terça-feira, 24 de novembro de 2015

Aniversário de Lucy

O Google avisa o mundo de que hoje é o aniversário de Lucy. Descoberta no dia 24 de novembro de 1974 no deserto de Afar, enquanto no acampamento dos antropólogos tocava "Lucy in the sky with diamonts" (Beatles), a fêmea de Australopithecus Afarensis de três milhões e duzentos mil anos voltava à vida para a ciência e o conhecimento da origem humana. Detalhe importante: ela era da Etiópia, um dos berços da humanidade e hoje um país miserável da África, que faz parte da triste lista dos países do mundo que experimentam fome extrema (Somália, Quênia, Etiópia, Sudão e outros). A imagem mostra o esqueleto descoberto e a provável aparência de Lucy, uma simpática mãe da humanidade. Seu corretivo dedo em riste nos adverte maternalmente: "O que vocês fizeram, meus filhos?".

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Saudade / Sehnsucht / Heimweh

Quando se fala em palavras do português que são intraduzíveis, todos logo lembram de "saudade" (Trilha sonora: "Saudade, palavra triste, quando se perde um grande amor..."). Os alemães adoram! 
Mas o alemão também tem palavras intraduzíveis, de sentido específico. Para "saudade", eles têm duas palavras: "Heimweh" e "Sehnsucht". E, para mim, as duas são fortes. 
A primeira quer dizer "dor de casa, da pátria, do lugar que amamos e consideramos nosso lar"; uma dor difícil de descrever, mas dura de experimentar (Trilha sonora: "Heimatlos gibt´s viele auf der Welt; Heimatlos und einsam wie ich...).
A segunda, "Sehnsucht", expressa "vontade de ver". É uma saudade das coisas ou pessoas amadas que estão longe e que faz tempo que não vemos. Mas sabemos que, a qualquer momento, podemos ir ao seu encontro e matar a vontade de ver (Trilha sonora: "Tô com saudade de você debaixo do meu cobertor"...). 
Já "saudade" expressa o desejo por algo que não podemos mais recuperar ou alcançar. Alguém que se foi, ou a casa paterna que foi derrubada e apenas continua em nossas lembranças; disso sentimos saudade (Trilha sonora: "E por falar em saudade, onde anda você..."). 
Cada língua com a sua dor...

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Um mar de lama, dois pesos e duas medidas

Há um ano e dez meses, o segundo maior incêndio da história do Brasil matava 242 jovens e deixava mais de 600 feridos. Os donos da boate Kiss e a banda que fazia um show (com efeitos pirotécnicos) no palco foram presos no dia seguinte. Há incontáveis erros no processo, mas houve prisões.
Agora a absurda irresponsabilidade ambiental de mineradoras, negligência do poder público e dos órgãos fiscalizadores são responsáveis pela maior tragédia ambiental do Brasil. A mineradora Samarco não soterrou apenas uma indefesa vila em Mariana. Não há somente dois mortos e uma dezena de desaparecidos. Um mar de lama real eliminou qualquer vestígio de vida e comprometeu por décadas o ecossistema de toda uma bacia hidrográfica mineira, e não haverá operação lava-jato capaz de limpar toda aquela sujeira. A natureza terá que se virar para eliminar toda aquela lambança. O rio doce, agora insalubre, que se vire para voltar a ser doce algum dia. Daqui há 50 anos talvez tenha um ou outro peixinho nadando nele novamente.
E todo mundo fala das cidades que ficaram sem água, dos humanos afetados e dos negócios paralisados. É claro que isto é dramático. Mas, quando finalmente vamos perceber que a espécie humana não sobrevive som as outras?
Do ponto de vista jurídico, o dramático caso de irresponsabilidade coletiva em Santa Maria produziu jurisprudência para o caso de agora. Apesar dos muitos erros e falhas no processo, os principais causadores das mortes daqueles jovens estão ou já estiveram presos.
No Vale do Rio Doce, a lama já avançou mais de 500 quilômetros e ninguém foi preso. Mineradora interditada e seus executivos circulando... e ninguém foi preso. Um lodaçal de desculpas, mentiras mais sujas do que a lama... e ninguém foi preso. O governador de Minas Gerais e o ex-governador e inconformado candidato derrotado à presidência defenderam deslavadamente a Mineradora Samarco... e, mais uma vez, ninguém foi preso. Os órgãos ambientais fiscalizadores, o poder público negligente e os sindicatos de mineradores indiferentes... e ninguém foi preso. O Ministério das Minas e Energia tratando tudo com uma leveza inacreditável, sem interditar as potenciais outras centenas de bombas de lama semelhantes Brasil afora... e ninguém foi preso.
Detalhe: Nós não estamos lidando com uma tragédia que matou duas pessoas e, provavelmente, também as outras 15 desaparecidas. Não estamos pedindo justiça apenas por uma vila que nunca mais poderá voltar a existir. Estamos falando de sonhos, de futuro lançado na lama, de incontáveis populações que dependem daqueles cursos d'água. Mas estamos falando também de uma NEGLIGÊNCIA que destruiu TODA A VIDA em toda a extensão do Vale do Rio Doce, afetando seu ecossistema por um século. E, ninguém foi preso até agora?

