quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Inocente ou culpado?


Há um direito garantido a todo cidadão brasileiro, na nossa Constituição Federal, que está sendo cada vez mais pisoteado nos nossos dias. É a figura jurídica da “Presunção da Inocência”. O que é isso? Numa linguagem não-jurídica, isso quer dizer que qualquer pessoa, ao ser acusada de um crime, deve ser considerada inocente até que sua culpa seja provada. Ainda complementam este direito a lei que diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, a lei do direito de ficar calado em interrogatório e a lei do direito a um advogado de defesa.

Recentemente, temos assistido a diversos linchamentos públicos de suspeitos de crimes, especialmente daquele tipo de crime que vira notícia e, em diversos casos, até novela policial nos meios de comunicação. O caso de Bruno é o exemplo mais recente, que está preso como suspeito de assassinato de um crime em que sequer existe um cadáver. Com base em indícios, ele está preso preventivamente.

Isso não quer dizer que Bruno não possa de fato ter matado Elizia Samúdio. Mas o seu direito constitucional de presunção da inocência não foi respeitado. Ele está preso antes do julgamento, mesmo não tendo ficha suja na polícia (réu primário, segundo o Código Penal). Segundo a Constituição, ele somente poderia estar preso depois de ter sido condenado. No caso dele, o processo é somente uma formalidade. Ele já foi condenado pelo delegado, pela imprensa e pela população brasileira. O juiz só irá confirmar o que todos já disseram que é, numa flagrante inversão do procedimento normal da justiça.

A prisão preventiva só se faz necessária quando o autor do crime representa perigo à sociedade ou quando pode usar a liberdade para destruir provas. É o que diz a lei. Quando uma pessoa sem antecedentes criminais nem ligações com o crime comete um delito, não há por que prendê-la antes da condenação. Isso não quer dizer que o culpado deva ficar impune. Apenas significa que não se pode prender uma pessoa em tais circunstâncias antes da condenação definitiva.

A culpa ou a inocência de uma pessoa somente pode ser decretada depois que houve um processo e um julgamento dentro das regras da justiça. Qualquer outra forma de castigo “preventivo” é uma afronta à Constituição e à democracia.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A notícia sempre foi tratada assim


Olha que interessante isso. Para quem acha que uma imprensa mancheteira e apegada à especulação e à falsificação de fatos é uma invenção tupiniquim, saiba que não é nem invenção, nem exclusividade brasileira. É só mais uma história que ratifica a tese de que não existe imprensa idônea, ou isenta.

Hoje fazem 97 anos que o empresário e inventor alemão Rudolf Diesel desapareceu misteriosamente do navio em que fazia a travessia do Canal da Mancha, rumo à Inglaterra, para inaugurar uma nova fábrica de motores.

Era uma noite calma, quente e de céu limpo, aquela de 29 de setembro de 1913. Da Bélgica, onde se encontrava, ele escreveu para a esposa, antes de embarcar no navio, no início da noite: “Está fazendo um tempo quente de verão, não se sente nem mesmo o sopro de um ventinho. Parece que a travessia vai ser boa”. Ele iria aportar em Harwich, na Inglaterra, mas nunca chegou ao destino. A cama de sua cabine no navio estava intacta e ele não foi encontrado a bordo. Ele sumiu de maneira inexplicável.

O sumiço de Diesel abalou a opinião pública da época. O engenheiro estava no auge da fama por causa da invenção do motor de autoignição e dezenas de fábricas na Europa e nos EUA o produziam em larga escala, e ele havia se tornado milionário com a concessão de licenças de produção.

Por causa de sua fama, a especulação rolou solta na imprensa da época, que falava de espionagem, inimigos mortais e até desavenças diplomáticas entre Inglaterra e Alemanha. “Inventor lançado ao mar para evitar a venda da patente ao governo inglês”, “Criador do motor a óleo diesel executado como traidor para manter segredos de submarino”, “Diesel assassinado por agentes dos grandes comerciantes de óleo”, “Serviço secreto inglês elimina Diesel” eram algumas das manchetes publicadas. Sucediam-se suspeitas absurdas e todas as hipóteses eram tomadas por verdadeiras.

A verdade, ou o que pelo menos se acreditou ser a verdade era muito mais banal. Rudolf Diesel estava à beira da falência e não teve coragem de dizer isso à família. Ele também não teria suportado a perspectiva da ruína financeira.

Duas semanas mais tarde, marinheiros encontraram o cadáver já deteriorado de um homem nas proximidades da costa belga. Após tirar das roupas do morto alguns objetos – papéis não foram encontrados – os marinheiros atiraram o cadáver novamente ao mar. Não era comum “levar mortos a bordo”, explicou o capitão do navio. Mas, pelos objetos encontrados, o morto foi identificado como sendo Rudolf Diesel e uma certidão de óbito pôde ser expedida. Seu cadáver nunca mais foi encontrado.
“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma.”
Joseph Pulitzer (1847-1911)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Proteste


O protesto incomoda. Instrumento legítimo de luta e de manifestação do povo, direito democrático de demonstrar desagrado ou desacordo, o protesto quase sempre é encarado como apelação, coisa de minorias inconformadas.

Nesta imagem, tirada em Valparaiso, no Chile, pelo fotógrafo Eliseo Fernandez, aparece um jovem estudante violentamente agredido e atirado ao chão pela força descomunal de um jato d’água de um caminhão dos bombeiros. Ele só queria protestar contra a redução de verbas públicas para as universidades. A polícia, instrumento preferido dos poderosos para reprimir protestos, não mediu esforços para ter bom êxito na tarefa da qual fora incumbida. Desmontar o protesto com jatos d’água.

Não se cale diante das injustiças. Não cruze os braços, passivo. Não deixe que os poderosos pisoteiem os seus direitos, nem os dos outros. Tem certas coisas que a gente não pode tolerar. E quando elas cruzam o nosso caminho, é preciso protestar. Deite-se no meio da rua, escreva seu direito numa cartolina e a segure orgulhosamente, pinte o rosto ou ponha um nariz de palhaço... Mas não engula. Não se deixe enrolar. Não deixe que as coisas aconteçam bem diante do seu nariz e siga em frente, como se nada disso fosse com você. Se você não protestar, um dia não haverá mais quem proteste. E talvez, nesta hora, você pode estar no lugar de quem precisa que abram a boca em seu lugar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ela será enforcada sem apelação


O procurador-geral do Irã, Gholam Hussein Mohseni Ejei, anunciou nesta segunda-feira (27/9) que a iraniana Sakineh Ashtiani, acusada de adultério e cumplicidade no assassinato de seu marido, foi condenada à morte por enforcamento pelo segundo crime. A nova sentença cancela a execução por lapidação (apedrejamento), mas ela mantém a condenação pelo assassinato, que no Irã é punido com enforcamento.

“O Poder Judiciário não pode se deixar influenciar pela campanha empreendida no Ocidente”, minimizou o procurador-geral. Mas a rapidez do tribunal deixa transparecer o resultado da visita do presidente Ahmadinejad aos EUA, quando aconteceu a execução de Teresa Lewis. Fica no ar a sensação de “o ocidente nos critica, mas não age diferente”.

Ahmadinejad também não poupou a mídia internacional, que criou um caso internacional em torno de Sakineh, mas quase nada disse em defesa de Teresa. O mundo organizou-se pela vida da iraniana, porém deixou a americana ser executada com uma injeção letal, há quatro dias. O “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço” desmoralizará qualquer nova iniciativa em defesa de Sakineh. Por não dizer nada em defesa de Teresa, o mundo acaba de condenar Sakineh à morte por enforcamento. E não cabe recurso.

A fome dos Silva é a de todos nós

Marina Silva quando foi eleita senadora pelo Acre, em 1994.

Reproduzo abaixo um texto maravilhoso, que recebi do Antonio Carlos Ribeiro. “A Fome de Marina” foi escrito pelo professor José Ribamar Bessa Freire. Seu principal mérito não está na defesa da candidata Marina Silva, mas na defesa dos Silva e de seu direito a participar dos destinos desta nação. A biografia/trajetória de Marina Silva é a trajetória de milhões de brasileiros e brasileiras. O mínimo que tais heróis merecem é o respeito de quem não tem o peito de viver e de lutar do mesmo jeito. As “fomes” de Marina são também as mesmas de milhões de concidadãos. São fomes legítimas e que, antes de mais nada, merecem a nossa mais profunda admiração.

Caetano, meu caro, você vive pisando na bola e já estamos acostumados. Mas Rita, minha musa do rock, você também? Em gentil protesto contra os comentários pouco dignos de vocês dois, publico o texto de Bessa Freire aqui. Para além do protesto, porém, o publico para registrar minha admiração pelos milhões de Silva da nossa nação. Vamos ao texto:

Há pouco, Caetano Veloso descartou do seu horizonte eleitoral o presidente Lula da Silva, justificando: “Lula é analfabeto”. Por isso, o cantor baiano aderiu à candidatura da senadora Marina da Silva , que tem diploma universitário. Agora, vem a roqueira Rita Lee dizendo que nem assim vota em Marina para presidente, “porque ela tem cara de quem está com fome”.

