônio e, com eles, as emanações desses elementos, que decidiram chamar de “Radioatividade”. A partir de suas descobertas, desenvolveram os aparelhos de Raio-X e o tratamento de Radioterapia para o tratamento do câncer, um método utilizado amplamente até os nossos dias.

Já durante a 1ª guerra mundial ela e sua filha Irène, também cientista, desenvolveram aparelhos de Raio-X que podiam ser usados nas enfermarias da frente de batalha para tratar soldados, auxiliando mais de um milhão de feridos. As duas desenvolveram os chamados “petites Curies”, unidades móveis de Raio-X, que a própria Marie conduzia ao front de guerra em caminhões, que ela se habilitou a dirigir fazendo carteira de motorista.
Sua experiência nesse périplo pelos locais mais dramáticos da guerra a transformou numa pacifista: “Para odiar até mesmo o pensamento de uma guerra, é suficiente passar uma vez pelos locais por onde eu passei incontáveis vezes, durante todos esses anos: homens e meninos que eram trazidos à ambulância do campo de batalha numa mistura de sangue e sujeira”.
Em meio à sua luta por paz e pela ciência, ela foi transformada em heroína da luta feminista, como a primeira mulher a lutar pelos direitos das mulheres, especialmente num mundo machista da ciência e da guerra. Incontáveis filmes mostram a trajetória da contagiante personalidade de Marie Curie.
A mulher que hoje é vista como uma heroína inconteste, entretanto, incomodou muita gente em vida, especialmente numa França que vivia em plena Belle Époque, em que a mulher tinha um papel ideal a desempenhar, como “rainha do lar” e coisas do gênero (não DE gênero!).

A escritora Marie Louise Regnier, por exemplo, desceu a ripa na candidatura de Marie Curie à academia francesa de Ciências em 1911: “Não se deve tentar colocar a mulher no mesmo nível do homem. ‘Ser igual ao homem’. Essas palavras por si só são terríveis! Destroem tudo o que tem a ver com charme, beleza, fantasia...”. Imagina! Nada parecido com os mesmos argumentos que ainda hoje, em pleno século 21, se ouvem às pencas por aí, não é mesmo? Não avançamos muito, na verdade...
Mas Marie passa por uma experiência ainda pior. Em um mundo de homens, não faltaram os que se aproveitavam de sua condição de mulher e acabou que ela se envolveu num romance extraconjugal com Paul Langevin, um homem casado e pai de quatro filhos. Detalhe: ela era viúva de Pierre e mãe de duas moças. Ele havia sido atropelado por uma carroça em 1906.
Quando o romance veio à tona, uma guerra foi declarada, especialmente contra Marie Curie. Jornais conservadores de direita iniciaram uma campanha de difamação contra a heroína polonesa que dedicou sua vida à França. Enquanto Paul retorna aos braços da esposa, Marie é tratada como destruidora de lares e endemoninhada pela imprensa parisiense.
Uma turba em frente à sua casa exige que a “estrangeira” e a “ladra de maridos” desça à rua e seja humilhada. A heroína incomodava e devia ser punida, é o que exigia a multidão diante da casa de Marie Curie na manhã do dia 23 de novembro de 1911. As pedras logo estilhaçam as vidraças da casa e os amigos de Marie a escondem para protege-la. “Lapidada” e “branca como uma estátua”, assim testemunhas oculares descreveram a cientista após o episódio de agressão.
Os defensores da moral e dos bons costumes atacaram impiedosamente a “estrangeira” de origem polonesa e “judia”, que só se interessa por “livros, laboratórios e fama”, e que destruiu com frieza de coração um honrado lar francês. A sua história virou pretexto para a pregação antissemita em Paris.
Lembra o triste episódio com Judith Buthler na semana passada no aeroporto de Congonhas...
(Com informações de Katja Iken em Spiegel/Eines Tages)

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Bota ele no prego, professor!