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Quando o Sol desaparece

Dois meses sem sol começam a ter efeitos devastadores sobre as pessoas. Um incontrolável sentimento de melancolia começa a nos dominar. Segundo os estudiosos, a história do clima nos ajuda a entender. Em regiões de longos e escuros invernos, seguidos de primaveras e verões chuvosos e com o céu encoberto na maioria dos dias, populações inteiras são mais propensas à melancolia.
Esse clima depressivo que domina todos é hoje descrito como SAD, Seasonal Affective Disorder, que aparece quando o sol desaparece, levando muitos a um exagerado sentimento de tristeza e até mesmo, em alguns lugares, aumentando inclusive o número de suicídios. Os sintomas agudos da SAD manifestam-se como problemas de sono, letargia, falta de apetite, depressão, problemas sociais, sentimentos de medo, perda da libido e mudanças repentinas de humor. Não é por acaso que muitos se queixam de baixa imunidade e do aparecimento de infecções.
A luz e as trevas têm forte influência sobre a cultura e a religião. A própria Bíblia fala da luz como o bem e das trevas como o mal. E isso é assim na maioria das civilizações, como codificação cultural e religiosa que as assemelha. Em todas elas a luz é identificada com aspectos positivos e a escuridão com o mal. É uma cultura que chegou até mesmo a Hollywood, onde os filmes de pouca iluminação são sempre os mais tenebrosos, maquiavélicos e repletos de pesadelos e planos do mal.
O aumento da escuridão não traz bons sentimentos. Aumentam a sensação de solidão, de abandono, de angústia e cresce o medo do desconhecido e instala-se o pavor. Imagine como era isso nos milhares de anos em que a humanidade passou as noites sem a espetacular luz artificial que ilumina nossas casas e cidades nos dias de hoje. A noite era recebida com apreensão e angústia.
Anos e até décadas de pouca luz solar espalharam uma cultura trevosa, que produziu uma autêntica idade das sombras em muitas sociedades. Histórias de pessoas loucas, inclusive entre os governantes, não faltam. Lembro apenas o exemplo do jovem rei Luiz XIV da França, que se autodenominava o rei sol e se deixou retratar como a personificação do Sol em balé. Monarcas do seu tempo seguiram o exemplo dele, na desvairada busca por um pouco de luminosidade e se deixaram retratar também como sóis num tempo sem sol.
Alguém se habilita a dançar um balé solar por aqui? Volta, Sol!!!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Justiçamento é justiça?

Esta é uma pintura obviamente mórbida. É do pintor holandês Pieter Brueghel (1525-1569), com o título "O Triunfo da Morte". Num mar de caveiras espalhando o terror da morte, chama a atenção no horizonte uma floresta de forças e instrumentos de execução, que fazem menção a um tempo na história da Europa em que a pena de morte era um recurso fácil da justiça. No século 16, o aumento da criminalidade levou ao crescente endurecimento das leis, onde a tortura era mais corriqueira do que em qualquer outro período da história antes ou depois desse tempo e as execuções alcançaram números nunca registrados.
Um viajante que chegasse, por volta de 1600, a qualquer das grandes cidades europeias, antes de chegar aos portões da cidade tinha que passar por um absurdo espetáculo de horror. Cadáveres de malfeitores e ladrões em putrefação estavam pendurados em forcas ao longo do caminho. O objetivo desse teatro macabro era intimidar potenciais malfeitores e passar a impressão de que uma ordem rígida e inquebrantável reinava naquele lugar. (Fonte: Wolfgang Behringer, in Kulturgeschichte des Klimas, p. 154).
Fique como um registro do absurdo em que a humanidade já se meteu e, volta e meia, volta a se meter. Especialmente, fique como alerta para os absurdos clamores que circulam pela nossa sociedade em pleno século 21, que levam grupos insanos a praticar justiçamento, linchamentos, apedrejamentos e outros atos que consideram "justiça". Justiçamento não é justiça. É crime em nome do combate ao crime.
Que permaneça o alerta de Gandhi: "Olho por olho, e o mundo acabará cego!". Por aqui, em muitos casos, a cegueira já nos atingiu. Passar a furar os olhos é apenas uma questão de tempo...

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Lições da história, quem as aprende?