Os Silva não têm saída: se correr o Caetano pega, se ficar a Rita come.

Tais declarações são espantosas, porque foram feitas não por pistoleiros truculentos, mas por dois artistas refinados, sensíveis e contestadores, cujas músicas nos embalam e nos ajudam a compreender a aventura da existência humana.

Num país dominado durante cinco séculos por bacharéis cevados, roliços e enxudiosos, eles naturalizaram o canudo de papel e a banha como requisitos indispensáveis ao exercício de governar, para o qual os Silva, por serem iletrados e subnutridos, estariam despreparados.

Caetano Veloso e Rita Lee foram levianos, deselegantes e preconceituosos. Ofenderam o povo brasileiro, que abriga, afinal, uma multidão de silvas famélicos e desescolarizados.

De um lado, reforçam a ideia burra e cartorial de que o saber só existe se for sacramentado pela escola e que tal saber é condição sine qua non para o exercício do poder. De outro, pecam querendo nos fazer acreditar que quem está com fome carece de qualidades para o exercício da representação política.

A rainha do rock, debochada, irreverente e crítica, a quem todos admiramos, dessa vez pisou na bola. Feio.”Venenosa! Êh êh êh êh êh!/ Erva venenosa, êh êh êh êh êh!/ É pior do que cobra cascavel/ O seu veneno é cruel.../ Deus do céu!/ Como ela é maldosa!”.

Nenhum dos dois - nem Caetano, nem Rita - têm tutano para entender esse Brasil profundo que os silvas representam.

A senadora Marina da Silva tem mesmo cara de quem está com fome? Ou se trata de um preconceito da roqueira, que só vê desnutrição ali onde nós vemos uma beleza frágil e sofrida de Frida Kahlo, com seu cabelo amarrado em um coque, seus vestidos longos e seu inevitável xale? Talvez Rita Lee tenha razão em ver fome na cara de Marina, mas se trata de uma fome plural, cuja geografia precisa ser delineada. Se for fome, é fome de quê?

O mapa da fome – A primeira fome de Marina é, efetivamente, fome de comida, fome que roeu sua infância de menina seringueira, quando comeu a macaxeira que o capiroto ralou. Traz em seu rosto as marcas da pobreza, de uma fome crônica que nasceu com ela na colocação de Breu Velho, dentro do Seringal Bagaço, no Acre.

Órfã da mãe ainda menina, acordava de madrugada, andava quilômetros para cortar seringa, fazia roça, remava, carregava água, pescava e até caçava. Três de seus irmãos não aguentaram e acabaram aumentando o alto índice de mortalidade infantil.

Com seus 53 quilos atuais, a segunda fome de Marina é dos alimentos que, mesmo agora, com salário de senadora, não pode usufruir: carne vermelha, frutos do mar, lactose, condimentos e uma longa lista de uma rigorosa dieta prescrita pelos médicos, em razão de doenças contraídas quando cortava seringa no meio da floresta. Aos seis anos, ela teve o sangue contaminado por mercúrio. Contraiu cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose.

A fome de conhecimentos é a terceira fome de Marina. Não havia escolas no seringal. Ela adquiriu os saberes da floresta através da experiência e do mundo mágico da oralidade. Quando contraiu hepatite, aos 16 anos, foi para a cidade em busca de tratamento médico e aí mitigou o apetite por novos saberes nas aulas do Mobral e no curso de Educação Integrada, onde aprendeu a ler e escrever.

Fez os supletivos de 1º e 2º graus e depois o vestibular para o Curso de História da Universidade Federal do Acre, trabalhando como empregada doméstica, lavando roupa, cozinhando, faxinando.

Fome e sede de justiça: essa é sua quarta fome. Para saciá-la, militou nas Comunidades Eclesiais de Base, na associação de moradores de seu bairro, no movimento estudantil e sindical. Junto com Chico Mendes, fundou a CUT no Acre e depois ajudou a construir o PT.

Exerceu dois mandatos de vereadora em Rio Branco , quando devolveu o dinheiro das mordomias legais, mas escandalosas, forçando os demais vereadores a fazerem o mesmo. Elegeu-se deputada estadual e depois senadora, também por dois mandatos, defendendo os índios, os trabalhadores rurais e os povos da floresta.

Quem viveu da floresta, não quer que a floresta morra. A cidadania ambiental faz parte da sua quinta fome. Ministra do Meio Ambiente, ela criou o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo de Desenvolvimento para gerir as florestas e estimular o manejo florestal.

Combateu, através do Ibama, as atividades predatórias. Reduziu, em três anos, o desmatamento da Amazônia de 57%, com a apreensão de um milhão de metros cúbicos de madeira, prisão de mais 700 criminosos ambientais, desmonte de mais de 1,5 mil empresas ilegais e inibição de 37 mil propriedades de grilagem.

Tudo vira bosta – Esse é o retrato das fomes de Marina da Silva que – na voz de Rita Lee – a descredencia para o exercício da presidência da República porque, no frigir dos ovos, “o ovo frito, o caviar e o cozido/ a buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido/ a ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido/ e o programa do partido: tudo vira bosta”.
Lendo a declaração da roqueira, é o caso de devolver-lhe a letra de outra música – ‘Se Manca’ – dizendo a ela: “Nem sou Lacan/ pra te botar no divã/ e ouvir sua merda/ Se manca, neném!/ Gente mala a gente trata com desdém/ Se manca, neném/ Não vem se achando bacana/ você é babaca”.

Rita Lee é babaca? Claro que não, mas certamente cometeu uma babaquice. Numa de suas músicas - 'Você vem' - ela faz autocrítica antecipada, confessando: “Não entendo de política/ Juro que o Brasil não é mais chanchada/ Você vem... e faz piada”. Como ela é mutante, esperamos que faça um gesto grandioso, um pedido de desculpas dirigido ao povo brasileiro, cantando: “Desculpe o auê/ Eu não queria magoar você”.

A mesma bala do preconceito disparada contra Marina atingiu também a ministra Dilma Rousseff, em quem Rita Lee também não vota porque, “ela tem cara de professora de matemática e mete medo”. Ah, Rita Lee conseguiu o milagre de tornar a ministra Dilma menos antipática! Não usaria essa imagem, se tivesse aprendido elevar uma fração a uma potência, em Manaus, com a professora Mercedes Ponce de Leão, tão fofinha, ou com a nega Nathércia Menezes, tão altaneira.

Deixa ver se eu entendi direito: Marina não serve porque tem cara de fome. Dilma, porque mete mais medo que um exército de logaritmos, catetos, hipotenusas, senos e co-senos. Serra, todos nós sabemos, tem cara de vampiro. Sobra quem?

Se for para votar em quem tem cara de quem comeu (e gostou), vamos ressuscitar, então, Paulo Salim Maluf ou Collor de Mello, que exalam saúde por todos os dentes. Ou o Sarney, untuoso, com sua cara de ratazana bigoduda. Por que não chamar o José Roberto Arruda, dono de um apetite voraz e de cuecões multi-bolsos? Como diriam os franceses, “il péte de santé”.

O banqueiro Daniel Dantas, bem escanhoado e já desalgemado, tem cara de quem se alimenta bem. Essa é a elite bem nutrida do Brasil...

Rita Lee não se enganou: Marina tem a cara de fome do Brasil, mas isso não é motivo para deixar de votar nela, porque essa é também a cara da resistência, da luta da inteligência contra a brutalidade, do milagre da sobrevivência, o que lhe dá autoridade e a credencia para o exercício de liderança em nosso país.

Marina Silva, a cara da fome? Esse é um argumento convincente para votar nela. Se eu tinha alguma dúvida, Rita Lee me convenceu definitivamente.

Por José Ribamar Bessa Freire (Professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)

E a turma mostra a que veio

Finalmente o Estadão sai do armário e assume que não está fazendo jornalismo, mas campanha aberta, com opção clara para um determinado candidato. No editorial de ontem, 26 de setembro, intitulado “O mal a evitar”, O Estado de S. Paulo declarou seu apoio à candidatura de José Serra, um candidato de “currículo exemplar”, em condições de “evitar um grande mal ao País”.

O Estadão assume assim, em definitivo, que é tendencioso, que tem um interesse bem claro com as manchetes que estampa em suas capas diárias e que está no jogo da política como um partido e não como um órgão de imprensa. Lula tinha toda razão no seu desabafo, portanto.

