sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cai o primeiro véu...

A burca (abaixo à direita), não é a única forma em que se apresenta o véu islâmico, embora seja o mais radical. Também existe o Hijab, véu que cobre a cabeça e mostra o rosto (acima à esquerda), o Niqab, que cobre o corpo todo e mostra somente os olhos (acima à direita) e o Chador, peça que cobre o corpo todo com exceção do rosto (abaixo à esquerda). Fotos AFP/Divulgação

A Bélgica antecipou-se aos demais países da Europa, determinando que as mulheres muçulmanas não podem mais andar nas ruas do país com a burca. Há meses este debate envolve a esquerda e a direita, todos os partidos, todas as igrejas, defensores dos direitos das mulheres e os mais diversos setores da sociedade europeia.

Aliás, tudo já começou há alguns meses, quando o Suíça determinou o fim da construção de minaretes em seu território. Não pode mais. (Já havia um tempo em que os protestantes brasileiros não podiam construir templos com torres, lembra disso? Pois é...)

A decisão belga dá o pontapé inicial num processo que se apresenta como sendo só o começo de uma guerra que não vai terminar tão cedo. E pode ter consequências absurdas e bastante previsíveis. A França será o próximo país a aprovar lei semelhante. Os outros países da Europa não tardarão a seguir o exemplo. Depois disso, só Deus/Alá sabe o que será...

Virão retaliações, escalada da violência e do terrorismo, medo, ódio, discriminação crescente... Tudo leva a uma inevitável escalada do ódio recíproco. O século 21 ainda será palco de uma guerra mundial movida pelo ódio religioso. Quem viver, verá.

Empurrando o problema?

Não adianta! O problema continuará ali...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O analfabeto mais influente do mundo


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apontado como um dos líderes mais influentes do mundo em uma lista de personalidades escolhidas pela revista americana 'Time'. A relação foi divulgada nesta quinta-feira (29) no site da revista. O nome de Lula aparece em primeiro lugar na lista da categoria “leaders”, em que o presidente americano Barack Obama aparece em quarto lugar.

A revista faz uma tradicional indicação anual das 100 pessoas mais influentes do mundo, entre líderes, heróis, artistas e pensadores. Bill Clinton foi escolhido na lista dos heróis e teve sua apresentação redigida por Bono, enquanto Lady Gaga é a artista mais influente, apresentada por um artigo de Cyndi Lauper.

O documentarista Michael Moore foi o responsável por escrever o texto no qual Lula é apresentado. “O que Lula quer para o Brasil é o que nós costumávamos chamar de sonho americano”, avalia Moore.

Lula já havia recebido outras homenagens de jornais e revistas importantes no cenário internacional. Em 2009, foi escolhido pelo jornal britânico “Financial Times” como uma das 50 personalidades que moldaram a última década.

Também foi eleito o “homem do ano 2009” pelo jornal francês “Le Monde”, na primeira vez que o veículo decide conferir a honraria a uma personalidade. No mesmo ano, o jornal espanhol “El País” escolheu Lula o personagem do ano. Na ocasião, Zapatero redigiu o artigo de apresentação do brasileiro e disse que Lula “surpreende” o mundo.

Veja a lista dos 10 líderes mais influentes da Time:
1. Luiz Inácio Lula da Silva
2. J.T. Wang, presidente da ACER computadores
3. Admiral Mike Mullen, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA
4. Barack Obama, The President of The United States of America
5. Ron Bloom, assessor sênior do Secretário do Tesouro dos EUA
6. Yukio Hatoyama, primeiro ministro do Japão
7. Dominique Strauss-Kahn, presidente do FMI
8. Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Repres. dos EUA
9. Sarah Palin, política dos EUA e ex-governadora do Alasca
10. Salam Fayyad, primeiro ministro da Autoridade Nac. Palestina

Só nós, brasileiros (da classe média/bem-nutrida/consumista/ narcisista/nihilista), ainda conseguimos encarar o presidente como um tosco, analfabeto, incompetente, irremediável cometedor de gafes e motivo de vergonha do Brasil diante do mundo. Ou a Time, o Financial Times, o Le Monde e o El País estão enganados, no maior equívoco editorial da história recente do jornalismo mundial, ou nós somos uns perfeitos idiotas.

Prefiro acreditar na segunda hipótese...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Uma carta aberta de Hans Küng aos bispos


Hans Küng, antigo colega de Ratzinger na Universidade de Tübingen, onde é professor emérito de Teologia Ecumênica, é uma das vozes mais críticas ao papado de Bento XVI e exige um novo concílio para salvar a Igreja católica.

Veneráveis bispos,

Joseph Ratzinger, agora Papa Bento XVI, e eu éramos os mais jovens teólogos no Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965. Agora somos os mais velhos, e os únicos que continuam em plena actividade. Sempre entendi o meu trabalho teológico como sendo um serviço à Igreja Católica Romana. Por esta razão, por ocasião do quinto aniversário da eleição do Papa Bento XVI, faço-lhe este apelo em forma de carta aberta. Faço-o motivado pela minha profunda preocupação acerca da nossa Igreja, que se encontra na pior crise de credibilidade desde a Reforma. Desculpe-me ser na forma de carta aberta; infelizmente, não tenho outra forma de o contatar.

Apreciei muito que o Papa me tenha convidado, a mim que sou abertamente seu crítico, para nos encontrarmos para uma amigável conversa de quatro horas, pouco após ter assumido. Este convite despertou em mim a esperança de que o meu antigo colega da Universidade de Tübingen pudesse encontrar o seu caminho e promover uma contínua renovação da Igreja e uma aproximação ecumênica dentro do espírito do Concílio Vaticano II.

Infelizmente, as minhas esperanças, e as de tantos homens e mulheres católicos engajados, não foram cumpridas. Em minha correspondência subsequente com o Papa apontei-lhe este fato muitas vezes. Não há dúvida de que ele desempenha conscienciosamente os seus deveres diários de Papa, e deu-nos três úteis encíclicas sobre fé, esperança e caridade. Mas quando se trata de enfrentar os grandes desafios do nosso tempo, o seu pontificado desperdiçou mais oportunidades do que aproveitou:

- Perdeu a oportunidade de aproximação às Igrejas protestantes. Em vez disso, tem-lhes sido negado o status de Igrejas no verdadeiro sentido da palavra e, por essa razão, os seus ministros não são reconhecidos e a inter-comunhão não é possível.

- Perdeu a oportunidade de uma reconciliação duradoura com os judeus. Em vez disso, o Papa reintroduziu na liturgia uma oração pré-conciliar pela iluminação dos judeus, recebeu de novo em comunhão com a Igreja bispos notoriamente anti-semitas e cismáticos, e está promovendo abertamente a beatificação do Papa Pio XII, que tem sido acusado de não ter oferecido suficiente proteção aos judeus na Alemanha nazista. A verdade é que Bento vê no judaísmo apenas a raiz histórica do cristianismo; não o toma a sério como uma comunidade religiosa que continua a oferecer o seu próprio caminho para a salvação. A recente comparação entre as atuais críticas que o Papa enfrenta e as campanhas de ódio anti-semita – feita pelo reverendo Raniero Cantalamessa durante uma cerimônia religiosa oficial na sexta-feira de Páscoa no Vaticano – desencadeou uma tempestade de indignação entre os judeus ao redor do mundo.