Datas de tragédias sempre evocam a necessidade de "não esquecer". A lembrança de genocídios têm a pretensão de repassar uma lição: "para que jamais se repitam". A dramática pergunta que fica é o da efetividade dessas lições. Aprendemos realmente com a história? Recordar ensina?
Eu fico em dúvida.
Faz 70 anos, por exemplo, que somos insistentemente relembrados das barbaridades do holocausto protagonizado pelos nazistas. Apesar disso, ele já se repetiu incontáveis vezes nessas poucas décadas do pós-guerra. Alguns poucos eventos para refrescar a nossa memória.
O genocídio cambojano levado a cabo por Pol Pot e seu regime do khmer vermelho (1975/79) executou 2 milhões de pessoas.
O apartheid na África do Sul (1948/94), regime racista da minoria branca contra a maioria negra, que nos legou a impressionante lição de Nelson Mandela sobre igualdade racial e prática do perdão, mas que não aprendemos, nem lá, nem aqui.
O genocídio de Ruanda (1994), no qual extremistas hutus exterminaram os tutsis com machados e facões. Entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 quase um milhão de tutsis foram assassinados dessa maneira e quase todas as mulheres foram estupradas no país.
Para que ninguém diga que há bons e maus nessa história (onde quase sempre os EUA são contados entre os "bons"), durante a guerra do Vietnã, para encontrar os bravos combatentes vietnamitas que se esgueiravam entre as florestas tropicais do país, os americanos lançaram sobre as florestas o agente laranja, uma mistura de dois herbicidas (2,4-D e 2,4,5-T), cujo uso deixou sequelas terríveis na população daquele país e nos próprios soldados norte-americanos, com proporções não plenamente calculadas até hoje. As aplicações aconteceram incontáveis vezes entre 1961 e 1971, como programa militar planejado em estratégias de guerra. Um total de 80 milhões de litros foram aplicados, que destruíram o habitat natural, deixaram 4,8 milhões de pessoas expostas ao agente laranja e provocaram enfermidades irreversíveis, sobretudo malformações congênitas, câncer e síndromes neurológicas em crianças, mulheres e homens do país, com sequelas até os nossos dias.
Por fim, acontecendo neste momento, todas as barbaridades promovidas pelo Estado Islâmico repetem as más lições da história com requintes de crueldade...
Ainda mais, para que não digam que somos uma ilha no meio de tudo isso, durante 21 anos o Regime Militar matou milhares de brasileiros e brasileiras nos porões da tortura, só porque pensavam diferente e sonhavam com um outro país. As lições da "Escola das Américas", que treinaram muitos dos protagonistas dos regimes militares por toda a América Latina, fez largo uso dos métodos de tortura e extermínio usados pelos nazistas no holocausto. Essas, infelizmente, foram as lições de história mais bem aprendidas daquele tempo nefasto.
Eu não queria dar este desfecho ao meu texto, mas não há como contornar um poste plantado bem no meio do nosso presente e que pode amarrar o nosso futuro próximo. A sociedade brasileira anda inquieta, cheia de ódio, moldado em bancos de igreja inclusive, e que a torna sedenta de vingança, pronta para um novo tombo no buraco da barbárie. Com temor e tremor por nossa democracia, eu pergunto: Lições da história? Aprendemos alguma?

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A Revolução Francesa e o Clima

Um exemplo interessante da ligação entre o clima e a história vem da Revolução Francesa. A queda da Bastilha em 1789 tem muitos fatores de longo e de curto prazo, de ordem política, cultural, econômica e social. Mas não foi somente uma população cansada do feudalismo que decidiu livrar-se de seus opressores.

Um desses fatores foi o crescimento populacional em mais de dez por cento nos últimos 20 anos antes da revolução. Desde 1770 a agricultura não dava conta de produzir o que era consumido, além de ser tecnicamente atrasada. A armazenagem era precária e insuficiente, a irrigação ruim, o modo de plantio ultrapassado, o trabalho de plantar, colher e beneficiar era todo manual e os agricultores não aceitavam novas técnicas.

Com isso, obviamente as colheitas eram escassas e não havia estoques, abrindo graves brechas na economia para problemas em caso de insucesso numa colheita ou tragédias meteorológicas. Uma enorme cratera começou a abrir-se com uma crise de fome em 1770 que atingiu toda a Europa. Os “anos dourados” da era Luiz XV terminavam em carestia aguda.

Com a subida ao trono de Luiz XVI (1774), a situação se agravou, com estagnação econômica e recessão em 1778. Para tentar resolver, o imperador implantou uma economia liberal equivocada, com uma política agressiva de livre-comércio, que favorecia a nobreza. Sem estoques de cereais, ele liberou a exportação dos produtos agrícolas já que não havia poder aquisitivo na França para comprar a produção. Os lucros dos produtores foram às alturas e os consumidores não tinham o que comer. Também a indústria francesa foi prejudicada com a liberação de importação de manufaturados ingleses em larga escala, que eram mais baratos. Com isso, veio uma crise de desemprego.