O Estadão ratifica, ainda, seu viés ideológico típico de classificar tudo o que vem do povo, da vontade do povo, como “facção”, coisa perigosa, de gente de menor valor, que não tem o direito de eleger quem quer que seja para colocar no palácio. O palácio é, para o Estadão, um lugar nobre demais para que uma nação de miseráveis vote com o estômago, com o bolso, e tente melhorar de vida. Afinal, ocupar o palácio é um privilégio que somente o andar de cima pode requerer para si.

Para o Estadão, não é o povo que quer a continuidade de um governo que melhorou a vida de 50 milhões de brasileiros. É o governo que se auto-proclamou dono do poder e quer manter-se lá para garantir “o bem-estar da companheirada” do partido.

Pelo menos, agora, sabemos com quem estamos lidando. Estamos aguardando os editoriais de Veja, da Folha, de O Globo e de todos os veículos da turma do PIG, o Partido da Imprensa Golpista. Saiam do armário vocês também. Tenham a coragem de mostrar todo o rosto...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A pena de morte é imoral


Teresa foi executada ontem à noite, com 13 longos minutos de atraso, às 23h13min (horário de Brasília). Mais um lamentável capítulo da degradante história da pena de morte, o direito que o Estado se outorgou de decidir quem pode viver e quem deve morrer, apesar dos flagrantes erros já cometidos com a condenação de inocentes à morte. No meu entender, não há nenhuma diferença entre a injeção letal que tirou a vida de Teresa e a lapidação islâmica.

Não cabe a mim julgar os atos de Teresa. Se ela foi culpada ou inocente, pouco importa aqui. Não se trata de fomentar a impunidade, tampouco.Também não tem nenhuma importância medir o seu coeficiente mental. Se ela tem 70% ou 72% de capacidade de ser responsabilizada por seus atos, não importa. Não é o caso de termos pena dela ou de nos comovermos com sua condição de incapaz.

O que importa realmente, neste caso e em todos os outros, é a imoralidade da pena de morte. É comprovado que ela não reduziu os índices de criminalidade. É comprovado que muitas pessoas já foram executadas no mundo inteiro anunciando, ainda no cadafalso, que são inocentes. E depois ficou claro que realmente eram. Está claro, portanto, que a justiça, além de cega, é injusta.

Por isso, no dia de hoje, ergo minha voz contra a pena de morte. A prisão perpétua dá uma última chance a um inocente de, em algum momento, conseguir provar que não cometeu o crime de que está sendo acusado. Quem está morto, não o pode mais. A vida pertence a Deus. Pode parecer piegas, mas, neste caso, eu sou muito piegas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Teresa vai morrer hoje


Está programada para as 23 horas de hoje (21 horas no horário local) a execução de Teresa Lewis, a primeira mulher a ser executada no estado da Virgínia em quase um século e a primeira nos EUA desde 2005. Segundo a condenação, ela contratou os assassinos que mataram o seu marido e o seu enteado há oito anos. O advogado de Teresa garante que ela é deficiente mental.

Teresa tinha 33 anos quando seu marido, Julian Lewis Jr., de 51, e seu filho Charles Lewis, de 25 – um reservista das Forças Armadas dos EUA –, foram assassinados en seu homecar. Matthew Shallenberger (21) e Rodney Fuller (20) puxaram os gatilhos. Eles foram contratados por Teresa, que iniciou um namoro com os dois num supermercado, combinando com eles o assassinato, prometendo pagamento e parte do seguro de vida que receberia. Ela também teria dado 1.200 dólares para que os dois comprassem as armas e deixou a porta do trailer aberta na noite do assassinato. Depois dos tiros ela repartiu os 300 dólares do caixa do marido aos assassinos e chamou a emergência 45 minutos depois.

Agora o tempo passa depressa. As autoridades correcionais da Virgínia se preparam para aplicar-lhe a injeção letal, mesmo com os protestos da União Europeia e as repercussões que o caso vem tendo no Irã. Teresa, que hoje tem 41 anos, aguarda o horário marcado no Centro Correcional Greensville em Jarrat. O governador Bob McDonnell negou-se a intervir para salvar a mulher e a Corte Suprema negou todas as suas apelações, a última delas recusada ainda nesta semana por 7 votos a 2.

Virginia tem a segunda câmara de execuções mais ativa dos EUA e o caso de Teresa tem gerado grande repercussão, especialmente pelas versões que a classificam como no limite da deficiência mental, sem capacidade mental para orquestrar as mortes. Ela tem 72 de coeficiente mental e a justiça marca em 70 o valor que declara uma pessoa inimputável criminalmente.

A União Europeia pediu ao governador que comutasse sua pena para prisão perpétua, apoiando a tese da incapacidade mental. O embaixador da UE escreveu na carta que a União “considera que a execução de pessoas com transtornos mentais de todo tipo contradiz as normas mínimas dos directos humanos”.

Como não poderia deixar de ser, o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad acusou a imprensa occidental de hipocrisia. Comparou a escassa cobertura dada ao caso de Teresa à verdadeira campanha propagandística promovida no caso da mulher iraniana que seria apedrejada por adultério, cuja sentença Teerã suspendeu diante da pressão internacional. “Enquanto isso, ninguém objeta o caso de uma americana que será executada”, disse ele num discurso diande de cléricos islâmicos e ouras personalidades em Nova York.

Ora de um lado, ora de outro, os cenários se repetem de modo muito semelhantes, tudo muito bem fundamentado sobre a base do fundamentalismo. Em ambos os caos, o que menos importa são os direitos humanos. A velha lei do Talião (olho por olho, dente por dente), já condenada por Jesus, continua em vigor dois mil anos depois...

Tolerância é uma palavra feia


Eu já havia ouvido um argumento semelhante por esses dias, não sei onde. Mas o texto abaixo, de Juan Ária, pescado no blog leituraglobal, dá o que pensar. Nós toleramos muitas coisas. Mas, assim que viramos as costas ou nos encontramos no círculo dos que compartilham dos nossos pensamentos mais irreveláveis, deixamos escapar que, em muitos momentos da nossa vida, usamos “luvas” invisíveis, mas que nos protegem moralmente. Fazemos do politicamente correto uma espécie de “camisinha social”, para não sermos contaminados. Assim, evitamos que o contato pele a pele aconteça em situações indesejadas. Nos blindamos. Dessa maneira tocamos a vida, conseguindo conviver de forma suportável com aquilo que consideramos diferente. Sem mais comentários, ao texto de Juan Ária. Boa leitura:

Há alguns dias eu zapeava pela televisão quando deparei com uma entrevista com Hussein, o falecido rei da Jordânia. De repente, ouvi dele uma frase que me deixou perplexo por alguns segundos: “Tolerância é uma palavra feia”, disse. Em sua opinião, em relação ao diferente, ao migrante, ao que consideramos outra cultura, não deveríamos usar a palavra “tolerância”, e sim “aceitação”.

Fiquei pensando: Mas não é tolerância o que pedimos, em defesa dos que não comungam conosco? Como pode ser feia uma palavra com a qual hoje sonham todos os que defendem os direitos humanos, a liberdade religiosa e cultural? Não é assim que são intolerantes aqueles que rechaçam os que não pensam, não rezam, não vestem ou não cantam como nós, ou como nós gostaríamos que fizessem? Não proclamam a tolerância aqueles que defendem o direito de todos de viver como melhor lhes parece e respeitam aos demais?

Afirmar que a palavra tolerância é feia, pouco evangélica, demasiado raquítica, pode parecer uma provocação. Para mim pareceu, num primeiro momento, ouvindo o pacífico rei da Jordânia. Por isso, fui consultar o dicionário, onde o verbo tolerar, do latim
tolerare, é definido assim: “Sofrer, levar com paciência. Suportar algo que não se considera lícito, sem aprová-lo expressamente. Resistir, suportar” (traduzido do Diccionario de La Real Academia Española).

Comecei a pensar que, talvez, Hussein Bin Talal tenha razão, porque suportar, sofrer, levar com paciência alguém que professe uma fé diferente da minha, ou que pense de modo diverso e que eu não aprecie sobre política, ou que vá passear, caso seja do seu gosto, em trajes de banho pela rua, ou com o rosto coberto pela burca, é bem pouco. Não será assim que se pode criar uma paz estável, uma convivência alegre. Não basta suportá-lo, sofrê-lo, tolerá-lo. Limitar-se a “suportar algo que não se considera lícito”, não vai evitar o choque de civilizações ou a guerra das religiões. Entre suportar e proibir há apenas um passo.

A melhor forma de conviver lado a lado com os que consideramos diferentes – eles também não nos considerarão diferentes? – mais que tolerá-los, é aceitá-los. A diferença é enorme. O mesmo dicionário define o verbo aceitar como “aprovar, considerar bom”, algo que “merece aplauso”.