- Perdeu a oportunidade de dialogar com os muçulmanos numa atmosfera de respeito mútuo. Em vez disso, na sua irrefletida mas sintomática palestra de 2006 em Regensburg, Bento caricaturou o islã como uma religião de violência e desumanidade, atraindo a continuidade da desconfiança muçulmana.

- Perdeu a oportunidade de reconciliação com os povos indígenas colonizados da América Latina. Em vez disso, o Papa afirmou com toda a seriedade que eles estavam “à espera e desejosos” da religião dos seus conquistadores europeus.

- Perdeu a oportunidade de ajudar o povo africano, não permitindo o controlo da natalidade para combater o excesso de população, nem os preservativos para combater a propagação da AIDS.

- Perdeu a oportunidade de fazer as pazes com a ciência moderna, não reconhecendo claramente a teoria da evolução, nem aceitando as pesquisas sobre as células-tronco.

- Perdeu a oportunidade de fazer do espírito do Concílio Vaticano II a bússola para toda a Igreja Católica, incluindo o próprio Vaticano, e assim promovendo as necessárias reformas no seio da Igreja. Este último ponto, respeitáveis bispos, é o mais importante de todos. Vezes sem conta, este Papa acrescentou qualificações aos textos conciliares e interpretou-os de forma contrária ao espírito dos pais da assembleia. Vezes sem conta, tomou expressamente posições contra o Concílio Ecumênico, que, de acordo com a lei canônica, representa a mais alta autoridade na Igreja Católica:

- Recebeu de regresso à Igreja, de forma incondicional, os bispos da tradicionalista Sociedade Pio X – bispos que foram ilegalmente consagrados fora da Igreja Católica e que rejeitam os pontos centrais do Concílio Vaticano II (incluindo a reforma litúrgica, a liberdade religiosa e a aproximação com o judaísmo).

- Promove por todos os meios a medieval missa tridentina e ocasionalmente celebra a eucaristia em latim de costas para a congregação.

- Recusa colocar em prática a aproximação à Igreja Anglicana, que foi inscrita em documentos ecumênicos oficiais pela Comissão Internacional Anglicana-Católica Romana, e em vez disso tem tentado atrair para a Igreja Católica Romana clérigos anglicanos casados, libertando-os da mesma regra de celibato que tem forçado dezenas de milhares de padres católicos romanos a abandonarem os seus lugares.

- Tem ativamente reforçado as correntes anti-conciliares na Igreja, nomeando elementos reacionários para lugares-chaves na Cúria (incluindo a Secretaria de Estado e posições na comissão litúrgica) e nomeando bispos reacionários em todo o mundo.

O Papa Bento XVI parece estar cada vez mais afastado da grande maioria dos membros da Igreja, que cada vez têm menos consideração por Roma e, na melhor das hipóteses, apenas se identificam com a sua paróquia e o seu bispo.

Sei que muitos de vocês estão sentidos com esta situação. Na sua política anti-conciliar, o Papa recebe o apoio total da Cúria Romana. A Cúria faz todos os esforços para rebater as críticas ao episcopado e à Igreja como um todo e para desacreditar os críticos com todos os meios ao seu dispor. Com o regresso à pompa e ao espetáculo atraindo a atenção dos meios de comunicação social, as forças reacionárias em Roma têm tentado mostrar-se perante nós como uma Igreja forte chefiada por um “vigário de Cristo” absolutista que reúne, em suas mãos apenas, os poderes legislativo, executivo e judiciário da Igreja. Mas a política de restauração de Bento XVI falhou. Todas as suas espetaculares aparições, viagens de exibição e declarações públicas falharam, não influenciando as opiniões da maioria dos católicos em assuntos controversos. Isto é especialmente verdade no tocante a temas sobre moral sexual. Até os encontros papais com a juventude, aos quais vão especialmente os grupos conservadores carismáticos, não têm conseguido parar a contínua perda daqueles que abandonam a Igreja, nem têm conseguido atrair mais vocações para o sacerdócio.

Vocês bispos, em particular, têm razões para estar muito pesarosos. Dezenas de milhares de padres têm abandonado o sacerdócio desde o Concílio Vaticano II, a maior parte devido à regra do celibato. Vocações para o sacerdócio, mas também para as ordens religiosas, irmandades e fraternidades laicas estão em baixa – não apenas quantitativamente mas também qualitativamente. Resignação e frustração espalham-se rapidamente, tanto entre o clero como entre os leigos ativos. Muitos sentem que foram abandonados com as suas necessidades pessoais, e muitos estão profundamente preocupados com o estado da Igreja. Em muitas das suas dioceses acontece o mesmo: cada vez mais igrejas vazias, seminários vazios e residências paroquiais vazias. Em muitos países, devido à falta de padres, mais e mais paróquias estão se fundindo, muitas vezes contra a vontade dos seus membros, em unidades pastorais cada vez maiores, nas quais se exige demais dos poucos sacerdotes sobreviventes. Isto é uma reforma de Igreja mais fingida do que real!

E agora, para além de todas essas crises, chega um escândalo de bradar aos céus – a revelação do abuso por parte de clérigos de milhares de crianças e adolescentes, primeiro nos Estados Unidos, depois na Irlanda, na Alemanha e em outros países. E para piorar a situação, a maneira como estes casos têm sido tratados tem levado a uma crise de liderança sem precedentes e a um colapso na confiança na liderança da Igreja.

Não se pode negar o fato de que o esquema em nível mundial de cobertura de casos de crimes sexuais cometidos por clérigos foi idealizado pela Congregação para a Doutrina da Fé sob a direção do cardeal Ratzinger (1981-2005). Durante o reinado do Papa João Paulo II, essa congregação já tinha cuidado de todos esses casos, debaixo de juramento do mais estrito silêncio. O próprio Ratzinger, a 18 de maio de 2001, enviou a todos os bispos um documento solene em que tratava de crimes severos (epistula de delictis gravioribus, no qual os casos de abuso eram selados sob o secretum pontificium), cuja violação poderia originar graves penalidades eclesiásticas. Assim, muitas pessoas, e com razão, esperaram um mea culpa pessoal da parte do antigo prefeito e atual Papa. Em vez disso, o Papa desperdiçou a oportunidade dada pela Semana Santa: no Domingo de Páscoa, teve a sua inocência proclamada urbi et orbi pelo reitor do Colégio Cardinalício.

As consequências de todos estes escândalos para a reputação da Igreja Católica são desastrosas. Importantes líderes religiosos já o admitiram. Numerosos pastores e educadores inocentes e empenhados estão a sofrer debaixo do estigma de suspeição que agora cobre a Igreja. Vocês, reverendos bispos, devem enfrentar a questão: o que acontecerá à nossa Igreja e à diocese de vocês no futuro? Não é minha intenção esboçar um novo programa de reforma da Igreja. Já fiz esse tipo de coisa mais do que o suficiente, antes e depois do concílio. Em vez disso, só quero submeter à sua consideração seis propostas que estou convencido que serão apoiadas por milhões de católicos que não têm voz ativa na atual situação.

1. Não se mantenham em silêncio. Ao ficarem calados em face de tantas e tão sérias queixas, vocês mesmos se sujam de culpa. Quando sentirem que determinadas leis, diretivas e medidas são contra-producentes, digam isso em público. Enviem a Roma não declarações da sua devoção, mas pedidos de reformas!