Este quadro explosivo de crise geral foi agravado por severas tragédias climáticas. Em 1788 sobreveio um grave ano de seca, que culminou numa tempestade de granizo que destruiu cerca de 1500 povoados nas cercanias de Paris e reduziu a safra em 20% em toda a França. No ano seguinte, os preços não pararam de subir. O verão de granizos foi substituído por um inverno de frio sem precedentes em 1788/89, que paralisou a economia. O derretimento do gelo e da neve acumulada no inverno produziu enormes inundações na primavera seguinte, seguidas de peste entre o gado. Revoltas provocadas pela fome começaram a eclodir em diversos lugares. Famílias inteiras assaltavam comboios de transporte de mantimentos e cereais e os veículos começaram a ser escoltados pelo exército. Nas cidades, cresciam os arrastões e os assaltos de bandos de famintos a comércios e estoques.

O medo dos assaltos fez o governo distribuir armas aos agricultores, para se defenderem dos bandoleiros. Ainda assim, o clima não deu trégua e o verão de 1789 também foi sem chuva, estorricando o solo e as pastagens. Rios secaram e os moinhos que tocavam a indústria também pararam. Certamente não apenas o clima contribuiu, mas a revolução francesa foi também uma revolução da fome. A data mais simbólica disso tudo foi o dia 14 de julho de 1789. Nesse dia o preço dos cereais atingia o seu ápice. Foi precisamente o dia da queda da Bastilha.


(Fonte das informações: Kulturgeschichte des Klimas/Wolfgang Behringer)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

El Niño

Quem ainda não ouviu falar dele no Vale do Itajaí? "El Niño" (do espanhol "O Menino" e lê-se El Ninho) é o maior fenômeno climático natural que ocorre no nosso planeta. Tem este nome porque costuma ocorrer por volta do Natal, em média a cada sete anos, por isso a referência ao Menino Jesus. Pela bagunça celestial da última noite, estamos em pleno campeonato de bolão do El Niño.

O fenômeno ocorre bem longe daqui, na mudança da temperatura das águas do Oceano Pacífico, na Corrente de Humboldt. Isso muda a realidade de chuvas e secas em todo o Hemisfério Sul e parte do Hemisfério Norte do planeta. Afeta a América do Sul e Central, a África, a Ásia e a Oceania, provocando reviravoltas gigantes no clima nessas regiões. Chuvas e enchentes aqui no Sul e seca no Centro Oeste e no Sudeste estão na pauta.

Entretanto, tem vezes que ocorre um chamado Mega El Niño. Os últimos aconteceram em 1975/76 e em 1982/83 (este último de triste lembrança para o Vale do Itajaí). Nesses eventos climáticos catastróficos acontece o que os oceanógrafos chamam de ENSO (El Niño Southern Oscillation), quando o fenômeno muda a direção das correntes marítimas. Nesses eventos climáticos gigantes, inverte-se radicalmente o regime de chuvas e de estiagem em vários pontos do planeta.

Para historiadores do clima no planeta, alguns desses Mega El Niños se estenderam até por décadas, aniquilando civilizações inteiras, como algumas pré-incaicas nos Andes, a civilização maia no México ou algumas das dinastias de faraós egípcios (por influenciar as cheias periódicas do Nilo). Óbvio que a tragédia climática que se abateu sobre essas civilizações não encontrou governantes em condições de reagir em tempo de salvar o povo da fome e de doenças dela decorrentes, mas o clima ajudou muito.

Por certo, apesar das tragédias sempre dramáticas associadas ao El Niño, a civilização atual é a mais preparada para enfrentar suas consequências. Mas também somos parte da primeira civilização que influencia e potencializa este fenômeno natural com nossa agressão ao meio ambiente, como desmatamentos e poluição atmosférica causadora do efeito estufa.

(Com informações de "Kulturgeschichte des Klimas", Wolfgang Behringer)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Um bom termômetro do preconceito

A venda de ingressos das Olimpíadas de 2016 vai de vento em popa. Já no início de agosto, 3 milhões de ingressos de um total de 7,5 milhões disponibilizados para o Brasil foram vendidos, segundo o Comitê Rio 2016. Hoje começa a segunda fase dessa venda, com cada ingresso sendo disputado a tapa.
O mesmo não se repete em relação aos ingressos da Paralimpíada. Menos de 10% foram vendidos na primeira fase. Mesmo com os argumentos da matéria do Estadão, buscando explicações para a baixa procura, na minha opinião o preconceito transparece aqui.
Estão perdendo a oportunidade de contato imediato de primeiro grau com incontáveis casos de superação e lições de vida! Além de superarem as limitações impostas pelas suas deficiências, os atletas paralímpicos ainda têm que superar o descaso, o preconceito e a falta de apoio da sociedade. Nenhum deles ganha o rio de dinheiro que os patrocinadores investem nos atletas considerados "normais".

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Solidariedade seletiva?