Entendida assim a famosa tolerância, que consideramos o supra-sumo da nossa generosidade com o distinto, as coisas mudam radicalmente. Se eu entendo como boa e até aplaudo a fé do outro, mesmo que seja diferente da minha – por que teria que ser pior? –, já não há espaço para a contenda, para a redução do diferente ao que simplesmente “sofro com paciência”. Com a aceitação de aceitar em vez de tolerar, eu posso inclusive servir-me do diferente para me enriquecer, porque até pode ser que eu descubra que aquilo que ele faz, penca ou crê é melhor ou ao menos complementa aquilo que eu creio, faço ou penso.

Há cristãos – recordemos o filósofo marxista Roger Garaudy – que em determinado momento da sua vida consideraram que a fé do Islã era melhor que a sua e a abraçaram.

Há católicos que se sentiram atraídos pelo budismo ou pelo judaísmo. Há marxistas que se converteram aos valores democráticos e capitalistas radicais que se passaram para as fileiras da social-democracia.

Se eu aceito, o que é a mesma coisa que dizer que aprovo e até aplaudo o diferente singelamente, porque representa uma riqueza para a sociedade, estou dando um passo adiante na direção da compreensão e da apreciação do que eu não tenho ou não sou, mas tem valor em si mesmo. É sob esta dinâmica que as guerras podem começar a se tornar inúteis; que os povos podem chegar a complementar-se em vez de antagonizar-se. Podem enriquecer-se com suas diferenças não somente toleradas, mas compreendidas e aplaudidas porque se complementam.

Todo aquele que tenha viajado a países de culturas e credos diferentes dos próprios terá podido observar – se viaja sem preconceitos – que os encontros com o diferente acabam enriquecendo-o, e ele se admira diante daquilo que desconhecia e que talvez nem tivesse imaginado que existia.

Pessoalmente, confesso que, apesar de ter estudado em quatro universidades, onde mais aprendi e o que mais enriqueceu minha mente e meu coração foram as viagens: à África misteriosa, à Índia mística, ao Japão da modernidade, à China da cultura milenar, ao Egito dos templos incríveis, à Oceania mágica. Tenho aprendido mais nestes anos em que vivo no Brasil – sobre a felicidade e a sabedoria escondida na pobreza, sobre o que significa trabalhar para viver em vez de viver para trabalhar –, do que em todos os livros que passaram por minhas mãos, por mais sisudos que tenham sido.

A Europa já foi rica por sua diversidade. Hoje está se empobrecendo espiritualmente porque, como tolera muito as diferenças sem aceitá-las ou aplaudi-las, às vezes as hostiliza. Se é certo que só envelhece aquele que perde a capacidade de surpreender-se, não tenho a menor dúvida de que a aceitação feliz do novo e do diferente poderia ser o melhor antídoto e a melhor terapia contra esse desencanto e aborrecimento que nos embota a mente somente com coisas conhecidas e faz com que depreciemos o desconhecido, oferecendo-nos uma segurança falsa e estéril.

Juan Ária, publicado no jornal El País, em 06.07.2010. Tradução de Clovis Horst Lindner

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Quem eram os terroristas?



Uma aula de história para você, que não viveu aquele tempo. Para você, que não acredita. Para você, que acha que abrir os arquivos da ditadura é revanchismo. Para você, que acha que tudo isso não pode repetir-se. Uma aula de história para você, que nega tudo isso. Uma aula de história especial para você, que acusa os jovens que lutaram contra a ditadura de terroristas. Graças à luta deles, hoje nós vivemos numa democracia. Graças à luta deles, hoje você pode assistir a este vídeo e discordar 100% do relato. Mas não se esqueça: se esquecermos este relato e o negarmos, ele pode se repetir. Espero que, quando isso acontecer, a vítima não seja você...

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Evillution e resgate do Éden



Este vídeo, criado pelo estudante de cinema brasileiro Arthur Lobo para um trabalho na Escola de Cinema de Vancouver, dá bem a ideia do massacre cultural representado pela chegada da civilização ocidental-cristã-europeia sobre as culturas originais dos povos indígenas. O que parece ser um pesadelo é, na verdade, um prenúncio do que já está ocorrendo ao redor do aparentemente ainda intocado bioma em que vive o indígena protagonista do curta-metragem.

O pesadelo já se instalou até mesmo entre as remotas culturas indígenas ainda escondidas pelo que resta da Amazônia. Seus jardins do Éden são violados e destruídos, ao mesmo tempo em que eles são lançados para a escuridão e o terror do que os brancos chamam de civilização, desconstruindo de modo violento o que seus antepassados levaram milênios para construir: culturas que desaparecem da face da Terra sem deixar marca ou registro.

Por isso, o envolvimento da igreja luterana na missão indígena através do COMIN é plenamente justificada. Sem proselitismo ou intenções “missioneiras”, na convivência do resgate das culturas autóctones e da busca da etno-sustentabilidade, o trabalho dessa gente que se mete no meio dos Edens indígenas ou daqueles que já foram implacavelmente massacrados pela nossa Evillution real, tupiniquim, é heróico. É gente que não fica nas universidades, fazendo conversa mole sobre antropologia e ganhando graus e über-graus às custas das culturas extinguintes. Eles botam a cara para bater e, em meio ao inóspito e ao precário, constroem vida, abundante e plena, fazendo jus ao que Jesus Cristo nos ensinou.
Em tempo: Em oposição ao termo Evolution (evolução), o nome do filme usa o neologismo Evillution (evil = mal ou do mal), deixando claro que esta é uma evolução do mal.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Uma análise realista de 2010

Dilma no estilo de Andy Warhol

Já faz algum tempo que estão me provocando para que diga a minha opinião sobre o andamento da atual campanha eleitoral e o desfecho que se aproxima, em 3 de outubro. Assino embaixo do que o presidente do Instituto Vox Populi, o sociólogo Marcos Coimbra, escreve a seguir. É uma análise sóbria, madura e realista do que esta campanha presidencial está mostrando. Será uma bela tese de doutorado debruçar-se sobre a montanha de asneiras e falsas opiniões travestidas de “a verdade” que tentaram jogar sobre o povo brasileiro nestes dias de 2010. Analisando friamente, o cenário político atual lembra um jogo de futebol de várzea. Estão perdendo o jogo de goleada e o time perdedor está tentando armar um barraco danado para acabar com a partida antes do apito final. É um vale-tudo que deixa qualquer um de queixo caído. Mas é melhor deixar este tipo de análise para depois. Vai ser mais divertido ainda... Ao texto de Marcos Coimbra. Boa leitura:

Quando, no futuro, for escrita a crônica das eleições de 2010, procurando entender o desfecho que hoje parece mais provável, um capítulo terá de ser dedicado ao papel que nelas tiveram os jornalistas tucanos.

Foram muitas as causas que concorreram para provocar o resultado destas eleições. Algumas são internas aos partidos oposicionistas, suas lideranças, seu estilo de fazer política. É bem possível que se saíssem melhor se tivessem se renovado, mudado de comportamento. Se tivessem permitido que novos quadros assumissem o lugar dos antigos.

Por motivos difíceis de entender, as oposições aceitaram que sua velha elite determinasse o caminho que seguiriam na sucessão de Lula. Ao fazê-lo, concordaram em continuar com a cara que tinham em 2002, mostrando-se ao País como algo que permanecera no mesmo lugar, enquanto tudo mudara. A sociedade era outra, a economia tinha ficado diferente, o mundo estava modificado. Lula e o PT haviam se transformado. Só o que se mantinha intocada era a oposição brasileira: as mesmas pessoas, o mesmo discurso, o mesmo ar perplexo de quem não entende por que não está no poder.

Em nenhum momento isso ficou tão claro quanto na opção de conceder a José Serra uma espécie de direito natural à candidatura presidencial (e todo o tempo do mundo para que confirmasse se a desejava). Depois, para que resolvesse quando começaria a fazer campanha. Não se discutiu o que era melhor para os partidos, seus militantes, as pessoas que concordam com eles na sociedade. Deram-lhe um cheque em branco e deixaram a decisão em suas mãos, tornando-a uma questão de foro íntimo: ser ou não ser (candidato)?

Mas, por mais que as oposições tivessem sido capazes de se renovar, por mais que houvessem conseguido se libertar de lideranças ultrapassadas, a principal causa do resultado que devemos ter é externa. Seu adversário se mostrou tão superior que lhes deu um passeio.

Olhando-a da perspectiva de hoje, a habilidade de Lula na montagem do quadro eleitoral de 2010 só pode ser admirada. Fez tudo certo de seu lado e conseguiu antecipar com competência o que seus oponentes fariam. Ele se parece com um personagem de histórias infantis: construiu uma armadilha e conduziu os ingênuos carneirinhos (que continuavam a se achar muito espertos) a cair nela.

Se tivesse feito, nos últimos anos, um governo apenas sofrível, sua destreza já seria suficiente para colocá-lo em vantagem. Com o respaldo de um governo quase unanimemente aprovado, com indicadores de performance muito superiores aos de seus antecessores, a chance de que fizesse sua sucessora sempre foi altíssima, ainda que as oposições viessem com o que tinham de melhor.