2. Definam reformas. Demasiados elementos na Igreja e no episcopado queixam-se sobre Roma, mas eles próprios não fazem nada. Quando as pessoas já não vão à igreja numa diocese, quando o padre pouco consegue, quando o público é mantido na ignorância acerca das necessidades do mundo, quando a cooperação ecumênica é reduzida ao mínimo, então a culpa não pode apenas ser atirada para cima de Roma. Bispos, padres, leigos ou leigas – todos podem fazer algo pela renovação da Igreja, dentro das suas esferas de influência, sejam estas grandes ou pequenas. Muitas das grandes realizações que foram conseguidas nas paróquias e na Igreja em geral devem sua origem à iniciativa de um indivíduo ou de um pequeno grupo. Como bispos, vocês devem apoiar iniciativas deste gênero e, especialmente dada a presente situação, dêem respostas às justas queixas dos fiéis.

3. Ajam de forma colegiada. Após um aceso debate e contra a persistente oposição da Cúria, o Concílio Vaticano II decretou a colegialidade do Papa e dos bispos. O fez no sentido dos Atos dos Apóstolos, nos quais Pedro não atuava sozinho sem a assembleia dos apóstolos. Mas na era pós-conciliar o Papa e a Cúria têm ignorado este decreto. Apenas dois anos após o concílio, o Papa Paulo VI publicou uma encíclica defendendo a controversa lei do celibato sem efetuar qualquer consulta aos bispos. Desde então, as políticas papais e o magistério papal têm continuado a desenvolver-se na antiga forma, não colegiada. Mesmo em questões litúrgicas, o Papa reina como um autocrata acima de e contra os bispos. Não se importa de tê-los à sua volta, desde que não sejam mais do que figurantes sem voz ou direito de voto. É por isso, veneráveis bispos, que vocês não devem agir apenas por vocês, mas também em comunidade com os outros bispos, os padres e os homens e mulheres que compõem a Igreja.

4. Obediência incondicional é devida apenas a Deus. Apesar de na vossa consagração episcopal terem tido que efectuar um juramento de obediência incondicional ao Papa, sabeis que tal obediência incondicional nunca pode ser dirigida a qualquer autoridade humana, apenas pode ser dada a Deus. Por esta razão, não deveis sentir que o vosso juramento vos impede de dizer a verdade acerca da actual crise que enfrenta a Igreja, a vossa diocese e o vosso país. O vosso modelo deve ser o apóstolo Paulo, que se atreveu a opor-se a Pedro "na sua presença, pois ele estava manifestamente errado" (Carta aos Gálatas, 2:11)! Pressionar as autoridades romanas dentro do espírito de fraternidade cristã pode ser admissível e mesmo necessário quando elas não conseguem estar à altura do espírito do Evangelho e da sua missão. O uso das línguas vernáculas na liturgia, as mudanças nos regulamentos que regem os casamentos entre pessoas de diferentes religiões, a afirmação da tolerância, da democracia e dos direitos humanos, a abertura a uma aproximação ecumênica, e muitas outras reformas do Vaticano II apenas foram alcançadas devido à tenaz pressão vinda de baixo.

5. Trabalhem em prol de soluções regionais. O Vaticano tem frequentemente feito ouvidos moucos aos bem-fundamentados pedidos do episcopado, dos padres e dos leigos, o que é mais uma razão para se procurar soluções regionais sensatas. Como vocês sabem muito bem, a regra do celibato herdada da Idade Média representa um problema particularmente delicado. No contexto do atual escândalo de abuso por parte de clérigos, a prática tem sido cada vez mais posta em dúvida. Contra a vontade expressa de Roma, uma mudança dificilmente será possível – mas tal não é razão para resignação passiva. Quando um padre, após uma reflexão madura, deseja casar-se, não há razão para que automaticamente se demita do seu lugar, se o seu bispo e a sua paróquia decidirem continuar a apoiá-lo. Diferentes conferências episcopais poderiam dar o exemplo com soluções regionais. No entanto, seria melhor procurar uma solução para toda a Igreja. Assim:

6. Peçam um concílio. Tal como a obtenção de reforma litúrgica, liberdade religiosa, ecumenismo e diálogo inter-religioso exigiu um concílio ecumênico, também agora é necessário um concílio para resolver os problemas que se avolumam dramaticamente e que clamam por uma reforma. No século anterior à Reforma, o Concílio de Constança decretou que os concílios deveriam realizar-se a cada cinco anos, mas a Cúria Romana conseguiu contornar esta regra. É perfeitamente claro que a Cúria Romana, temendo limitações ao seu poder, fará tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que um concílio se reúna nas presentes condições. É por isso que está nas mãos de vocês fazer pressão para a convocação de um concílio, ou pelo menos uma assembleia de bispos representativa.

Com a Igreja em profunda crise, este é o meu apelo a vocês, veneráveis bispos. Ponnham para funcionar a autoridade episcopal que foi reafirmada pelo Concílio Vaticano II. Nesta situação de emergência, os olhos do mundo voltam-se na direção de vocês. Inúmeras pessoas já perderam a confiança na Igreja Católica. Apenas reconhecendo aberta e honestamente estes problemas e resolutamente efetivando as necessárias reformas a sua confiança pode ser recuperada. Com o devido respeito, peço a vocês que façam a sua parte – juntamente com os seus irmãos bispos, na medida do possível, mas também sozinhos se assim for necessário – com “intrepidez” apostólica (Atos dos Apóstolos 4.29, 31). Dêem aos seus fieis sinais de esperança e encorajamento, e dêem à nossa Igreja uma perspectiva de futuro.

Com calorosas saudações, em comunhão de fé cristã, seu

Hans Küng

(Fonte: PÚBLICO/The New York Times. Tradução: Eurico Monchique. Adaptação ao português do Brasil: Clovis Lindner)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Danke!


A canção de Martin Schneider na gravação da banda "Die Ärzte", em 1963.

Martin Schneider completa 80 anos


Ele não é tão conhecido entre nós, mas o seu hino é um dos mais cantados do HPD: “Graças, Senhor, eu rendo muitas graças”. Gerações de jovens e gente de todas as idades tem entoado este hino ao longo de décadas, não somente na IECLB, mas em todo o mundo cristão. Trata-se de uma das canções cristãs mais populares dos últimos 50 anos em todo o mundo.

Martin Gotthard Schneider, músico e teólogo protestante, completou 80 anos no último dia 26 de abril, na Alemanha. A sua canção, que tem tradução para mais de 25 idiomas, é entrementes a única que atingiu o primeiro lugar nas paradas de sucesso popular na Alemanha, por seis semanas seguidas.

“Graças” surgiu em 1961, está na maioria dos hinários evangélicos e ainda hoje é a canção mais popular de encontros como o Dia da Igreja ou de cultos jovens ao redor do mundo, mesmo depois de 50 anos. Na gravação do coral Botho-Lucas e da banda “Die Ärzte”, a canção conheceu o sucesso das paradas em 1963.

O compositor Martin Schneider nasceu em 1930, em Constança, e compôs inúmeros hinos. Entre os mais conhecidos também está “Qual barco singra pelo mar, a Igreja do Senhor”.

Suas canções inauguraram uma nova tendência de explicitar os conceitos da fé de forma simples e popular, afastando a formulação da fé da atribuição exclusiva do pastor sobre o púlpito. Com esta postura, Schneider acertou em cheio o coração de toda uma geração de cristãos que, atingida pelos ventos renovadores do rock e do pop, queriam um novo jeito de ser igreja, com canções menos baseadas no som dos pesados órgãos medievais e de canções acompanhadas por guitarras, baixos e bateria.