Algumas notas do Twitter, nesta terça-feira pela manhã, chamaram a minha atenção. Eles sugerem que a solidariedade aos refugiados deve ser seletiva, ou seja, somente alguns países e pessoas estão devidamente preparados para receber e atender essas pessoas.
Para contextualizar minha argumentação, primeiro um histórico dos posts do pastor Ricardo Gondim, da Assembleia de Deus Bethesda, que vem dizendo com profundidade diaconal e teológica que a situação dos refugiados é nosso atestado de desumanidade e que é preciso fazer mais do que lamentar. É preciso agir.
Gondim colocou a sua Igreja à disposição para receber refugiados. "Vocês são bem-vindos no Brasil", disse, abrindo as portas. Num post de hoje pela manhã, acompanhado de uma foto de uma família muçulmana, ele foi categórico: "Lamento informar, evangélico fundamentalista: considero essa família refugiada ao mesmo tempo brasileira e nossa irmã".
Mas a opinião dos fundamentalistas religiosos sobre pessoas de religiões que não a sua própria já é conhecida e nem me altera mais. O que me incomodou foi a reação de um tuiteiro canadense à solidariedade de Gondim e de sua igreja. Segundo ele, Gondim não tinha condições para receber refugiados e ajudá-los porque o Brasil está quebrado.
Mas não é só ele que pensa assim. Alguns posts da grande imprensa de hoje vão na mesma linha. O G1, site da Globo, insiste em algumas manchetes claramente seletivas acerca da solidariedade alheia. A primeira delas é categórica e foi repetida desde as sete da matina: "Maduro ordena que Venezuela receba 20 mil refugiados sírios". Como assim? A Venezuela não pode ser solidária com os refugiados sírios? Bem, dirão vocês, quando vem de um "ditador", é uma ordem indevida sobre um pobre país refém de suas decisões tresloucadas. Por que a atitude de Maduro não pode ser percebida como simples solidariedade? O que há de mal em Maduro oferecer abrigo para 20 mil refugiados?
Em contrapartida, o G1 diz que "Ilhas gregas têm 30 mil refugiados; apenas Lesbos recebeu 20 mil". Já, com bem mais empolgação, anuncia que "Alemanha pode receber 500 mil refugiados por ano a médio prazo".
A mensagem está clara: A Alemanha tem condições; é rica; pode. A Venezuela está na miséria e não tem condições. Não pode, portanto. O Brasil está quebrado e também não deveria.
Mal sabe esta gente de coração pequeno que a solidariedade tem, via de regra, se manifestado de maneira mais acentuada justamente entre os pobres. Ao contrário do que eles imaginam, é mais fácil quem tem um pão dar a metade a quem não tem do que aquele de armário cheio retirar uma migalha para dividir com o necessitado. É o que temos visto por aí. A solidariedade está em casa entre os que nada têm e nos é ensinada muito mais pelas crianças.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Onde estarás, que não te ouvimos?

Este homem é Khaled al-Asaad (82 anos). Segundo seus pares, ele é insubstituível. Arqueólogo-chefe das pesquisas em Palmyra há 50 anos, na Síria, ele foi barbaramente assassinado esta semana. O Estado Islâmico o enforcou, decapitou, e exibiu seu corpo mutilado ao público. Antes, eles o torturaram barbaramente. Queriam que ele revelasse o esconderijo dos tesouros arqueológicos sob sua guarda, que o EI comercializa num bem-sucedido mercado negro de relíquias arqueológicas.

O lucro desse mercado negro se transforma em armas, sustenta as milícias do EI, paga o terror absoluto em nome de Alá. Quem compra esses objetos cobiçados do passado? Europeus, americanos, gente do mundo inteiro, que não se detém um segundo para pensar no que a sua cobiça se converte.

Ah, sim, antes que eu esqueça, Palmyra é um dos mais importantes sítios arqueológicos da humanidade, cidade do império semita, fundada no século IV antes de Cristo. Este patrimônio histórico da humanidade está desde maio nas mãos do EI, que já destruiu vários monumentos irrecuperáveis da civilização assíria ali.

Agora isso... Uma imperdoável desumanidade que ofende Deus e Alá.

Veio à minha mente uma antiga canção dos tempos da minha entusiasmada ida à JE: "Onde estarás, que não Te ouvimos? Onde estarás, que não Te vemos? De procurar já nos cansamos, e Te encontrar não conseguimos".

É a mesma oração que moveu Castro Alves, diante da escravidão: "Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes? Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?"