Quinhentos anos depois, é fácil. Deve beirar aí o milhão de páginas o que já foi escrito sobre aquelas 95 teses. Mas eu quero ir por outro caminho. Quero imaginar o estado do professor Martin Luther naquele fatídico dia 31 de outubro, há quinhentos anos.
Na noite anterior, ele nem deve ter pregado olho. Se bem que, nas anteriores, também dormiu mal. Aquele Tetzel estava entalado na sua garganta. O Santo Padre, em Roma, não devia estar sabendo disso. Muito menos, dar o seu aval a essa barbaridade! Alguém precisava contar ao Papa o que esse safardanas andava fazendo em nome da Igreja! Um babaca, isso é o que ele era!
Como é que pode negociar desse jeito com a fé simples do povo? A Igreja não podia estar por trás disso! E aquele discurso que ele andava fazendo soava como um slogan de propaganda enganosa: "Quando a sua moedinha tilintar na caixinha, a alma do seu pai, da sua mãe, do seu marido salta do purgatório para o céu! Não tem intermediários, é negócio direto! Só depende de você, meu amigo! Se você não tem a grana agora, faça um empréstimo, levante uma grana entre os seus parentes, use o seu cartão de crédito! Fazemos qualquer negócio para livrar a sua mãe do inferno! Você não vai querer ser responsável por ela continuar queimando lá, vai? Eu não ia querer levar esta culpa anotadinha no livro da minha vida. E quando você morrer, a sua libertação vai custar uma pequena fortuna para algum parente seu e você vai queimar no inferno pela eternidade! Pense bem!!! Só depende de você, meu amigo, minha amiga! É só escutar o tilintar da moeda no fundo da caixa e está feito! ..." (A ilustração mostra Johannes Tetzel como homem-propaganda das indulgências).
Como é que um espertalhão desses dos infernos podia jogar assim com o medo dessa gente? Quanto mais o Dr. Martin pensava em Tetzel, mais o sangue lhe subia na cabeça.
A aula naquele dia só foi isso! Doktor Luther não conseguia dar aula. Ele fez um discurso para os alunos. E eles adoravam aquele professor: "Eu vou denunciar aquele porco de uma figa ao Papa! Ele vai ver com quantos paus se faz uma canoa!". E os alunos aplaudiam e urravam: "Bota ele no prego, professor! Vai fundo!".
E foi o que ele fez. Botou Tetzel no prego. E o resto da história vocês já sabem de cor e salteado. Não precisava de um Dr. Luther de novo, bem no meio dessa festa dos 500 anos?
SANTA INDIGNAÇÃO!
VIVA O DIA 31 DE OUTUBRO DE 1517!