A sua mais famosa canção foi composta para um concurso de novos hinos, da Academia Evangélica de Tutzing, em 1961, ganhando o primeiro lugar. As melodias desses hinos deveriam inspirar-se em estilos como o jazz e a música popular. Obviamente, tudo isso não aconteceu sem “veementes protestos” de lideranças eclesiásticas mais conservadoras. Especialmente os teólogos e os músicos da igreja teriam se distanciado da canção de sucesso no primeiro momento. Para eles, a melodia era muito simplista e o texto raso demais.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Magia em duas vozes




JOTABÊ MEDEIROS - NEW ORLEANS

Havia um tornado castigando a região, mas misteriosamente o temporal do dia anterior (e a tempestade prevista pela meteorologia) não deu as caras no sábado em New Orleans. Era como uma concessão divina, pois a tarde era ansiosamente aguardada pelos amantes da música: a dupla Simon & Garfunkel, veteranos do folk dos anos 1960 e 1970, faria no palco principal do Jazz Fest, o festival quarentão da cidade, a sua única aparição nos Estados Unidos neste ano.

Primeiro, uma orquestra de metais, artistas nativos de New Orleans, passearam pelo palco como numa profissão de Mardi Gras. Quando Paul Simon e Art Garfunkel subiram ao palco atacando A Hazy Shade of Winter sob uma percussão rasgada, de taquara, a tarde parou.

Nem Simon nem Garfunkel cantam mais como cantavam, é bom dizer. Aquela velha e inigualável harmonia entre as vozes acontece apenas em alguns momentos, mas quando isso é percebido parece ilusionismo: tudo fica tranquilo e pacífico, e o grande público do festival já dançava na lama, em êxtase.

Há controvérsias sobre quem está desafinando mais. Simon nem está mais cantando tanto, a voz parece cansada nos solos. Garfunkel, que teve uma laringite, praticamente não cantou em certos momentos, mas num rompante eufórico, segurou a onda, e vice-versa (porque seu o dueto é o mais bonito das duplas folk de todos os tempos, uma simbiose perfeita).

Havia muita gente na plateia que parecia vinda direto do Festival de Woodstock a pé, e saída de lá sem pressa em 1969: velhos hippies com flores no cabelo, ativistas de toda espécie (o ator Tim Robbins estava na área VIP), gente que acabou deixando muito chinelo na lama (havia muita lama, e muito chinelo e tênis foram abandonados ali). As pessoas dançavam descalças, e casais se abraçavam.

"Parece que trouxemos até algum sol", brincou Simon, de chapeuzinho e camisa xadrez e sapato branco. Segundo ele, Garfunkel, de camisa azul por fora das calças e gravata de seda deliberadamente mal-amarrada, tinha dúvidas sobre se conseguiria fazer mais esta turnê de retorno. Mas se tinha dúvidas, esquecera no avião. Estava nas nuvens. "Wow, wow, wow", repetia Garfunkel, no fim da apresentação.

Era a primeira vez de Simon & Garfunkel, juntos, em New Orleans. Algo tão importante que o show foi apresentado pelo próprio prefeito, Mitch Landrieu. Antes de começar, houve um princípio de confusão e a organização vetou as fotos do show - disseram que havia 70 fotógrafos em fila, e mais 100 estavam tentando entrar no fosso. Alegaram que poderia dar confusão.

Simon chegou prometendo "velhas canções, mas velhas mesmo". Não deu outra. A banda deles é simplesmente arrasadora, alternando uma guitarra pesada (dois braços) e percussão infernal com vocais absurdamente lindos (embora com falhas e desafinações). No final, o trompetista Terence Blanchard subiu ao palco e tocou com a dupla.

Eles foram empilhando as canções que são conhecidas de gerações: Bridge Over Troubled Water, Not Fade Away, Mrs. Robinson, El Condor Pasa, Scarborough Fair (com violoncelos ao fundo). E então veio um set solo de Paul Simon, com Diamonds on the Soles of Her Shoes, Boy in the Bible, That Was Your Mother, The Only Living Boy in New York.

Engraçado, mas é quando a dupla se encontra que tudo realmente se encaixa: com The Sound of Silence e The Boxer, a tarde psicodélica tinge a Louisiana de alegria. Mas ainda tem outra surpresa: no final, para encerrar com Cecilia, Simon chama o trompetista Terence Blanchard (dono de quarto Grammy quase em sequência e um Oscar), mais o clarinetista Michael White e o Rei do Zydeco, Rockin" Dopsie Jr., para engrossar a turma.

Mestre nas "costuras". Paul Simon sabe como fazer uma música crossover (se há alguém que sabe tudo sobre isso é ele). A música de Simon & Garfunkel parece urbana demais, viajandona demais para as tradições da Louisiana, mas ele sabe como "cozinhar" as diferenças, aproximá-las (como quando empreendeu suas míticas expedições à música da América do Sul.) Em New Orleans, ele extraiu seu bálsamo musical da notável tradição cultural que existe na região. Enfiou um sample de Not Fade Away no meio de Mrs. Robinson, agiu como um generoso mestre de cerimônias da comunidade artística, brincou com o violão em Homeward Bound, encantou-se com o deslumbramento do colega Garfunkel como se ainda fossem os velhos amigos dos tempos do Queens, em Nova York. Ambos estão à beira dos 70 anos, e a maioria das canções que tocaram foram feitas quando tinham 20 anos. Mais do que nostalgia, no entanto, o resultado parece um doce reencontro com o tempo das utopias solidárias. (texto e imagem do ESTADÃO)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Adeus, amigo Homero!

Este blog está de luto.

Com extremo pesar e entregues ao consolo de Deus, noticiamos o falecimento do Pastor Primeiro Vice-Presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, Homero Severo Pinto, ocorrido hoje, 23 de abril, às 4h30min, em Porto Alegre (RS).

O pastor Homero foi vitimado pela Malária Encefálica, que adquiriu durante viagem de missão a Moçambique, em fevereiro, durante visita à igreja parceira da IECLB naquele país, a Igreja Evangélica Luterana em Moçambique. Ele não resistiu a um período de internação superior a 40 dias.

O corpo do pastor Homero está sendo velado na Igreja da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Portão (RS), onde haverá um culto amanhã, 24 de abril, às 9 horas, de onde sairá o féretro para o sepultamento, previsto para as 12h, no Cemitério de Taquara (RS).

Maiores informações estão sendo disponibilizadas no Portal Luteranos, pelo endereço http://www.luteranos.com.br/.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Raios vulcânicos? Que raios!


Com a entrada em erupção do vulcão da Islândia, o Eyjafjallajoekul ("belo nome!", diria um amigo meu), uma coisa impressionante me chamou a atenção nas reportagens que o mostram imponente, incontrolável, como se soubesse o infinito poder que tem. Em meio à sua imensa nuvem de fumaça, na saída da cratera, raios aparecem o tempo todo.

O vulcão Tungurahua, no Equador, diante do qual eu estive pessoalmente no início do ano, também lançava rajadas poderosas de fumaça e pedras, mas não havia raios. Nem mesmo durante a noite, quando o espetáculo é ainda mais impressionante. Por isso, até agora eu nunca tinha ouvido falar em raios vulcânicos.

Mas eles existem, e são fantásticos, como você pode ver na foto. Eles se formam a partir da eletricidade estática causada pelas cinzas.