Entre os erros que elas cometeram e os acertos de Lula, muito se explica do que vamos ter em 3 de outubro. Mas há uma parte da explicação que merece destaque: o quanto os jornalistas tucanos contribuíram para que isso ocorresse.

Foram eles que mais estimularam a noção de que Serra era o verdadeiro nome das oposições para disputar com Dilma Rousseff. Não apenas os jornalistas profissionais, mas também os intelectuais que os jornais recrutam para dar mais “amplitude” às suas análises e cobertura.

Não há ninguém tão dependente da opinião do jornalista tucano quanto o político tucano. Parece que acorda de manhã ansioso para saber o que colunistas e comentaristas tucanos (ou que, simplesmente, não gostam de Lula e do governo) escreveram. Sabe-se lá o motivo, os tucanos da política acham que os tucanos da imprensa são ótimos analistas. São, provavelmente, os únicos que acham isso.

Enquanto os bons políticos tucanos (especialmente os mais jovens) viam com clareza o abismo se abrir à sua frente, essa turma empurrava as oposições ladeira abaixo. Do alto de sua incapacidade de entender o eleitor, ela supunha que Serra estava fadado à vitória.

Quem acompanhou a cobertura que a “grande imprensa” fez destas eleições viu, do fim de 2009 até agora, uma sucessão de análises erradas, hipóteses furadas, teses sem pé nem cabeça. Todas inventadas para justificar o “favoritismo” de Serra, que só existia no desejo de quem as elaborava.

Se não fossem tão ineptas, essas pessoas poderiam, talvez, ter impulsionado as oposições na direção de projetos menos equivocados. Se não fossem tão arrogantes, teriam, quem sabe, poupado seus amigos políticos do fracasso quase inevitável que os espera.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

40 anos sem Jimi Hendrix



Já faço hoje, como um registro para este fim de semana, uma homenagem especial. Amanhã, dia 18 de setembro, completam-se 40 anos da morte de Jimi Henrix, o maior guitarrista que já passou pela face da terra. Ele foi encontrado morto na cama de um hotel de Londres, afogado no próprio vômito, vítima de overdose. Nascido na mais amarga pobreza, ele foi lançado da infância pobre para o mundo surreal das super-estrelas pop, que o devorou impiedosamente.

Morreu aos 27 anos, tocou guitarra somente por 12 anos, como nenhum outro ser humano havia feito antes, e quatro anos antes de sua morte havia gravado seu primeiro disco. Mas isto bastou para torná-lo um dos maiores músicos do século 20 e um ícone dos anos 60, com seu penteado afro e sua aparência de pirata hippie.

Ninguém havia tocado guitarra elétrica até então como este jovem afro de Seattle. “Hendrix fazia exatamente aquilo que eu queria fazer, só que eu não conseguia”, disse o guitarrista inglês Jeff Beck. Eric Clapton, que já na época era endeusado em Londres como o deus da guitarra e ainda hoje está entre os melhores, mesmo próximo dos 70 anos, ao vê-lo tocar pela primeira vez, disse: “Is he always so fucking good?”



Ele nasceu no dia 27 de novembro de 1943 num bairro pobre de Seattle, como filho de um soldado de 22 anos com uma menina de 17 anos. Quando o pai foi lutar no Japão, a mãe o empurrava por todos os parentes e, mesmo quando o pai voltou da guerra, a vida não melhorou. Os pais bebiam e se agrediam por causa dos filhos. A mãe morreu arruinada pelo álcool quando Jimi tinha 16 anos. Ele ia mal na escola e tocava violão acústico o dia inteiro, comprado com 5 dólares. Ao perceber o seu talento, o pai lhe comprou a primeira guitarra elétrica.

Após ser preso por duas vezes com carros roubados, ficou dois anos na cadeia, de onde saiu com a condição de servir o exército. Depois de um ano no exército, ele estava tão cheio daquilo que foi ao psiquiatra e se declarou apaixonado por um colega de farda, sendo dispensado por “inclinações homossexuais”. Aquilo foi uma libertação para ele.

Após tocar como guitarrista para vários artistas, uma namorada lhe deu de presente uma Fender Stratocaster branca, que se tornou “o amor da sua vida”, segundo a namorada. Ele tinha 23 anos e, pela primeira vez, tinha em mãos um instrumento à altura do seu talento, no qual ele podia executar a música que fervilhava na sua cabeça.

A partir daí, sua ascensão foi estratosférica. No começo ele tocava Bob Dylan e adorava “Like a Rolling Stone”. Ele foi descoberto em Nova York por Linda Keith, a namorada de Keith Richards, o guitarrista dos Rolling Stones. Ela também o levou ao LSD, a droga dos brancos, e a Londres, onde assinou o primeiro contrato, em 1966. Com a banda The Jimi Hendrix Experience ele alcançava o quarto lugar na parada de sucessos londrina já no ano seguinte, com a canção “Hey Joe”.

Em maio de 1967 veio o primeiro LP, “Are You Experienced?”, e turnês pelos países escandinavos e pelos Estados Unidos, onde tocou guitarra nas costas, com os dentes e puxou todos os registros para conquistar seus conterrâneos. Seguiu-se logo um outro LP (Axis: Bold as Love) e um LP duplo (Electric Ladyland). E Hendrix é explorado à exaustão pela gravadora e pelos seus empresários, que o fazem realizar dois concertos ao dia, seguido de gravações no estúdio. Ele só da conta do recado com o uso de drogas: anfetaminas para levantar o astral e barbitúricos para conseguir dormir. Maconha sempre, mas também LSD, cocaína e heroína.

Em Woodstock ele despedaça o hino nacional americano e o reconstrói num hino de protesto à guerra do Vietnã, consagrando-a como a melodia de uma geração que ama o seu país, mas odeia o governo que conduz a guerra. Hendrix torna-se uma lenda. Ele entende demais de música para poder ser um revolucionário. Mas no dia em que Martin Luther King é assassinado, ele improvisa um concerto fúnebre até levar a plateia às lágrimas, extravasando sua própria dor por ser discriminado, como todos os negros americanos naqueles anos.

Na última noite, para dormir, ele engoliu nove comprimidos do barbitúrico Vesparax. Para dormir bastava meio ou, no máximo, um comprimido daqueles. Ele não sabia. A caixa de comprimidos era da namorada Monika Dannemann. Ele passa mal, enquanto está incapacitado pela droga, vomita e morre afogado no próprio vômito. Na mesa da cabeceira estava a letra de uma canção, escrita por Jimi na noite anterior: “The Story of my life”. O cantor Eric Burdon primeiro acha que era uma carta de despedida e que Jimi tivesse se suicidado. Mas depois ficou claro que a sua morte foi um acidente.

A fama de Jimi Hendrix como guitarrista genial só fez crescer após sua morte. O músico Brian Eno já perguntava há vários anos “por que Jimi Hendrix não é reconhecido pelos especialistas em música como o mais importante compositor do século?”. Mas especialistas em música não combinam com Hendrix. Ele era analfabeto musical. Não sabia ler nem escrever notas musicais. Ele via a música acontecer enquanto a fazia, dizia ele. “Eu toco cores.”

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Polêmica mesquita no lugar certo


Pesquei na Agência de Notícias Ecupres um texto muito instigante de Michael Moore (foto), o famoso e polêmico cineasta americano (Fahrenheit 9/1, lembra?), falando sobre a possível construção de uma mesquita islâmica nas proximidades do Marco Zero, o lugar em que estavam as Torres Gêmeas, derrubadas pela Al Qaeda em 11 de setembro de 2001.

“Eu me oponho à construção da mesquita a duas quadras do Marco Zero. Quero que seja construída no Marco Zero”, inicia Moore.

A sua explicação encanta: “Por que? Porque creio num Estados Unidos que protege as vítimas do ódio e dos preconceitos. Creio em um Estados Unidos que diz que você tem direito a render culto ao seu Deus, qualquer que seja e em qualquer lugar em que você queira render-lhe culto. E porque creio em um Estados Unidos que diz ao mundo que somos um povo amante e generoso e se um grupo de assassinos rouba a sua religião e a usa como desculpa para matar 3000 mil almas, então eu vou ajudá-lo a recuperar sua religião. E eu quero colocá-la no lugar de onde ela foi roubada.”

Após citar vários pontos que buscam restabelecer a verdade sobre 11 de setembro e o projeto da mesquita, Moore convida: “Amigos, todos temos agora a responsabilidade de assegurar que o centro da comunidade muçulmana seja construído. Mais uma vez 70% do país (a mesma quantidade que apoiou inicialmente a guerra do Iraque) está equivocado e quer que a mesquita se mude de lugar.”