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Lutero e Marx

Você deve pensar que enlouqueci de vez. Como um pastor pode fazer uma comparação entre Martim Lutero e Karl Marx? Mesmo espantado, recolha o seu espanto e acompanhe o meu raciocínio. O texto é longo, eu sei, mas “ouse ler”, como diz o meu amigo Renato.
Bem, vamos aos detalhes. Não penso nos escritos, nas frases bombásticas ou no sucesso do professor de Wittenberg em sua terra, onde tinha a proteção de muitos príncipes e, mesmo tendo sido excomungado, levava uma vida relativamente normal, se é que se pode dizer isso da experiência alucinante que foi a existência de Lutero.
Penso no que pensavam seus inimigos. Para isso, baseio-me na jovem filósofa italiana Marta Quartale, que está trabalhando em sua tese de doutorado em filosofia na universidade de Berlim.
Em Roma, o ex-monge e professor de Wittenberg era o próprio demônio. Naqueles tempos em território italiano, graças ao renascimento da Inquisição no verão de 1542, qualquer simpatia à Reforma sumiu completamente do mapa em 70 anos.
Foi uma perseguição implacável. Alguns simpatizantes fugiram para a Suíça ou a Polônia. Quem ousasse expressar-se simpático às ideias protestantes, era sumariamente condenado por heresia e executado. Bartolomeo Fonzio, por exemplo, foi executado por ter traduzido o escrito de Lutero “À Nobreza Cristã da Nação Alemã...”.
Lutero era o próprio anticristo em Roma. Dezenas de representações italianas do século 16 mostram o professor de Wittenberg como diabo, bebum, ser com sete cabeças ou chifres e muitas ilustrações depreciativas. Por lá ele era o “monstro saxão”. Mas, o conhecimento sobre o pensamento da Reforma ou a leitura de seus escritos era uma prática amplamente desprezada.
Falava-se da pessoa de Lutero. Seus escritos, sua crítica à igreja ou o que era o movimento que ele encabeçava era algo amplamente desconhecido. As reações à Reforma eram amplamente movidas por atitudes impensadas e inconsequentes. Era um ódio gratuito e desinformado. Eles não tinham nenhuma noção sobre os seus escritos teológicos ou sobre a pessoa de Lutero.
Em 1520 alguns mercadores alemães começaram a levar a sua fé para a cidade de Veneza. Mas tudo às escondidas. Celebravam cultos, mas não podiam falar alto ou cantar. O pastor usava trajes civis, para não chamar atenção. Ao longo de 130 anos a pequena comunidade luterana de Veneza foi uma igreja de porões. Hoje essa comunidade não é somente a mais antiga na Itália, senão também a mais antiga fora da Alemanha.
Quando começaram a surgir traduções da Bíblia para o italiano (1567), até a Bíblia entrou no Index Librorum Prohibitorum, ou seja, sua leitura foi oficialmente proibida na Itália. O tradutor e teólogo italiano Giovanni Diodati só conseguiu publicar sua tradução italiana das Escrituras em 1603 porque fugiu da Inquisição e se escondeu em Genebra-Suíça.
Assim, não pude resistir. Hoje em dia, quando se menciona o nome de Karl Marx, os estereótipos logo aparecem. Sem conhecer a sua filosofia ou qualquer dos seus escritos, o mais importante filósofo alemão é logo desqualificado por conta de rótulos. Também ele não escapa de ser taxado de anticristo, monstro ou mesmo o diabo em pessoa. Alguns cristãos inclusive montaram uma espécie de Inquisição particular. Condenam qualquer referência ao comunismo como heresia. Excomungam a torto e a direito. Queimam livros em praça pública, usando O Capital como principal combustível – embora jamais o tivessem sequer aberto, ou ao menos lido o seu Prefácio.
As semelhanças entre Marx e Lutero não são mera coincidência, portanto.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

PIP, PIP, PIP, PIP...

Era o que se ouvia pelas antenas do rádio amador em todo o mundo desde o dia 4 de outubro de 1957. O ruído intermitente vinha de uns 200 quilômetros de altura. Era o sinal emitido pelo satélite “Sputnik 1”, que se movia rápido em órbita da Terra. Enquanto os soviéticos festejavam seu feito, ao lançar o primeiro objeto feito pelo homem em órbita do planeta, no Ocidente se desconfiava daquilo. Quem pode lançar uma lua artificial em torno do planeta, também pode colocar foguetes intercontinentais com ogivas nucleares em qualquer lugar do mundo.
O pip-pip da pequena esfera metálica em órbita podia ser captado por três semanas em todas as antenas do mundo. Depois, silêncio. As baterias da Sputnik tinham acabado. Ficou volteando o planeta por três meses, dando uma volta à Terra a cada 96 minutos e carbonizou no dia 4 de janeiro de 1958, ao reingressar na atmosfera terrestre.
Com o Sputnik iniciou a Era Espacial e, simultaneamente, as superpotências da Guerra Fria, EUA e URSS, iniciaram a corrida para a conquista da Lua, vencida pelos americanos no dia 21 de julho de 1969, com a alunissagem de Neil Armstrong e Buzz Aldrin.
Mas os soviéticos conseguiram passar na frente várias vezes. Em novembro de 1957 colocaram a cadela Laica, o primeiro ser vivo, em órbita do planeta. Yuri Gagarin foi o primeiro homem, já em 1961. Valentina Tereschkowa o seguiu em 1963 como a primeira mulher em órbita. Alexei Leonow deu o primeiro passeio fora da nave em órbita em março de 1965. Dizem que eles estiveram até na Lua antes dos americanos, só que isso ninguém divulgou no Ocidente. Entre 1959 e 1970 mais de uma dúzia de foguetes soviéticos chegaram ao satélite natural da Terra. Com o uso de câmeras automáticas, foram eles que mostraram o lado oculto da lua à humanidade pela primeira vez. A nave “Luna 9” alunissou suavemente sobre o solo lunar em 3 de fevereiro de 1966. Em 1º de março de 1966 os russos chegaram a pousar uma nave no Planeta Vênus.
Somente seis anos depois do pouso dos astronautas americanos na Lua é que os dois países começaram a cooperar na pesquisa espacial. Em 1975 naves dos dois países foram acopladas pela primeira vez em órbita.
Hoje, 60 anos depois de Sputnik 1, em torno de mil satélites ativos orbitam o nosso planeta, pesquisando a meteorologia e o clima, fazendo espionagem militar e industrial, transmitindo sinais de TV, GPS, telefonia e internet e muitas outras funções. A ISS é uma base no espaço onde, além de Rússia e EUA, cooperam diversos países.
O lado ruim de tudo isso é uma enorme quantidade de sucata orbital, que transformou o entorno da Terra em um verdadeiro ferro velho cheio de peças velhas e sucata que circundam o planeta na velocidade do primeiro Sputnik. Cada pequeno parafuso em órbita tem o poder de impacto de uma bala de fuzil, como mostra muito bem o filme “Gravidade”, com Sandra Bullock e George Clooney. Hoje é um bom dia para rever esta obra impactante de Hollywood.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