Aliás, uma outra sugestão: Já que o vulcão tem esse nome impronunciável e ilegível, por que não o rebatizam de Bin Laden? Afinal, com o caos que ele causou em absolutamente todos os aeroportos da Europa, esse cara da Al-Qaeda (que eu já duvido até que exista de verdade) é um estrategista mediano.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Encheu, viu?


Hoje, 21 de abril, há 50 anos, o presidente Jucelino Kubitscheck, o JK, inaugurava Brasília. Foram três anos de trabalho ao redor do relógio e muita, muita oposição. Um país inteiro não acreditava que JK conseguiria. Os grandes jornais, os políticos da oposição e da base aliada, os funcionários públicos e os integrantes dos três poderes da República, que não abriam mão da proximidade das belas praias cariocas, combatiam a ideia da transferência da Capital para o sertão de Goiás com toda a força que conseguiam juntar em seus corpos.

Um bom exemplo do clima na imprensa em torno da obra da NovaCap - a empresa criada pelo Governo para construir a capital - é um artigo escrito pelo escritor Gustavo Corsão num dos maiores jornais do Brasil à época. Engenheiro que era, Corsão afirmou que o Lago Paranoá jamais ficaria cheio, porque o solo da região em que a Capital estava sendo construída era muito poroso e absorveria toda a água destinada a enchê-lo. No dia da inauguração, o lago estava cheinho. Uma beleza. Qual não foi a sua surpresa ao receber um telegrama de JK em sua casa, no Rio. Ao abrir o telegrama, havia duas palavras: "ENCHEU, VIU?"

A determinação exagerada de JK presenteou o Brasil com Brasília, hoje patrimônio mundial e uma das mais belas obras de engenharia do século 20 em todo o mundo. Saiu das pranchetas de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer um marco da arquitetura mundial e referência em todo o mundo, pela abundância de curvas em seu perfil arquitetônico.

Meio século depois, as polêmicas iniciais foram superadas e Brasília não encheu somente o Lago Paranoá, mas transformou-se numa cidade cheia. Além de sua inegável beleza e importância para a estratégia de desenvolvimento da Nação, também é uma cidade cheia de problemas. O belo Eixo Monumental está hoje cercado de caos urbano. As cidades-satélite são imensas favelas que foram se agregando à cidade de forma desordenada e longe das pranchetas. E também a cidade "ENCHEU, VIU?".

Essa confusão brasiliana é um retrato miniaturizado do próprio país do qual Brasília é a capital. Belíssimo e pronto para engatar marcha de cruzeiro, o Brasil está cheio de problemas para resolver, não só de infra-estrutura, mas principalmente com relação a sua gente. Uma locomotiva turbinada como a economia brasileira não pode continuar arrastando vagões sucateados e cheios de gente que não tem direito algum.

Que o telegrama de JK chegue aos corações dos brasileiros e das brasileiras, despertando para uma reação sem precedentes, no sentido de construirmos uma nação justa e digna para todos os nossos compatriotas. Fome e miséria: "Encheu, viu?"; corrupção e roubalheira: "encheu, viu?"; ensino sem qualidade e falta de habitação: "encheu, viu?"; injustiça no campo e na cidade: "encheu, viu?"; tantos outros problemas: "encheu, viu?"... Que o nosso Lago Paranoá da justiça social, da vida digna para todos, de habitação, terra e educação possa encher de verdade, e rapidamente. Para que possamos encurtar o "Parabéns, Brasília", transformando-o num "Parabéns, Brasil!".

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Homenagem a Richard von Weizsäcker


Richard von Weizsäcker, o ex-presidente da Alemanha, completa hoje 90 anos de vida. Quem vê a sua vivacidade e independência, não acredita que ele alcançou a idade dos anciãos. Como sempre, ele continua sendo um requisitado conferencista e um astuto debatedor em círculos de conversa sobre os mais importantes temas da atualidade.

O seu nome está ligado de modo indelével com um discurso que ele fez no Parlamento alemão, no dia 8 de maio de 1985, pela passagem dos 40 anos do fim da Segunda Guerra Mundial: "O dia 8 de maio de 1945 foi um dia de libertação. Ele nos libertou a todos do sistema de desrespeito ao ser humano da dominação nacional-socialista". Pela primeira vez um alemão disse de forma inconteste o que representava para este povo o fim daquele lamentável período.

Richard von Weizsäcker reside em Berlim. Entre os anos de 1981 e 1984 ele foi o prefeito de Berlim e de 1984 a 1994 ele foi o sexto Presidente da República Federal da Alemanha. De 1964 a 1970 e de 1979 a 1981 ele foi por dois períodos o Presidente do Dia da Igreja da Alemanha. De 1967 a 1984 foi delegado dos sínodos da Igreja e integrou o Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Igreja ainda tem futuro?


Por RUI MARTINS – (Extraído, para ampla divulgação, do blog http://pagina-um.blogspot.com/)


Berna (Suiça) - Quando tomei o trem para me encontrar com o teólogo Hans Küng, na cidade de Tübingen, via Zurique e Horb, tinha digerido um volumoso livro com mais de 700 páginas. Em alguns dias, minhas anotações e orelhas lhe deram uma feição de livro batido e envelhecido.

O título – Memórias, uma Verdade Contestada, uma foto de Hans Küng, ele sim um intelectual idoso de 82 anos, mas lúcido, vivo e de hábitos bem suíços, nascido que foi em Lucerna. Mal cheguei em sua casa, que é também sede do seu Instituto de ética planetária, já nos sentamos para a entrevista que gravei no meu digital mini-disk profissional, para evitar qualquer dúvida depois da publicação.

A quase íntegra ocupa uma página no Expresso, deste sábado, jornalão semanário de Lisboa. O título – O grande problema é o celibato dos padres, com um sobretítulo – teólogo reformador diz que é urgente agir. Küng queria que falássemos só do conteúdo do livro, respondi que para isso não precisaria ter viajado mais de quatro horas. Aceitou, me deu um máximo de 45 minutos, que acabaram sendo mais de uma hora e disparei – a Igreja ainda tem um futuro?

Hans Küng é um teólogo contestador que se poderia também dizer provocador. Não foi proibido de falar, como aconteceu com o nosso Leonardo Boff, mas há vinte anos, a Cúria romana lhe tirou o direito de ensinar a teologia católica na Universidade de Tübingen. Naquela época não se falava em pedofilia, mas num dogma duro de se engolir, mesmo para um teólogo católico apostólico romano – o da infalibilidade papal. Küng escreveu um livro contestando, lembrando que, no primeiro milenário cristão, isso não existia, mas que o absolutismo da Igreja veio bem depois.

Ao lhe aplicar a punição, a Igreja pensava ter aplicado uma pena inquisitorial capaz de silenciar o irreverente e reduzi-lo a um padre anônimo. Nada disso aconteceu. Küng recebeu o apoio dos estudantes, do governo alemão revoltado com a intromissão do Vaticano numa de suas universidades e até de teólogos protestantes, não só alemães mas de todo mundo. Deixou de ensinar teologia, mas a universidade criou a cadeira de ecumenismo e, enquanto o novo professor de teologia católica ficava com a classe às moscas, as aulas de Küng eram disputadas, ainda mais por já não terem um cunho confessional.

Durante a entrevista, Küng lembrou-se dos brasileiros que encontrou durante o Segundo Concílio do Vaticano, convocado pelo Papa João XXIII, para uma grande reforma na Igreja; Paulo Evaristo Arns, Aloísio Lorscheider, Helder Câmara e Sérgio Mendes Arceu.