“Quando chegará o momento para nosso país deixar para trás os que odeiam?”, arremata Moore. Convidando para doações pela construção do templo, Moore diz que vai doar 10 mil dólares. “Se cada um de nós doar somente um par de dólares, poderíamos juntar seis milhões, muito mais do que ofereceu Donald Trump ao Imã para desistir do projeto. Nós podemos dar um enorme exemplo de amor nesta solene ocasião”, desafiou o cineasta.

“Eu perdi um colaborador em 11 de setembro. Escrevo isto em sua memória”, encerra Moore o seu artigo, que você pode ler na íntegra (http://www.ecupres.com.ar/noticias.asp?Articulos_Id=9086).

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Nobel alternativo faz 30 anos

Jakob von Uexküll é o criador do Nobel alternativo

O prêmio anual oferecido pela Right Livelihood Foundation, criado no ano de 1980 como uma alternativa de caráter social ao Nobel sueco, chega aos 30 anos. A data será comemorada num evento em Bonn, na Alemanha, que reúne 80 agraciados, inclusive brasileiros como Leonardo Boff, daquele que ficou conhecido como Nobel Alternativo. O evento comemorativo começa hoje, 15 de setembro, e se estende até o próximo dia 18. Entre os brasileiros também estão o MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e Francisco Whitaker Ferreira, cofundador do Fórum Social Mundial.

Oficialmente o prêmio chama-se Right Livelihood Award, nome da fundação criada pelo jornalista e ativista teuto-sueco Jacob von Uexküll (foto). A premiação homenageia projetos e pessoas que desenvolveram “soluções práticas e exemplares” para questões sociais urgentes. Von Uexküll sempre foi um crítico do comitê do prêmio Nobel, por considerar que ignora experiências em setores alternativos da sociedade. Por isso, no final da década de 1970 destinou um milhão de dólares de seu patrimônio pessoal para criar uma fundação que preenchesse esta lacuna. O prêmio de 50 mil euros é concedido anualmente desde 1980, a três personalidades ou projetos. A premiação alternativa de Von Uexküll foi criada porque ele não conseguiu convencer o Comitê do Nobel a criar mais um prêmio, dedicado à proteção ambiental.

“Nossos premiados, candidatos e membros do júri geralmente são pessoas que vivem junto aos pobres, em favelas ou no meio rural”, revela Von Uexküll. Leonardo Boff, por exemplo, foi agraciado com o prêmio em 2001 por empenhar-se em favor dos pobres na América Latina e estabelecer em seus escritos a relação entre espiritualidade, justiça social e responsabilidade ambiental.

Os 137 premiados nessas três décadas provêm de 58 diferentes países. Ao contrário dos agraciados com o Nobel convencional, os premiados alternativos são em média mais jovens e na maioria mulheres. Ridicularizado no início como um prêmio ingênuo, hoje ele é internacionalmente reconhecido como uma referência moral. O fato de, desde 1985, a cerimônia de entrega ser realizada no Parlamento sueco, ajudou muito nisso.

A ambientalista queniana Wangari Maathei é a única, nesses 30 anos, a receber os dois prêmios: após ter recebido o Nobel alternativo, em 1984, ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2004.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

França proíbe o véu

A francesa Kenza Drider promete desrespeitar lei. Foto: Claude Paris/AP

Passo a passo, rumo à intolerância total. O senado francês aprovou nesta terça-feira 14 de setembro, o veto ao uso de véus islâmicos integrais, que cobrem todo o rosto da mulher, como a burca e o nicab. O veto foi aprovado por 246 votos a um. A maioria dos senadores de oposição se absteve em protesto. A lei já havia sido aprovada na Câmara em 13 de julho. Opositores do projeto têm dez dias para recorrer a medida no Conselho Constitucional, mas isto é considerado improvável por analistas. O presidente Nicolas Sarkozy deve sancionar a lei.

Líderes muçulmanos franceses acreditam que a lei pode elevar o risco de islamofobia no país. O projeto proíbe o uso de véus que cobrem o rosto da mulher nas ruas e em edifícios públicos. O veto deve afetar cerca de 2 mil mulheres e deve entrar em vigor seis meses depois da sanção.

A muçulmana francesa Kenza Drider (foto) disse que vai desrespeitar a lei. “Não é uma lei justa. É contra as liberdades individuais, de religião e de consciência”, disse. A França tem a maior comunidade muçulmana da Europa Ocidental, com 5 milhões de fiéis. O islã já é a segunda maior religião do país, atrás do catolicismo.

De barriga cheia


O Brasil lidera, pelo segundo ano consecutivo, o ranking da ActionAid que mede o progresso de 28 países na luta contra a fome. O novo ranking foi divulgado hoje, 14 de setembro, no relatório “Who’s Really Fighting Hunger?” (Quem realmente está combatendo a fome?). O Brasil é seguido por China e Vietnã e em último na lista está a República Democrática do Congo.

Como em 2009, a ActionAid elogia as políticas sociais adotadas pelo governo federal para reduzir a fome no país, destacando os efeitos benéficos de programas como o Bolsa Família e o Fome Zero.

Mas o relatório também faz críticas, ao dizer que se tem investido muito mais em agrobusiness do que na agricultura familiar. “O governo começou a investir muito mais na agricultura em pequenas propriedades. Entretanto, ainda há um longo caminho para acabar com a fome e reagir às imensas desigualdades históricas que existem entre os pequenos e grandes produtores”, avalia o relatório. “O Brasil tem tido a tendência de concentrar seu investimento em agrobusiness, o que contribuiu para a concentração de terras nas mãos de um pequeno número de pessoas”, completa.

Segundo a ActionAid, a fome causa um prejuízo anual de US$ 450 bilhões para os países pobres. Dos 28 países emergentes analisados no relatório, apenas oito estão a caminho de conseguir cumprir, no prazo previsto, as metas de desenvolvimento do Milênio da ONU para a redução da fome.

Facebook - 1939


A organização People Against Racism (Pessoas Contra o Racismo) lançou a campanha “Facebook – 1939”, para falar sobre racismo. Com a chamada “Após o estabelecimento do estado Eslovaco, em 14 de março de 1939, um monte de gente perdeu muitos amigos”.

A criação do Estado Independente da Eslováquia foi acompanhada de opressão racial e deportação dos judeus para campos de concentração, onde eram obrigados a usar no peito uma estrela amarela com a palavra “Jude”. Quem andasse sem esta insígnia, que tinha a clara intenção de humilhar, era executado sumariamente. Todos os judeus nos guetos e nos campos de concentração nazistas foram obrigados a isso.

A campanha está se espalhando como um vírus por meio do Facebook. Convida as pessoas a participarem da ação de protesto “Chega de Silêncio”, com a peça acima, que contém as estrelas amarelas e serve também de capa para uma cartilha que fala sobre racismo latente, publicada pela People Against Racism.

Essa história não deve e não pode ser esquecida, sob pena de repetir-se. É uma situação para dentro da qual não deve parar de ecoar a frase do judeu-alemão Albert Einstein, que teve que deixar a sua pátria por causa da perseguição racista ao seu povo: “Tempos difíceis esses, em que vivemos, onde é mais fácil partir um átomo do que destruir um preconceito”.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Césio-137: quem se lembra?


Completa hoje 23 anos o maior acidente nuclear ocorrido no Brasil. O acidente com o isótopo Césio-137 ocorreu em Goiânia, com início no dia 13 de setembro de 1987. Uma única cápsula que continha césio-137 havia sido retirada de um aparelho de radioterapia abandonado, contaminando centenas de vítimas.

O desastre foi motivado pela necessidade de dois catadores de lixo, que viviam de ferro velho, que retiraram um aparelho de radioterapia abandonado do prédio abandonado do Instituto Goiano de Radioterapia (Santa Casa de Misericórdia) e, num carrinho de mão, o levaram para casa, para vender o metal do aparelho ao ferro-velho. Depois de retirarem o que lhes interessava, venderam o resto a Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho. Ele desmontou a máquina e expôs ao ambiente 19,26 g de cloreto de césio-137 (CsCl), um pó branco parecido com sal de cozinha que tem intenso brilho azul no escuro.

Devair se encantou com o brilho azul do pó branco e resolveu mostrar à família e os vizinhos, que até levaram amostras para casa. Nos quatro dias seguintes, o material radioativo se espalhou pelo bairro e a área de risco aumentou. Algumas horas depois de mexer com o curioso pó, começaram os primeiros sintomas da contaminação (vômitos, náuseas, diarreia e tonturas). Primeiro foram tratados como infecção e levou dias até que se descobriu o real motivo.

Somente no dia 29 de setembro de 1987, após a esposa do dono do ferro-velho ter levado parte da máquina à Vigilância Sanitária, é que foi possível identificar os sintomas como sendo de contaminação radioativa. O físico goiano Valter Mendes acionou imediatamente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que fez a triagem dos suspeitos de contaminação em um estádio de futebol da capital, onde foram descontaminados. Mesmo assim, alguns deles morreram, entre as vítimas a menina Leide das Neves, seu pai Ivo, Devair, sua esposa Maria Gabriela, e funcionários do ferro-velho que realizaram a limpeza do local.