O religioso e o oficial

No sábado, 29 de julho, aconteceu a primeira Marcha Para Jesus de Blumenau. O evento, organizado pela Ordem dos Ministros Evangélicos de Blumenau, reuniu algo em torno de cinco mil fieis das igrejas evangélicas, que marcharam da Prefeitura até a Vila Germânica, onde ocorreram celebrações e cultos até a noite de sábado.
Como evento religioso, merece meu total respeito. Incomoda, entretanto, que a Marcha não é a priori um evento religioso, como se poderia concluir à primeira vista. É que ela é parte do Calendário Oficial do Município de Blumenau e está chancelada pela Lei nº 7.336 aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores de Blumenau no dia 30 de março deste ano. O último sábado de julho, segundo esta lei aprovada em segundo turno, será dedicado todos os anos à Marcha Para Jesus.

Bem diferente é a missa dos motociclistas, do Padre João Bachmann. Um evento religioso, que não está no calendário oficial aprovado pela Câmara de Vereadores, mas botou cinco mil motociclistas nas ruas de Blumenau também, no domingo 30 de julho. Ele próprio motociclista, Padre João está mandando muito bem nesse Evento, que leva ao pátio da Catedral os amantes das duas rodas para ouvir uma mensagem e receber uma bênção, já que o nosso trânsito só pode ser enfrentado com bênção mesmo. Continue este evento, Padre João, mas não o transforme em Lei, beleza? Se for para lutar por leis que melhorem o nosso trânsito, que mata motociclistas toda semana, pode contar comigo.
Também os luteranos estão organizando eventos pelos 500 anos da Reforma. Oxalá não sonhemos com leis como esta 7.336. A manifestação pública da fé é um direito, para a Marcha para Jesus, para a Missa dos Motociclistas, para os desfiles pelos 500 anos da Reforma, para os nossos Dias da Igreja. Mas deixem a lei longe disso, por favor.
Como cabe à Câmara de Vereadores legislar, como ministro religioso dou um conselho grátis aos nossos ilustres edis. Deixem a sua fé fora da legislação municipal. Se quiserem ir à Marcha Para Jesus ou à Missa do Padre João ou, ainda, às celebrações da Reforma, façam isso! Faz muito bem dizer em público no que a gente acredita. Mas, conforme pregação de Vossas Excelências – que já tiraram o debate de gênero das nossas escolas por acharem que é “doutrinação”, misturar a sua religião com o ofício legislativo é doutrinação muito maior e, pior, é inconstitucional.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Os que foram na frente

No dia 29 de junho lembramos o martírio de Pedro e de Paulo. Os dois seguiram caminhos diferentes por toda a vida. Um foi pescador e saiu pescado. O outro, um intelectual, cidadão romano, que entrou no movimento pela porta dos inimigos e se tornou seu comandante.