Em pouco tempo, logo depois da morte de João XXIII e a eleição de Paulo VI, a Cúria Romana reassumiu o controle da situação e todas as reformas foram esquecidas, cometendo-se ainda outros absurdos como a encíclica contra os anticoncepcionais, justamente quando as mulheres descobriam a pílula. A chegada do polonês João Paulo II foi ainda mais contundente, acentuando o reacionarismo, fundamentalismo e o mediavelismo de uma Igreja, hoje rejeitada pelo jovens e cedendo rapidamente terreno aos evangélicos na América Latina.

O livro de Hans Küng conta com pormenores a época em que Joseph Ratzinger, convidado por Küng, veio também lecionar em Tübingen. Ambos despontavam como jovens teólogos da Igreja, porém, pouco a pouco foram se distanciando ideologicamente a ponto de estarem, hoje em posições opostas.

O Papa Bento XVI nada tem a ver com o jovem Ratzinger que também participou com Küng dos encontro do Vaticano II. A Igreja Católica de hoje vive num impasse e para sobreviver precisa rever alguns de seus dogmas e posições, como o celibato clerical, o absolutismo Papal e sua pretensa infalibilidade, o dogma da assunção de Maria, a questão dos anticoncepcionais, sua posição diante do ecumenismo e o próprio papel da mulher dentro da Igreja.

Küng argumentou num artigo no jornal Le Monde que o celibato clerical criou problemas no clero católico e é uma das principais causas da pedofilia dentro da Igreja e das instituições dirigidas pela Igreja. Enfim, a Igreja – segundo ele – tem ainda seu futuro mas os bispos e os fiéis precisam agir, durante este Papado, ou na eleição do próximo Papa, a fim de se retornar aos princípios do Vaticano II.

Resumindo, a hora é grave para a Igreja, que insiste em não querer ver o mundo no qual vivem seus fiéis. Muitos bispos não estão dispostos a continuar aceitando os escândalos, mesmo se o Vaticano substituiu todos os cardeais e bispos reformadores por reacionários não só no Brasil mas em todo mundo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A desnecessária repetição da crucificação

Filipina católica Mary-Jane Mamangun é pregado numa cruz como uma reencenação da crucificação de Cristo, na aldeia de San Juan, ao norte de Manila, nas Filipinas, em 02 de abril de 2010. (Getty Images)


Nas Filipinas atos de crucificação real transformaram-se em ritual santo e atração turística ao mesmo tempo. Em vista disso, as igrejas católica e protestante conclamaram o povo a abandonar esta prática e a expressar sua fé e sua penitência de outra maneira durante a semana santa.

“Se Jesus estivesse vendo aqueles que se auto-flagelam ou se crucificam a si mesmos, perguntaria a si mesmo ‘por que eles precisam fazer todas essas coisas se eu próprio já fui crucificado e morri pelo mundo e por toda a humanidade?’”, disse o rev. Rex Reyes, secretário-geral do Conselho Nacional de Igrejas nas Filipinas.

Ele se pronunciou depois que 27 penitentes, entre eles duas mulheres, se deixaram pregar em cruzes, em Manila, na quinta-feira santa. Segundo a polícia, cerca de 50 mil pessoas, turistas estrangeiros entre elas, assistiam ao bárbaro evento.

Os penitentes crucificados ignoraram a advertência dos bispos católicos para que não se ferissem desnecessariamente. “Há diversos outros caminhos para nos penitenciarmos dos nossos pecados”, disse o bispo Dinualdo Gutierrez.

Em sua mensagem de Páscoa, Reyes exortou os fiéis a meditar sobre a ressurreição de Jesus. Citando Gálatas 5.1, Reyes disse que a ressurreição dá à humanidade a esperança de “nunca mais ter que voltar a submeter-se ao jugo da escravidão”. Segundo ele, “nós não temos necessidade de re-encenar a crucificação”.

Antes, se espera que “vivenciemos a nossa fé defendendo a dignidade das pessoas em todos os tempos, não desperdiçando os recursos naturais do planeta, pagando salário justo aos trabalhadores, realizando serviço público livre de corrupção, promovendo justiça sem morosidade e não mais ensinando a guerra às nossas crianças”.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Pedido irrecusável


“Pare de usar lâmpadas incandescentes que nós paramos de fazer cartazes como este”. Cartaz da Y&R Dubai para Ecobility.

65 anos da execução de Dietrich Bonhoeffer

Busto de Bonhoeffer, no campo de concentração Flossenbürg

Logo ao amanhecer do dia 9 de abril de 1945 o pátio do campo de concentração Flossenbürg, em Regensburg, já está todo iluminado. Sete oponentes do regime nazista são retirados de suas celas. Entre eles há também um pastor luterano: Dietrich Bonhoeffer. Os prisioneiros são informados sobre o veredicto pronunciado na noite anterior por um tribunal da SS: pena de morte por alta traição. Bonhoeffer somente consegue pronunciar uma curta oração. Em seguida, ele é obrigado a livrar-se de suas roupas e a subir as escadas rumo ao cadafalso. “Raramente vi um homem morrer de forma tão entregue a Deus”, teria anotado mais tarde o médico do campo de concentração.

Bonhoeffer alcançou somente 39 anos de idade. Mesmo assim, poucos teólogos evangélicos do século 20 tiveram tamanha influência sobre a igreja e a sociedade como ele. Ruas e escolas, igrejas e casas comunitárias hoje recebem dele o nome. Um filme relata a sua história, “Bonhoeffer – O Último Degrau”, com Ulrich Tukur (1999).

O seu apaixonado protesto contra os nacional-socialistas, a sua participação ativa na oposição a Hitler, os seus livros e o seu martírio há 65 anos são admirados em todo o mundo. Na visão do ex-presidente da Igreja Evangélica na Alemanha, Wolfgang Huber, ele é um exemplo na fé e, neste sentido, um “santo evangélico”.

Bonhoeffer nasceu no ano de 1906 em Breslau, como filho de um professor de psiquiatria, e cresceu numa família de sete irmãos em Berlim. Foi aluno brilhante na universidade de Berlim, tornando-se livre-docente aos 25 anos de idade.

Ao complementar seus estudos em Nova York, ele experimentou a discriminação racial na própria pele. Residindo no bairro negro do Harlem ele e um amigo negro tinham que andar em bondes separados. No ano de 1932 ele se ocupa do Sermão da Montanha, o que o conduz de uma fé intelectualizada à ação. Ele agora quer conduzir sua vida no seguimento a Jesus e torna-se adepto dos ideais pacifistas.

Ele encara os nazistas como um perigo para a Alemanha. Já dois dias após Hitler ter tomado o poder em 1933, ele alerta num programa de rádio que o “Führer” (condutor) poderia tornar-se um “Verführer” (sedutor). Em abril do mesmo ano, impressionado com a perseguição aos judeus, ele sugere a necessidade de “não somente tratar das feridas dos que caem sob a roda, mas lançar a si mesmo entre os raios da roda”. Poucos aceitam o seu pensamento radical.

Estraçalhado pela polêmica na Alemanha, Bonhoeffer vai trabalhar em Londres como pastor no exterior. Em 1935 ele retorna e assume o seminário de pregadores da “igreja confessante” na Pomerânia, que faz oposição ao regime. Em 1938 ele fica sabendo dos planos de guerra de Hitler e de seu sonho de construir o Reich.