O trabalho de descontaminação rendeu cerca de 6000 toneladas de lixo (roupas, utensílios, materiais de construção etc). Tal lixo radioativo encontra-se confinado em 1.200 caixas, 2.900 tambores e 14 contêineres (revestidos com concreto e aço) em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiás, onde deve ficar por aproximadamente 180 anos.

Um lamentável acidente, que ocorreu unicamente pela mais absoluta negligência das autoridades. Como ocorre em todo o Brasil, milhares de prédios públicos estão abandonados ao tempo, no mais absoluto descaso com o dinheiro público. Entre estes, estava também a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, inclusive com um equipamento de radioterapia abandonado como se fosse um velho bebedor de água qualquer.

Nada mais justo que este Estado, irresponsável e criminoso, seja responsabilizado pelo seu relaxamento, não é mesmo? Pois, pasme você, 23 anos depois, a justiça de Goiás decidiu criar uma força-tarefa para acelerar a concessão de benefícios para as vítimas deste acidente, ocorrido em 1987. Mais da metade das vítimas daquele pozinho azul ainda não recebeu o dinheiro a que tem direito. Muitos casos já foram julgados e deferidos, mas os casos pendentes dependem de processos administrativos (imagina!!!), que envolvem perícias médicas (imagina!!!) para receber o que têm direito. A demora é inadmissível, imoral, criminosa.

Segundo Oderson Oliveira (55 anos), presidente da associação das vítimas, a justiça nem determinou o pagamento de assistência médica aos que tiveram contato com a radiação. Hoje a maioria tem mais de 50 anos e sofre de câncer, bronquite, hipertensão e osteoporose. Mais de 80 pessoas morreram devido às sequelas da contaminação.

sábado, 11 de setembro de 2010

O tique-taque do relógio

(Foto: Mark Lennihan / AP Photo)

Na noite antes do aniversário de nove anos dos atentados de 11 de Setembro ao World Trade Center, um tributo de luz brilhou em direção ao céu a partir do Marco Zero, onde estavam erguidas as Torres Gêmeas. Os raios de luz puderam ser vistos de muito longe em Manhattan.

A homenagem é justa, porque naquele dia a nove anos não ruiu somente um símbolo do ocidente. Entre os escombros, mais de três mil pessoas perderam a vida. Uma nação inteira saiu marcada para sempre do episódio e com o coração ferido. Um gesto fundamentalista insano e inclassificável rompeu para sempre o delicado equilíbrio entre o oriente e o ocidente. Mesmo assim, o dramático resultado do fundamentalismo de um grupo radical do oriente não pode ceder espaço a iniciativas fundamentalistas, desta vez, no ocidente.

Entre estas atitudes está a de Terry Jones. Durante a semana, este obscuro pastor “evangélico”, autor de um livro com o polêmico título “O Islã é do demônio”, quase incendeia o mundo com sua convocação para que se queime o Alcorão, livro sagrado do Islã. Terry Jones é tão fundamentalista quanto os fundamentalistas que quer combater. Com o seu gesto, poderia apressar a explosão de uma bomba relógio que começou a sua contagem regressiva justamente no dia 11 de setembro, há nove anos.

Felizmente, o próprio presidente Obama pediu formalmente que Jones desistisse do seu intento. E ele deu ouvidos a Obama e à pouca razão que ainda reina em seu cérebro fundamentalista, desistindo de seu protesto tresloucado.

Mas o tique-taque do relógio daquela bomba explosiva não foi parado. Duvido muito que se repita, neste caso, a famosa cena final dos filmes de ação, quando o herói desarma o mecanismo do tempo que vai acionar o detonador ainda no segundo antes de marcar o fatídico número zero. Não só Jones, mas muitos outros como ele, continuarão fazendo de tudo para provocar o curto-circuito que vai acioná-lo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Realidade retocada

A saturação das cores neste campo de refugiados no Senegal dá bem a ideia da realidade retocada pelo Photoshop

O Photoshop é uma ferramenta maravilhosa, que se tornou indispensável para trabalhar com imagens em geral. Mas tem muita gente abusando dele, especialmente quando o assunto é dar um trato na beleza feminina, tirar marcas, celulite, rugas, marcas de expressão e outros “sinais dos tempos” que quebram a simetria e se tornam “feias”, segundo o conceito da maioria da nossa sociedade consumista hedonista narcisista. Tais abusos têm contribuído para aumentar a mentira coletiva da beleza eterna de famosos que não resiste a uma análise ao vivo e a cores.

Mas a mania de pfotoshopar imagens ultrapassa os limites da decência quando o assunto é fotojornalismo. Antes da era Photoshop era necessário esperar o “instante preciso” para dar o clique mágico que levaria à foto genial, que normalmente vinha depois de consumir rolos e mais rolos de filmes. Era um tempo em que se podia acreditar numa imagem em larga escala, porque a foto espelhava a realidade, mesmo que às vezes o fotógrafo contribuía com um “faz a posse assim ou assado”. Com a chegada do Photoshop, esta ferramente virou um aliado do fotógrafo, mas se tornou um risco para o fotojornalismo.

Este ano, o fotógrafo Stepan Rudik foi desclassificado da categoria “Esporte” do prêmio World Press por abusar do Photoshop. Tirou um pé de uma de suas fotos e reenquadrou-a, depois de transformá-la em preto e branco, entre outras manipulações, para fazê-la parecer uma foto feita em película.

Segundo a World Press, em vez de mostrar a realidade, alguns resolvem aperfeiçoá-la. Resultado: de 100 mil fotos examinadas pelo júri do prêmio, 20% são eliminadas por terem sido photoshopadas em excesso. O debate em torno da objetividade no fotojornalismo promete ocupar boa parte do Festival Visa pour l’image, que começou em Perpignan-França no dia 28 de agosto e termina neste domingo.

O fotógrafo Philip Blenkinsop dá um exemplo. Ele fica indignado quando vê fotos com cores luminosas em campos de refugiados. Ele explica que “nesses lugares tudo é cinzento, não há cor e quando as revistas mostram essas fotos com tons fortes, os refugiados devem se sentir insultados, pois é como se os fotógrafos dissessem que a vida miserável deles não é interessante, que a realidade precisa ser retocada”.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Ela caiu da escada, doutor!

BFF - Stairs (Director's Cut) from Raketenfilm on Vimeo.

Este impressionante vídeo desmascara de forma tocante e comovente a mais usada alegação dos agressores de mulheres quando confrontados com o seu crime. A campanha, desenvolvida pela agência Young & Rubicam de Frankfurt-Alemanha, vai direto ao ponto: “Milhares de mulheres estão caindo das escadas todos os dias. Você realmente acredita nisso?”

O vídeo é uma verdadeira obra-prima da publicidade e foi finalista da categoria “Films” do Festiva de Cannes deste ano. Ele faz parte de uma campanha contra a violência doméstica da entidade alemã BV Frauenberatungsstellen und Frauennotrufe – BFF (Associação Nacional de Aconselhamento da Mulher – Mulheres contra a Violência). Visite http://www.frauen-gegen-gewalt.de/. Todos os envolvidos no projeto (modelos, diretores de arte e fotografia, editores, câmeras, animadores 2D e 3D, músicos e cenógrafos) trabalharam de graça. A música também foi composta especialmente para o projeto.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Vândalos do nosso próprio planeta


O que você sente quando passa por um viaduto, um prédio, um muro, um monumento atacado pelos pichadores? Revolta? Indignação? Ou indiferença, simplesmente? Você é daqueles que aceita esse tipo de interferência, desde que não seja em algo de sua propriedade? Eu considero isso vandalismo. Não interessa, se a propriedade atacada é particular ou pública.

Mas existe um tipo de vandalismo que sempre ataca o que é de todos. Nossa indomável tendência de usar sem perguntar pelas consequências nos transforma em vândalos do nosso próprio planeta. Cada ato destrutivo, que danifica o ecossistema ao nosso redor, é vandalismo em alto grau.

E é muito pior do que aquele praticado pelos pichadores. Estes se esgueiram pela noite, atacam às escondidas, ferindo monumentos e obras públicas quando não são vistos. Lata de spray na mão, eles vão passando à altura das mãos ou escalando os edifícios em busca de mais visibilidade. Tudo para deixar a sua marca e provocar a indignação da sociedade.

O tipo de pichação que praticamos na natureza, sujando, quebrando, afetando e vandalizando por onde quer que passamos, não é feito na penumbra da noite. Nós o praticamos abertamente, diariamente, com sol a pino e autorização oficial. Ao destruir a natureza, também não pichamos patrimônio alheio, público ou privado. Pichamos a nossa própria casa, os móveis, as roupas, a cama onde dormimos, o banheiro em que nos banhamos...