Pedro era um cara simples, que não se envergonhava de suas lacunas. Era sarcástico e afeito a frases curtas. Foi o discípulo amado, que jurou fidelidade eterna. Mas, traiu o Mestre e foi capaz de chorar por isso. Um de nós, com todas aquelas falhas de caráter que tanto detestamos, porque nos tornam fracos. Ainda assim, foi elevado ao posto de pedra angular da Igreja. O pescador Simão virou Pedro, para ser apóstolo. Jesus lhe deu o novo nome, para ser a “rocha” sobre a qual ergueria seu Reino.
Tornou-se o apóstolo da esperança cristã, porque assume suas fraquezas. Seu título apostólico é “Pastoreia as minhas ovelhas”. Que se calem os “pastores” midiáticos dos nossos dias, diante do sucesso de Pedro. Seu primeiro discurso juntou três mil batizados ao grupelho dos doze! Poucos dias depois, outros cinco mil entraram na de Jesus. É mole ou quer mais? Seu sucesso incomodava Roma, e ele já era o chefe daquela igreja que crescia como fermento na massa.

Portanto, esquece aquela história boba de chefe do tempo, que fica mexendo na torneirinha e soprando nuvens pelos céus. As chaves que Pedro recebeu são de outra verve. Abrem muito mais portas do que imagina nossa tola religiosidade viciada pelas divindades que dominavam as cabeças do cidadão comum do antigo império dos césares. Foi por causa do poder dessas chaves que Nero resolveu trancafiá-lo atrás das grades.

Saulo era diferente. Um jovem rico e fanático, de direita, que vestia a camisa do império com orgulho, entrou de cabeça na caça aos extremistas seguidores daquele crucificado que se dizia rei. Exterminar aquele bando de pés rapados de esquerda era a missão que assumiu como sua. Convicto, ajudou a apedrejar Estevão. Perseguiu essa gente até Damasco, na Síria. O cidadão romano ligado às milícias do império era aluno dedicado dos escribas e fariseus. Sonhava em ser rabino.

Que me perdoem os que se dizem “convertidos”, mas se tem alguém que pode falar de uma verdadeira conversão, é Saulo! Na senda da perseguição para Damasco, Saulo caiu do cavalo. Em vez dos miseráveis pés rapados que perseguia, deu de cara com o próprio chefe do bando, que o cegou com uma luz tão branca como o laser. “Saulo, por que você me persegue?”. Um encontro de tirar o fôlego e a visão! Uma luz tão clara que ilumina um caminho completamente novo. Aos 30 anos, o jovem “coxinha" transforma-se em “mortadela”. É tão radical que Saulo vira Paulo. Seguem-se outros 30 anos de fanática dedicação à causa que outrora perseguia. Ali, aos 30, nasce uma nova personalidade, tão arrebatadora e radical quanto a que morria naquela luz ofuscante.

Agora Paulo, ele não se intimidou com o ódio sincero que os judeus passaram a dedicar-lhe. Viajou pelo mundo espalhando a doutrina proscrita. Enfrentou aventuras dignas de Moby Dick para falar de Cristo. Enquanto Pedro segurava as pontas com os judeus convertidos, Paulo tornou-se o “apóstolo dos gentios”. De uma seita judaica dissidente, com Paulo, a incipiente igreja iniciada por Pedro teve que escancarar suas portas. Paulo, o fundador do ecumenismo, não titubeou nem diante da estátua ao “deus desconhecido”. Um gênio da homilética missionária, soube como ninguém converter momentos de puro embaraço em oportunidades de pregação. Intelectual de amplo conhecimento, as principais formulações da primeira teologia cristã saíram de sua espetacular verve de escritor. De pena fácil e agilidade mental genial, seu legado ainda faz ferver as mentes dos grandes teólogos dois mil anos depois.

Pedro, o simplório, e Paulo, o teólogo, fizeram a Igreja de Cristo prosperar. Não sem razão são chamados de príncipes dos apóstolos. Os caminhos tão diversos desses dois – na maioria das vezes mais divergentes do que diversos – uniram-se no final. Presos em Roma, foram executados no mesmo dia pelo imperador Nero. Diz a tradição da igreja ortodoxa que isso aconteceu no dia 29 de junho, em Roma.