Em 1939 Bonhoeffer vai aos EUA proferir palestras e é convidado para assumir a docência. Ele entretanto logo retorna: “Eu preciso vivenciar este período difícil da nossa história ao lado dos cristãos na Alemanha”. E ele inicia uma arriscada vida dupla, engajando-se em 1940 no serviço secreto militar alemão, onde o seu cunhado e outros trabalham em segredo para a resistência. Agora ele é oficialmente agente da contra-espionagem. Na verdade, entretanto, ele engaja lideranças eclesiásticas no exterior nos planos de um golpe contra Hitler.

Em meio à confusão da guerra, Bonhoeffer fica noivo em 1943 da jovem Maria von Wedemeyer, de 18 anos. Entretanto, ele é preso já em abril, e sua namorada somente pode vê-lo a grande distância na prisão. Em sua cela em Berlim, Bonhoeffer escreve aquelas cartas a amigos e familiares que mais tarde tornam-se famosas sob o título “Resistência e Submissão”. Entre os textos está também a sua poesia “Protegido maravilhosamente por bons poderes”.

Quando fracassa o planejado atentado a Hitler, de 20 de julho de 1944, toda a grandiosidade da traição, em que estão envolvidos Bonhoefer, seu irmão Klaus e seu cunhado Dohnanyi, é revelada. Em abril de 1945, enquanto as tropas dos aliados já se aproximam de Berlim, os nazistas lançam o pastor no campo de concentração Flossenbürg. Hitler já havia ordenado a execução de todos os “traidores”. Bonhoeffer teria se despedido de um companheiro de cela com as palavras: “Este é o fim – para mim o início da vida”.
Fonte: www.ekd.de (Adaptação: Clovis Lindner)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Derrubem todos os muros!

Guerra religiosa na trincheira do esporte?

Jogadores do Santos no Programa do Jô (Foto Terra)
O apresentador Jô Soares recebeu, ontem à noite, o elenco do Santos no Programa do Jô. Logo no início os santistas levaram uma bronca porque na semana passada alguns atletas se recusaram a descer do ônibus e visitar crianças portadoras de paralisia cerebral e outras deficiências que estão numa instituição assistencial espírita. A turma dos “evangélicos”, que condena o espiritismo e não quer nem ouvir falar de relações ecumênicas, puxou a frente da atitude pouco civilizada dos atletas.

Sem querer insistir muito no “puxão de orelha”, Jô aliviou o que chamou de “bronquinha”, afirmando que os jogadores eram jovens e poderiam errar. Também o técnico Dorival Júnior entrou no “deixa disso”, dizendo que deve ser programada uma outra visita para amenizar o erro: “É possível uma volta sim, mas no momento certo. O episódio ficou no passado, todos erram”.

André, Fábio Costa, Léo, Marquinhos, Neymar, Paulo Henrique Ganso, Robinho, entre outros, não desembarcaram do ônibus para visitar a instituição por questões religiosas. O objetivo era distribuir ovos de Páscoa às crianças. Do ponto de vista humanitário, a atitude é lamentável. Do ponto de vista do respeito pela crença alheia, é inaceitável, especialmente porque naquele momento a questão religiosa era a menos importante. Atitudes de intolerância, como esta, somente aumentam as divisões.

Não vai demorar muito para que tais hostilidades explícitas e gestos de intolerância marquem momentos lamentáveis em nossos campos de futebol. A rivalidade já está em campo em nome do esporte, tão decantado como fator de união entre os povos, coisa que eu questiono. Não vai ser difícil tal rivalidade levar à intolerância em nome da pretensa “ortodoxia”. Cristãos arrogantes, atletas com o ego inflado e torcedores misturando as cores do time com convicção religiosa... um coquetel perfeito.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Dota Kehr



Fiquei encantado com esta descoberta. Desde 2003 esta jovem cantora alemã encanta no Brasil com a sua maviosa voz. Ela já gravou dois CDs no Brasil e está lançando o sétimo de sua carreira. Imaginar que ela começou cantando na rua, como muita gente faz na Alemanha... Ouça e encante-se também!

Uma defesa dos direitos humanos


Quanto a essa história de dizer que quem defende os direitos humanos, na verdade, defende os direitos dos bandidos, é um argumento reducionista. Para qualquer pessoa que queira argumentar com seriedade sobre o tema, é um total despropósito e tem cheiro de difamação. A defesa dos direitos humanos é infinitamente mais ampla, séria e importante do que a defesa dos direitos dos bandidos.

É necessário ver um viés positivo neste debate. Eu me considero um intransigente defensor dos direitos humanos. Por isso mesmo, considero uma grande injustiça reduzir este debate ao nível do chão, como fazem muitos, inclusive neste blog.

Minha sincera luta vai em direção da defesa de uma sociedade que seja capaz de promover um relacionamento baseado no bom senso, na paz, no abandono da violência como forma de conquistar direitos. Minha inspiração está em biografias como as de Gandhi, Martin Luther King ou, mais recentemente, Nelson Mandela. É possível conseguir tudo sem apelar para a violência.

Creio que podemos construir uma sociedade sem diferenciações por causa de posses, aparência, grau de estudo, gênero, nacionalidade, cor da pele, classe social ou qualquer outra forma idiota de comparação entre seres obviamente iguais. Nada melhor do que um estudo de anatomia humana para confirmar que somos irremediavelmente feitos, todos, do mesmo jeito.

Creio também que todo ser humano tem direito a julgamento justo e defesa ao incorrer em delito e que, se considerado culpado, deve pagar por seu erro. Ainda assim, deve receber um castigo justo e tratamento humano enquanto paga pelo seu erro.

Mais. Acredito que sejamos capazes de instalar uma sociedade assim e que já demos passos importantíssimos na direção dela.

O passo mais importante, obviamente, foi a promulgação dos Direitos Humanos como um arrazoado de princípios básicos, sem fronteiras, válidos em todo o nosso pequeno planeta. Esta carta da ONU garante direito a pátria, emprego, casa/propriedade, salário justo, alimentação, estudo, tratamento humano até na prisão (sim senhor!), saúde pública e de qualidade, asilo em caso de perseguição, julgamento justo e conforme o direito internacional... e por aí vai.

Mesmo porque a nossa sociedade, graças a Deus, é constituída de 99% de gente honesta, trabalhadora e pronta a viver de forma digna. É por essa gente que vale a pena defender os direitos humanos. Não é pela insignificante minoria de desviados, bandidos ou imprestáveis...

E olha que essa proporção vale até mesmo para a favela da Rocinha ou para qualquer outra. Na Rocinha não há mais de 400 pessoas com ficha suja na polícia. A esmagadora maioria dos seus moradores é constituída de gente honesta, trabalhadora, temente a Deus, que tem amor aos seus, acredita na família e morre de medo da polícia e de desrespeitar a lei. Mas, do ponto de vista dos direitos humanos, estão completamente à margem do que a ONU considera vida digna.

Por eles, me desculpe, mas vou continuar apostando nos direitos humanos (sem aquelas irônicas aspas, por favor). É um compromisso ético, uma aposta de fé, uma convicção inarredável.

Conforme a ilustração acima, há uma regrinha muito simples que eu procuro seguir nessa questão dos direitos humanos: Pergunte-se a si mesmo o que gostaria que os outros fizessem em relação a você, então tome a iniciativa e faça-o você mesmo em relação a eles! Aliás, é uma regrinha que Jesus já havia ensinado aos seus discípulos (e, por meio deles, a todos nós): "Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles" (Lucas 6.31).