“Até onde vamos chegar antes de começar a respeitar o planeta?”, é o questionamento desta campanha publicitária, criada pela Ogilvy, da França, para a WWF. Talvez nos espantemos mais com uma pichação na porta da catedral da nossa cidade do que com estes rinocerontes pichados... Mas é exatamente assim que deixamos o mundo que nos cerca... todos os dias...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Nunca houve um Grito do Ipiranga

"O Grito do Ipiranga" de Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888).

O jornalista Alberto Dines comentou hoje, no programa de rádio do Observatório de Imprensa (leia o seu texto na íntegra: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=605JDB016), que a épica imagem de Dom Pedro I gritando “Independência ou Morte” às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, não passa de um um factóide criado bem depois, para “enfeitar” a história. Segundo Dines, há 188 anos havia cinco jornais em circulação na Colônia e “nenhum deles fala do épico episódio protagonizado por D. Pedro nas redondezas de São Paulo às margens de um riacho”. A lista dos jornais inclui o Correio Braziliense (primeiro jornal independente do Brasil), a Gazeta do Rio de Janeiro, o Revérbero Fluminense, a Idade do Ouro do Brasil da Bahia e O Espelho.

Dines garante que o fato não foi registrado por nenhum destes periódicos. “Todos os cinco periódicos eram a favor da emancipação, estavam por dentro do assunto, reproduziram os documentos e a azeda troca de cartas entre o rei D. João VI e o seu filho príncipe-regente, em agosto. Mas em matéria de datas os cinco estão mais preocupados com o 12 de outubro – quando D. Pedro seria proclamado pelo povo e assim legitimado como Imperador do Brasil.”

Para o comentarista do Observatório de Imprensa, “o Sete de Setembro foi uma construção política posterior, bem posterior, e não um fato político. Para usar o jargão moderno: o Sete de Setembro foi um factóide, muito bem construído para facilitar a repercussão externa – mas um factóide”.

Quem quiser mais detalhes desta história, pode assistir amanhã, 7 de setembro, ao especial do Observatório da Imprensa na TV sobre mídia e independência, que estará sendo exibido na TV Brasil, em rede nacional, às 22h.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Solte pipa comigo


Receber uma ligação num sábado de manhã para combinar um programa diferente para o final de semana é uma coisa bem normal. Mas nada se compara a ouvir: "Vô, a minha mãe comprou uma pipa de águia para mim. Você quer vir aqui em casa soltar pipa comigo?"

Larguei tudo que estava fazendo e, com minha esposa, tomei a estrada, por duas horas, para juntar-me ao meu pequeno neto, de cinco anos, para atender a este pedido irresistível. Quando chegamos, ele já estava nos esperando na porta, pipa na mão, pronto para zarpar, rumo à sua maior aventura até então.

Foi uma experiência muito especial, não só para ele. Também para mim tornou-se uma daquelas pequenas coisas que se transformam em lembranças queridas. Mais do que aquela pipa, os meus pensamentos também se embalaram e alçaram voo, desfilando num céu de emoção e encantamento.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Xenofobia é defendida em livro

Thilo Sarrazin escreveu “Deutschland schafft sich ab”

A xenofobia é como um tsunami. Quando se instala, vai crescendo e arrasando tudo pelo caminho. E ela se manifesta com maior ou menor intensidade em todos os cantos do planeta. Nem aqui, no Brasil, estamos livres dela. Coisas aparentemente ligadas ao calor típico das torcidas, como a antipatia recíproca entre brasileiros e argentinos por exemplo, tornam-se um terreno fértil para o crescimento do ódio ao estrangeiro.

Mas há coisas bem mais preocupantes que denunciam a sua prática entre nós, como o desprezo e o preconceito que muitos no sul nutrem contra os nordestinos. Gostamos de qualificá-los de malandros, que vivem do bolsa-família etc., enquanto brigamos no emprego e na escola para emendar os feriados de 2 de setembro (fundação de Blumenau) e 7 de setembro. Menciono isso apenas à guisa de embarcar no assunto.

O que preocupa de fato é o crescimento da xenofobia no hemisfério norte, particularmente nos EUA e na Europa. Já disse algumas vezes neste espaço que, ainda neste século, o mundo será levado a uma terceira guerra de proporções planetárias, alimentada pelo explosivo combustível do ódio religioso.

Os movimentos no complexo tabuleiro de xadrez do convívio já deram vários sinais de que se procura demarcar cada vez melhor os territórios, reais ou imaginários. Um dos primeiros movimentos foi com as torres, quando a Suíça baixou uma lei nacional que proibiu os muçulmanos de erguer novos minaretes em todo o território suíço, que ficou conhecida como a lei do “Minarettenverbot”.

Sempre é bom evocar, nessas horas, a lembrança histórica de que nossos antepassados, imigrantes europeus no sul do Brasil, enfrentaram uma lei semelhante, que os proibia de construir torres em suas igrejas, porque este tipo de exibição arquitetônica estava reservado, por lei, somente à igreja católica.

Depois, na Europa ainda, veio a lei que proibiu o uso do véu islâmico em público, em toda a Bélgica. Na França, na Alemanha, na Áustria, na Holanda e em outros países já foram feitas várias tentativas de aprovar leis semelhantes. Também não falta quem queira desconstruir, pela lei, o crescimento das manifestações culturais e religiosas dos imigrantes turcos nesses e em outros países.

Em meio a tudo isso, não dá para não mencionar a lamentável decisão do presidente francês Nicolas Sarkosy de expulsar milhares de imigrantes da etnia Rom (ciganos) do território francês. Embora os ciganos armênios tenham a cidadania europeia por seu país estar na Comunidade Europeia, a França quer vê-los fora do seu território, levantando protestos em todo o mundo.

Nos EUA são conhecidas de todos os viajantes as rígidas (e ríspidas) leis de imigração. Gente, muita gente, gente demais, tendo que voltar para casa sem sair do aeroporto. Gente sendo barrada nas fronteiras, com truculência, muros, cercas e armamento pesado. Massacres acontecendo na fronteira com o México todos os dias, com a alegação de que são promovidos pelo narcotráfico.

No meio de tudo isso, o lamentável episódio dos agressivos protestos promovidos pela ultra-direita norte-americana no Marco Zero (local em que se erguiam as famosas Torres Gêmeas derrubadas no fatídico 11 de setembro). Eles não querem uma mesquita no local. Gritaram tanto, que o presidente Obama desautorizou o que tinha autorizado: a construção da mesquita. Esta autorização representava, para aqueles manifestantes, mais um tapa na cara desferido pelo mais exacerbado Feindbild dos americanos neste século: o temível mundo dos terroristas muçulmanos, da Al-Qaeda, do Bin Laden. Uma paranóia somente comparável à que provocava, no século passado, a simples menção da União Soviética.

É assim que o ódio xenófobo vai se agigantando, de passo em passo. O circo está armado e o espetáculo já vai começar.

Se o que faltava era um livro, agora ele também já existe. “Deutschland schafft sich ab” (algo como “A Alemanha se auto-extingue”) é o título da obra de Thilo Sarrazin, economista e controvertido membro do Conselho do Banco Central alemão, lançada na última segunda-feira em Berlim. A obra é uma descarada exposição dos argumentos xenófobos de integração dos turcos e de combate aberto ao tsunami muçulmano que vem arrasando quarteirões por toda a Alemanha.

Sarrazin nunca escondeu seu ódio aos imigrantes indesejados, porém abertamente convidados no passado a vir à Alemanha para fazer aqueles serviços para os quais os alemães se consideravam indignos. “Eu não preciso reconhecer ninguém que vive do Estado, recusa este Estado, não se empenha suficientemente pela formação de seus filhos e não pára de gerar novas menininhas de véu. Isso vale para 70 por cento da população turca e 90 por cento da população árabe de Berlim”, detonou ele, em setembro do ano passado.

“Eu não quero que a pátria dos meus netos e bisnetos se torne muçulmana em grande parte, que nela se fale turco e árabe em extensas regiões, as mulheres tenham que usar véu e o ritmo do dia seja determinado pelos berros dos muezins. Se eu quiser ver tais coisas, eu posso muito bem fazer uma viagem de férias ao oriente”, diz um dos trechos do livro de Sarrazin, quando fala de Demografia e Imigração.

Um livro, simplesmente. Seu conteúdo é o furor da semana em todos os órgãos de comunicação da Europa. Protestos, rechaço e críticas ferozes a Sarrazin ecoam por toda a Alemanha. Mas ele não se abala. “Leiam o meu livro primeiro. Eu os convido a procurar erros de conceito na minha análise”, ele desafia os seus críticos.

Mas, se era um livro que faltava, aí está. O maior genocídio da história moderna também começou com um livro. “Mein Kampf” foi a base sobre a qual Hitler construiu o III Reich.

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...