Lenda ou verdade, o dia 29 de junho é um chamado à missão. E isso significa que não guardamos o tesouro da fé a sete chaves dentro do peito, mas o espalhamos com vigor e determinação. Como Pedro. Como Paulo. Como eles, todos e todas nós somos apóstolos e apóstolas; ou seja, enviados e enviadas. A palavra apóstolo, em seu sentido original, significa “alguém que vai na frente”, com uma mensagem. Assim, somos carteiros e carteiras do Evangelho.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

O Planeta e o Topetudo

O mês de junho começou com uma notícia triste para toda a humanidade. Vinha da Casa Branca a informação de que o presidente Homer Simpson decidia que os EUA não vão cumprir o tratado que assinaram junto com outros 195 países, de reduzir a emissão de gases de efeito estufa (CO2).
A saída dos EUA do Tratado de Paris não significa meramente um país a menos na lista. Representa, antes, que a maior economia do planeta, que detém sozinha a produção e o consumo equivalentes ao de pelo menos outros 150 signatários juntos, desembarca dos esforços de salvar a Criação de Deus. Isso não é pouco. Segundo a ONU, esse “calote ambiental” significa que as metas de Paris não poderão mais ser cumpridas.
E nada vai acontecer. Homer Simpson continuará desfilando seu topete exageradamente loiro pelo mundo, e todos estenderão tapetes vermelhos para ele e perfilarão suas tropas de elite para bater-lhe continência. Se um país do terceiro mundo dá um calote econômico, é sufocado por sanções internacionais até que faça um acordo que permita que continuem sugando seu sangue até a última gota. Quem vai peitar os EUA por causa desse calote ambiental? A China? A maior poluidora do planeta disse apenas que vai cumprir o que prometeu.
Enquanto Trump manda um sonoro “Fuck the World” e declara com arrogância que a economia americana não pode arcar com esse ônus, a humanidade arca com o pesado ônus da insaciável escalada de consumo de um país que nos manda para o inferno. Enquanto esta geração fica com o bônus, a Criação pode ficar com o ônus.
Ontem vi uma reportagem sobre a mina de ametistas na Bahia. Não me impressionaram as joias e a louca corrida para extraí-las, embora seja uma metáfora perfeita para o que fazemos com a Terra, nosso lar. O que me impressionou é o pó da estrada que leva ao local. Mais de meio metro de profundidade, como se fosse água.
Mad Max veio à minha mente. Da Bahia ao norte do Espírito Santo, a água foi embora. Sumiu. Uma extensa região que vai sendo anexada ao semiárido nordestino. Dá o que pensar sobre essa temática do aquecimento global, não?
E tem muita gente que prefere aplaudir Homer Simpson. Afinal, ele é o cara topetudo (no sentido literal e simbólico), que ousa enfrentar essa falácia do aquecimento global e do politicamente correto. Trump é o herói dos que acham que já deu esse papo dos ambientalistas. Tudo terror climático, não? Veremos.
Um abençoado Dia Mundial do Meio Ambiente a todos e todas vocês. Enquanto ficamos apreensivos com o volume das águas que descerão pela calha do nosso rio, pensemos nas advertências dos ambientalistas sobre o aquecimento global. Tudo a ver.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Santa Fumaça