Entretanto, tenho discernimento suficiente para evitar o uso de argumentos morais infantis em defesa do que considero certo e errado (do tipo inspirado na religiosidade primitiva e inocente de muitos dos nossos frequentadores de igreja, ou até de filiados a partidos de qualquer ordem, coisa que nunca fui). Estou ciente de que a minha visão do que é certo e errado é subjetiva, e tenho abertura suficiente para colocá-la na vitrine do debate salutar. Espero, sinceramente, ser tratado da mesma maneira.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O sofrimento que produz salvação



A Sexta-feira Santa é um dia de luto para a cristandade, que rememora a morte e o sofrimento de Jesus. Embora uma minoria de cristãos pleiteie a cruz vazia como símbolo máximo da fé cristã – sem o corpo de Jesus a cruz remete para a Páscoa e a ressurreição –, ainda é o corpo sofrido de Cristo, pendurado no madeiro, que mais impressiona e mexe com a fé de milhões de adeptos em todo o mundo.

Numa sociedade que se afasta sistematicamente da morte e recusa contato com ela, não deixa de impressionar este laço afetivo tão forte com o Jesus Morto. Embora para muitos a alegria da Páscoa seja mais celebrada do que a visão da dor da Paixão sextafeirina, não é possível alegrar-se sem ter a cruz, o sangue, a coroa de espinhos, a sepultura, a dor das Marias, a insegurança angustiada dos discípulos, o sadismo dos soldados romanos e a covardia ambígua de Pilatos como panos de fundo.

É um velório anual repleto de luto, dor e estupefação. Não aceitamos a crueldade humana contra o filho de Deus. Repudiamos a condenação de um inocente. Não compreendemos, também, um pai que abandona o seu filho na cruz, à própria sorte, não se importando com o seu grito: “Eli, Eli, lama sabactâni!!!”.

É a mais intrigante frase de Jesus, que sai de sua boca moribunda e cobra o abandono e a solidão absoluta, justo na hora mais dolorida e angustiante. Um “por quê?” sem resposta, que continua ecoando de forma não-revelada pelos nossos corações. Como é possível? Transforma-se em soco no estômago, nas palavras de Saramago: Como podem os cristãos adorar um Deus capaz de matar o seu único filho na cruz?

Toda esta angústia que tais afirmações causam está na base, no cerne da história da nossa salvação. A Páscoa não existe sem o sangue de Cristo, escorrendo do alto daquela cruz sextafeirina. O véu do templo partido ao meio, na hora em que Jesus entrega o seu espírito nas mãos do pai que o sacrifica, rasga-se do mesmo modo que o nosso coração dolorido. Aliás, o pai que sacrifica o filho é o mesmo que botou a mão na faca de Abraão na hora H, salvando Isaque. Desta vez, ele recusou-se a impedir a ação do cutelo imolador na própria mão.

Como lidar com uma acusação dessas? Como conviver com a comparação de que também a fé cristã não abre mão da antiquíssima ideia religiosa do sacrifício, que perpassa as crenças desde os primitivos povos africanos, os maias e astecas, o judaísmo e, por herança direta, também nós cristãos, que entendemos a nossa salvação possível somente por meio da crucificação do nosso Mestre e Senhor?

Não há nisso tudo um prazer mórbido, que aprecia o sangue escorrendo pela vala do altar de sacrifício, saindo do corpo empalidecente do bode expiatório? Acusaram Mel Gibson de abusar do sangue no seu filme sobre a paixão de Cristo, mas ele não retratou fielmente o prazer, tão humano, de ver sangue alheio escorrendo? Ele repetiu a dose em Apocalypto e, sem muito esforço, é possível ver uma perigosa relação de parentesco entre os dois filmes. Católico fervoroso, também o coração de Gibson denuncia sua inconformidade com a relação sacrificial entre as religiões maia e cristã.

É quase um beco sem saída, especialmente numa sociedade acostumada a crer no prazer. Nela, não há nada que seja significativo, importante, de valor ou que leve ao sucesso – à salvação! – sem que tenha uma generosa dose de serotonina (a substância do prazer) envolvida. Talvez, por isso, não lidamos muito bem com a ideia do sofrimento como um caminho que possa produzir salvação.

As janelas da fé somente se abrem quando lemos João 20.19-31. Os discípulos estavam de luto e suas almas arrasadas derretiam rente ao chão, escondidos que estavam detrás de portas trancadas, quando Jesus apareceu no meio deles, dizendo: “Paz seja com vocês!”. Depois de dizer estas palavras reconfortantes, ele mostrou mãos e pés feridos e o seu lado aberto pela lança, no dia da crucificação. Tomé não estava ali, quando este contato imediato aconteceu. Para ele sobrou somente o relato do ocorrido. Como é também o caso de todos os cristãos depois dele, embora oito dias depois Tomé pudesse botar pessoalmente as suas mãos nas feridas do Mestre. “Felizes os que não vêem e crêem mesmo assim”, disse Jesus a Tomé.

A pecha de “ver para crer” é injusta com Tomé. Como vimos acima, não é fácil aceitar ou compreender o que ocorreu naquela deprimente e solitária sexta-feira na cruz. Até mesmo o apóstolo Paulo admitiu (1 Coríntios 1.23) que a pregação da cruz seria “escândalo” e “loucura” para muitos ouvidos. Mas depois de dois mil anos ainda a fé cristã se inspira e se fortalece nesta dinâmica de cruz e ressurreição, de trevas e luz, de morte e vida, que é tão difícil de compreender e aceitar segundo a razão humana.

Somos convidados a crer que, por meio da cruz e do sofrimento, Jesus nos pavimentou o caminho para a salvação. É difícil e até impossível, como Paulo escreveu, aceitar isso unicamente por meio da nossa fraca compreensão lógica.

Os artistas nos tem ajudado muito a compreender a paixão de Cristo, através da poesia, da pintura e da escultura, mas especialmente também da música. Na história da cultura ocidental merecem destaque especial as obras em torno da Paixão de Cristo compostas por Johann Sebastian Bach (1685-1750). Não é a toa que o século 20 lhe deu o codinome de “quinto evangelista”.

Na Paixão Segundo João, de Bach, há uma ária em especial (veja o vídeo acima), na qual o baixista e o coral atuam em conjunto, logo após a morte de Jesus na cruz. O baixo solo, que antes representava as palavras de Jesus, agora fala diretamente ao morto na cruz em comovente diálogo com o violoncelo, perguntando-lhe: “Meu amado Salvador, permite que sejas perguntado, já que estás a esta cruz pregado / e de ti disseste: está consumado, / Acaso estou eu da morte libertado?”. Nas entrelinhas, genialmente compostas por Bach, o coral responde baixinho no lugar da comunidade crente: “Jesus, que morto estavas, / agora sem fim vives. / Quando chegar minha hora final / eu não recorra a outro auxílio / do que a ti, que me reconcilias, / ó amado Senhor!”. Um diálogo musical que mostra o caminho para a salvação sem negar o sofrimento.

A sexta-feira da dor e o domingo da páscoa ocorrem um após o outro, mas no seu cerne estão estreitamente interligados. O sofrimento produz salvação. A cruz com o corpo ensanguentado de Jesus é um indestrutível passaporte para a vida, por meio da fé.

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...