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Obama mostra que a África existe

A respeitosa visita do presidente americano Barack Obama ao Quênia, terra de seus familiares, tem um significado que mal conseguimos avaliar aqui, do outro lado do Atlântico. Foi necessário que um descendente de quenianos, negro e herdeiro histórico da escravidão se tornasse presidente da mais poderosa nação do planeta para que se fizesse o gesto de perceber que a África existe. Obama mostrou que a África existe. E isso não é pouco, creiam!
A propósito de sua visita, recorto um trecho de um livro terrível, mas que apresenta a dramática conta da passagem do cristianismo pela humanidade. É um trechinho apenas, mas que mostra porque a África é o que é, ainda hoje, graças sobretudo a incursões em busca de escravos, realizadas com a Cruz de Cristo impressa nas bandeiras e esculpida no metal dos cabos das espadas:
“As contínuas incursões dos escravistas por quase trezentos anos destruíram a economia de vastas áreas da África, privando populações inteiras de sua melhor mão-de-obra, o que fez milhões de pessoas morrerem de fome, epidemias e exaustão. Era possível percorrer centenas de quilômetros em meio às ruínas do que um dia foram civilizações brilhantes e culturalmente evoluídas e não encontrar um único sobrevivente, apenas ossos que brilhavam sob o sol.”
(O Livro Negro do Cristianismo)

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Início da era atômica completa 70 anos

Há 70 anos, no dia 16 de julho de 1945, às 5h29min45s, no campo de testes de foguetes White Sands em Jornada del Muerto, vale do Novo México, iniciava a era atômica. Exatamente neste momento explodia a primeira bomba atômica, que tinha o nome de “The Gadget” (foto). Poucas semanas depois, uma bomba semelhante explodia sobre Nagasaki. Sua explosão abriu uma cratera de três metros de profundidade e 730 metros de diâmetro. O epicentro da explosão transformou a areia num vidro verde radioativo. A explosão levantou um cogumelo atômico de doze quilômetros e a onda de choque podia ser sentida a 160 quilômetros de distância, cuja explosão pôde ser ouvida a 320 quilômetros de distância. Ainda hoje, 70 anos depois, a radioatividade no campo onde foi feito o teste é dez vezes acima do normal. O diretor do projeto, Dr. J. Robert Oppenheimer, usou uma frase de um antigo escrito hindu, para descrever o que viu: “Eu me tornei a própria morte, o destruidor dos mundos”. Pela primeira vez na história, a humanidade se tornava capaz de sua própria eliminação da face da Terra.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Sobre Igrejas que se calam

"Uma igreja que se pela de medo, evitando a qualquer custo aparecer à luz do dia como quem toma partido e que jamais se arisca a ser partidária, observe muito bem se não está irremediavelmente se comprometendo... com o diabo, todavia, que não conhece companheira melhor do que uma igreja que, em troca de preservar sua boa-fama e suas vestes limpinhas, permanece eternamente calada, eternamente meditativa, eternamente neutra; uma igreja que, por estar demais preocupada com a transcendência do Reino de Deus – na verdade, nem tão fácil de ser ameaçada –, transforma-se num cão que não late.

Karl Barth

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Quem separa o joio do trigo?

Jesus contou muitas parábolas fantásticas. Entre elas, há a parábola do joio e do trigo (Mateus 13.24-30), que conta sobre um homem que semeou boa semente, mas um inimigo encheu o seu campo de sementes de pragas. Os trabalhadores queriam arrancar as pragas ainda pequenas, mas o homem disse que eles iriam prejudicar também o trigo. "Quando tudo estiver maduro, os ceifeiros vão separar as pragas do trigo, juntar as pragas e queimá-las, mas o trigo juntarão no meu celeiro", disse ele.
Ainda hoje tem gente apressadinha, separando o que consideram praga do que julgam ser o trigo. No mundo, cristãos hostilizam muçulmanos e fundamentalistas islâmicos incendeiam igrejas e matam seus "inimigos". Estão fazendo isso aqui no Brasil, todos os dias, quebrando santos, atacando terreiros de umbanda, hostilizando cristãos de outras confissões e condenando minorias ao inferno. Consideram que o trigo cresce somente no seu campo, enquanto as pragas estão no outro lado da cerca e precisa ser arrancada. Alguns, ainda mais radicais, preferem usar veneno contra as pragas, aplicando-o até preventivamente.
Esta fantástica parábola de Jesus tem boas lições. A primeira delas é que o trigo e as pragas podem e devem crescer lado a lado. A segunda é que a separação acontecerá somente na colheita. A terceira é que a colheita será feita por especialistas (os ceifeiros), escolhidos pelo dono do campo. A quarta é que a nossa classificação sobre o que seja praga e o que seja trigo pode estar muito equivocada enquanto as plantinhas estiverem crescendo e, quase sempre, arrancamos plantinhas de trigo junto com as pragas. A quinta nos ensina que não somos nós que decidimos o que é praga e o que é trigo; nem temos conhecimento para saber o que é o que. Muitos pezinhos que agora nos parecem praga, podem ser belos pés de trigo quando maduros. Então... que tal guardar a foice no paiol e confiar no discernimento do dono do campo?
E mais... Eu desconfio que há trigo também do outro lado da cerca. Isso mesmo! Bem ali, no campo do vizinho, que olhamos e desdenhamos: "Quanto capim!".
Um pouco mais sobre isso, você pode ouvir neste belo culto dominical em Karlsruhe-Alemanha, no dia 5 de julho de 2015.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Profecia e realidade

Tenho uma admiração especial pelos profetas do Antigo Testamento. Segundo os teólogos, receberam uma missão especial de Deus, de alertar o povo desobediente sobre as consequências disso. É uma interpretação legítima, mas torna Deus uma espécie de vingador do futuro.