Faz trinta anos e oito meses que larguei o tabaco e me sinto muito bem, graças a Deus. Mas, nem por isso estou na turba crescente dos evangélicos que condenam o fumo como um pecado que impede as pessoas de entrar no céu.
Quando fui estudar Teologia no Morro do Espelho, eu fumava escondido dos meus pais, embora meu pai tenha sido fumante boa parte da sua vida. Eu fazia bicos para comprar cigarros paraguaios de qualidade duvidosa. Quase ninguém considerava isso um pecado entre os futuros pastores e os grandes teólogos que nos davam formação.
As reuniões do Corpo Docente da nossa querida Faculdade de Teologia podiam ser cortadas com uma faca. A nuvem de fumaça dentro da sala era tão densa que depois de meia hora de reunião se sabia quem estava falando somente pela voz, mas não porque alguém visse quem estava fazendo uso da palavra.
Naqueles turbulentos anos 70 todo mundo fumava em sala de aula. Adorávamos um convite para o aniversário de algum docente, porque os estudantes eram recebidos na sua casa e, sobre a mesa de centro da sala, havia maços de cigarros à vontade. Além de fumar, levávamos alguns nos bolsos. As longas noites dentro do ônibus até São Leopoldo eram iluminadas pelas brasas acesas dos cigarros dentro do veículo. Quem não quisesse sufocar, que abrisse a janela. Quando eu estava de férias, visitava o Praeses Hermann Stoer em Rio do Sul e ele me recebia com um indefectível charuto nos lábios para uma longa conversa.
As grandes formulações teológicas do século 20 foram construídas entre baforadas de charuto e cachimbo. O teólogo da "Entmythologisierung", Rudolf Bultmann, fumou cachimbo por toda a vida. A lista é extensa. Karl Rahner, Helmut Thielecke, Martin Noth, ou mesmo evangelicais como John Stott, pensavam emitindo densa fumaça.
O grande teólogo suíço Karl Barth (foto) era um fervoroso adepto do tabaco. Ao ser perguntado se não considerava o tabagismo um empecilho para a sua fé, ele teria respondido: "Os não-fumantes também vão para o céu!".
Mas essa relação com a queima de ervas que alteram a psique vem de tempos ancestrais. Muitos dos nossos mitos fundantes surgiram entre nuvens de boas tragadas alucinógenas. Se for pecado, então boa parte dos textos bíblicos surgiu por trás de uma densa cortina de fumaça e são fruto do pecado!
Aliás, não era uma coluna de fumaça que conduziu o povo de Israel por 40 anos pelo deserto durante o dia?
Por fim, quero deixar claro que isto aqui é um registro histórico, não apologia ao tabagismo. Sou grato por viver minha terceira idade livre de tragadas e numa época em que este hábito foi banido. No shopping perto de casa, que tem mais de 20 mil metros quadrados, o único lugar que os fumantes tomaram para si é a escadaria da entrada. Ainda assim, tem uma placa ali proibindo fumar...