O que realmente admiro nesses profetas é a sua arguta capacidade de olhar para o momento histórico, para a realidade sócio-cultural e religiosa do povo em determinado momento e, com base nessa análise, puxar os registros e apontar as consequências. Eles eram os passageiros da história que, sem medo, puxavam o freio de mão. Como disse muito bem Dietrich Bonhoeffer, se atiravam nos raios da roda para parar a carroça. Muitos perderam a própria vida por isso, foram perseguidos e considerados traidores.

Longe de mim querer ser como os profetas bíblicos. Sou um reles cidadão assustado com o que está acontecendo. Mesmo assim, ouso profetizar. Faz parte da minha atribuição de anúncio e de denúncia. Quem mandou dizer "sim" ao ministério...

Eis minha profecia. Vejo com grande preocupação o que estão fazendo com o nosso país. Não veremos o apagar das luzes do século 21 sem lamentar profundamente no que terá sido transformado a nossa pátria. Não estarei lá para ver. Mesmo assim, segue o meu alerta.

Querem trazer de volta a lei do Talião, do "olho por olho, dente por dente". O Brasil  está a largos passos se transformando no que Gandhi tão sabiamente alertou: "Olho por olho, e acabaremos todos cegos". Em 2050 teremos uma nação de cegos e banguelas.

Teremos uma educação que se esmerará em criar machos dominantes e fêmeas submissas e que, sobretudo, usará de todos os meios para combater tudo o que se considera transgressão e perversão em matéria de sexualidade.

Teremos uma nação que tratará a juventude como potencialmente criminosa e a colocará atrás das grades. E o fará, sobretudo, com base numa equivocada ideologia de segurança, que reluta em confessar que falhou na educação dos jovens.

Teremos leitura da Bíblia e cultos evangélicos nos parlamentos, como forma de mostrar o quanto estamos próximos do deus que criamos à nossa própria imagem e semelhança, justificando plenamente nosso instinto corrupto e hipócrita, e nos autodenominando "do bem".

Teremos uma nação em que ideologias serão consideradas proscritas e expressões religiosas enquadradas como anátema. O passado histórico do catolicismo como religião de Estado será apenas a lembrança de tempos amenos, em que a intolerância religiosa era tratada com batismo e chibatadas no pelourinho. No Brasil da intolerância do século 21, essas coisas serão assunto de polícia, da justiça comum... e da turba raivosa com autorização para o linchamento.

Muitas outras coisas se pode prever, numa sociedade movida por ódio e intolerância religiosa e política. Mas eu fecho com um alerta: Não culpem Deus depois. Ao contrário do que dizem sobre ele, Deus não é um vingador do futuro. Os culpados seremos nós mesmos. Cito novamente Bonhoeffer: De nada adianta caminhar na direção contrária dentro de um trem em alta velocidade, porque isso não mudará a sua direção. Lembre-se dos raios... É preciso parar o trem.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Dia dos Namorados com Lutero e Catarina

Quer um Dia dos Namorados melhor do que este? Começa hoje, dia 12 de junho, e vai até domingo, dia 14, uma festa muito especial na cidade alemã de Wittenberg. Pela 21ª vez uma grande festa popular lembra o casamento de Martim Lutero com Catarina von Bora. A festa reúne mais de 100 mil pessoas na cidade. Até casamentos de verdade são celebrados e também há um grande desfile de gente com trajes da época de Lutero. Martim e Catarina também desfilam pelas ruas de Wittenberg.

O reformador casou com a ex-monja Catarina no dia 13 de junho de 1525. A cerimônia foi no antigo Mosteiro dos Agostinianos, que Lutero recebeu de presente de casamento do príncipe e virou a residência da família Luther. Duas semanas depois, o casamento foi anunciado publicamente e houve a festa do casamento. Para muitos, o casamento de Martin e Catarina foi o ponto culminante da rebelião do ex-monge contra a igreja católica.