quarta-feira, 8 de março de 2017

Uma história para o Dia da Mulher

Para o Dia Internacional da Mulher eu vou contar-lhes uma história.
Certa vez, havia um homem, que já era casado, encantou-se por uma mulher estrangeira, e resolveu torná-la sua concubina. Julgando-se dono dela, mesmo contra as regras do casamento, ele não a tratou como se deve tratar uma mulher, e ela voltou para a sua terra, casa do seu pai.
Quatro meses depois, arrependido, ele foi atrás dela, para tentar convencê-la a voltar para aquela relação de concubinato. Na viagem, levou consigo um escravo e dois jumentos.
Ao chegar lá, entretanto, apenas falou com o pai dela, que deu comida, bebida, muita conversa e atenção ao homem, ao seu escravo e até aos dois jumentos. Por insistência do pai da moça, ele ficou ali muitos dias, e certamente também aproveitou o leito da moça, cuja opinião não importava. A ela, nada perguntou ou sequer trocou uma palavra com ela.
Depois de uma semana de farra e comilança com o pai dela, pegou a moça e a levou para sua casa. No caminho, viagem de dia inteiro, não trocou palavra com a moça. Mas combinou tudo certinho com o seu escravo e tratou com cuidado dos dois jumentos. Ao anoitecer decidiu, em longa conversa com o escravo, não ficar numa cidade estrangeira e passar o resto da noite numa cidade da sua terra, que ele considerava mais confiável.
Lá, ele ficou na praça com a moça, o escravo e os jumentos. Um velho, passando por ali, os convidou para pernoitar na casa dele, onde deu pasto aos jumentos, comida e bebida, servindo vinho para o homem e seu escravo.
Mas a presença dos forasteiros na cidade já havia sido notada e um grupo de homens mal-intencionados cercou a casa e queria molestar o forasteiro, divertindo-se com ele, fazendo serviço completo. O velho saiu da casa e pediu que o deixassem em paz, pois não queria que fizessem mal a um homem que estava hospedado em sua casa. Seria muita desonra.
O velho tentou negociar com os bandidos e propôs uma troca: “Eu tenho uma filha virgem e o homem tem uma moça com ele, sua concubina. Divirtam-se com elas, façam o que quiserem com elas e deixem o meu hóspede em paz”. Mas eles não queriam saber e tentaram entrar na casa para pegar o forasteiro.
Então, o próprio homem que viajou tão longe para trazer de volta a sua concubina a entregou aos molestadores, atirando-a porta afora e fechando em seguida. E eles a estupraram a noite inteira, largando-a na porta da casa. Ela ficou ali, estirada, até o dia clarear. Os homens, lá dentro, conversavam e bebiam vinho sem se importar, em plena segurança, a salvo.
De dia, ele se levantou e arrumou suas coisas para seguir viagem. Quando saiu, viu aquela mulher arrebentada na soleira da porta e, sem nem olhar direito para ela, determinou: “Levante-se! Vamos seguir viagem!”. Mas ela não reagiu. Estava morta.
Então a atirou sobre o lombo de um dos jumentos e a levou para casa. Quando chegou lá, pegou uma faca e a desmembrou todinha, em doze pedaços, e mandou um pedaço para cada um dos estados do seu país, provocando uma guerra civil. Queriam vingar a moça.
Mas certamente, como em todas as guerras, também naquela guerra tribal de vingança muitas mulheres foram abusadas e estupradas a noite toda, até o raiar do dia, e seus corpos arrebentados jaziam às soleiras de muitas portas (Esta parte final é apenas uma suposição minha).
Você deve conhecer histórias como esta. Elas acontecem todos os dias, em todos os lugares da Terra, em todas as religiões, culturas e sociedades, primitivas ou não. Elas se repetem ainda hoje, enquanto celebramos o Dia Internacional da Mulher.
Mas esta não é uma história qualquer. Ela é baseada num relato bíblico. Se você duvida, leia Juízes 19 em sua própria Bíblia.
Enquanto histórias como esta continuarem a acontecer, o Dia Internacional da Mulher é uma grande ironia. Enquanto mulheres são vítimas do machismo, sendo consideradas de menor valor e propriedade de homens, não há o que comemorar.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A bicicleta completa dois séculos

Hoje, este genial meio de transporte é considerado a solução para nosso caos no trânsito e é um símbolo da mobilidade amiga da natureza. Mas foi a necessidade e a própria natureza que deram impulso à ideia da bicicleta. Ela foi inventada há 200 anos como “máquina de andar” (Draisine), por um alemão de nome Karl-Friedrich Drais.
Dificuldades econômicas e o clima fizeram diminuir o alimento para os cavalos, a principal força propulsora do transporte no século 19. Em 1812 houve uma brutal quebra na safra de aveia e, enquanto os pobres não tinham como alimentar os “motores” de suas carroças, a nobreza ficava com o que era possível para os belos animais de suas carruagens.
Mas isso não foi tudo. Em 1816 a catastrófica erupção do vulcão Tambora, na Indonésia, lançou tantas cinzas na atmosfera terrestre que o sol sumiu também na Europa, dando início a uma pequena era glacial de consequências épicas para a agricultura, a saúde e até a política. A escassez de alimentos levou à Queda da Bastilha, por exemplo. Enquanto se protestava contra a injustiça social e a carestia, os cavalos morriam como moscas, de fome.
A bicicleta foi uma espécie de “efeito colateral” de tudo isso. Drais fez o primeiro teste com sua invenção no dia 12 de junho de 1817. A “máquina de andar” substituía o cavalo com vantagens. Além de não comer feno ou aveia, fazia seu usuário exercitar-se, e era mais rápida que um cavalo em longas marchas (15 Km/h contra 12 Km/h de um cavalo).
Não demorou para esta inacreditável invenção virar moda também entre os nobres. Com a invenção do pedal, uma década depois, a bicicleta tornou-se uma febre, com modelos cada vez mais leves e rápidos.
Em tempo, Karl Drais era um gênio inventivo nato. Entre suas criações, além da máquina de andar, estão um gravador de piano, uma máquina de escrever com 25 teclas (inventada no Brasil por ele!), um fogão que economiza lenha e uma máquina de cozinhar carne.

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...