(As informações são do boletim digital da Comissão Interluterana de Literatura, um grupo dev trabalho entre a IECLB e a IELB que promove os textos da Reforma e a obra de Lutero.)

terça-feira, 2 de junho de 2015

Os haitianos e a rejeição dos descendentes de imigrantes

O colunista da Zero Hora, Tulio Milman, escreveu no último dia 23 de maio um texto certeiro sobre o comportamento do "Sul Maravilha", erguido sobre o sangue e o suor de imigrantes dos mais diferentes matizes, mas que agora discrimina os haitianos.
Imigrantes discriminando e rejeitando imigrantes... Como neto e bisneto de imigrantes alemães, assino embaixo do texto de Milman.
Se precisam de um argumento bíblico em defesa dos haitianos, então tomem este que segue. É o principal argumento de Javé (Deus do Antigo Testamento) em defesa dos estrangeiros em Israel. O povo de Deus também foi estrangeiro (e escravo!) no Egito: "NÃO MALTRATEM, NEM PERSIGAM UM ESTRANGEIRO QUE ESTIVER MORANDO NA TERRA DE VOCÊS. LEMBREM QUE VOCÊS FORAM ESTRANGEIROS NO EGITO" (Êxodo 22.21).
Receber bem e dar oportunidade de trabalho e inserção aos haitianos é nosso dever moral, como filhos e netos de imigrantes. Muitos de nossos antepassados venderam tudo o que lhes restava por uma passagem rumo ao Brasil para recomeçar a vida. Trabalharam muito duro, em meio aos perigos da mata virgem, para pagar o pedaço de chão em que ergueriam uma nova pátria para si. Não temos o direito de negar isso aos que vêm agora de uma pátria destroçada em busca de novas oportunidades.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Cultura do estupro no Brasil

Em 2013 o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), dentro de um questionário sobre vitimização no âmbito do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), fez também algumas perguntas sobre violência sexual. A partir das respostas, estimou-se que a cada ano no Brasil 0,26% da população sofre violência sexual, o que indica que haja anualmente 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no país, dos quais 10% são reportados à polícia. Isso confere com os registros, que afirmam haver cerca de 50 mil casos de estupro por ano no Brasil.
Agora veja isto: No ano passado, poucos dias depois da divulgação de atos de assédio sexual no metrô de São Paulo e da revelação da existência de uma página intitulada "Encoxadores", no Facebook, o Ipea divulgou dados de uma pesquisa sobre o estupro, segundo a qual 65% dos entrevistados (homens e mulheres) concordaram que mulher que exibe seu corpo, usando roupas curtas e/ou decotadas, "merece ser atacada". A partir dos dados, uma socióloga declarou existir no país uma "cultura do estupro", que considera a vítima responsável pela violência sexual que sofreu.
Segundo a teóloga feminista espanhola Teresa Forcades I Vila, a pressuposição implícita da culpa da vítima que, no imaginário masculino, seduz com sua roupa ou seu comportamento, "contradiz o discurso público sobre a masculinidade". Nega a afirmação de que o homem é o sexo forte. Não resistir a uma mulher vestida de modo sedutor e atacá-la sem seu consentimento, “pressupõe precisamente a debilidade – e não a fortaleza – da subjetividade masculina, de sua liberdade, de seu domínio de si”.
Forcades vai mais longe: “No evangelho de Mateus, em contrapartida, Jesus apresenta uma imagem mais positiva da capacidade ética dos homens (Mt 5.28). Nesta passagem, Jesus pressupõe que o homem tem plena liberdade ante a mulher e que, portanto, sua responsabilidade no encontro sexual não é em nenhum caso inferior ao dela” (trechos do livro “La Teología Feminista em la Historia”).
Ou seja, homem que ataca qualquer mulher (sua companheira de vida ou não!) sem consentimento, não teve domínio suficiente para resistir ou liberdade convincente para promover uma relação desejada pela mulher. Curto e grosso: É um frouxo!

A crise humanitária de proporções planetárias

O desespero leva as pessoas a toparem qualquer coisa. Quando a única perspectiva é um último fiapo de vida livre, lançam-se no abismo de uma possibilidade remota. Qualquer possibilidade. Sem pátria, sem lar, sem comida, sem roupa, sem eira nem beira... e você se joga nos primeiros braços que encontra abertos. E muitas vezes esses mesmos braços são mais traiçoeiros do que armadilha de caça na floresta. Quando se fecham, aprisionam, exploram, ferem mais ainda. A fome e o frio, a noite ao relento, ferem. Mas uma promessa que vira pesadelo, desmonta a própria alma. Torna-se ferida que jamais cicatriza. A promessa falsa que estimula esperança autêntica é pior que ter a escravidão como destino.
Esta é a terrível sinuca de bico em que se metem diariamente milhares de refugiados em todo mundo. E peço desculpas por descrever isto tão superficialmente, confortavelmente sentado aqui, diante do meu computador, numa sala quentinha e seca, com cheiro de café fresquinho vindo da cafeteira fumegante.
Apenas alguns recortes dessa desesperadora crise humanitária:
Os africanos que se atiram no Mediterrâneo, fugindo de não-pátrias atropeladas pelo Estado Islâmico... fugindo da fome e do caos social total, se atiram desesperados ao mar em embarcações precárias. Cerca de três Tïtanics desses refugiados já naufragaram e morreram ali. Esses mortos, porém, tiveram melhor sorte do que os que escaparam com "vida" da viagem do desespero. Ter que afirmar isso, dói. Mas é dramaticamente real. Pior que a morte no mar é a rejeição sistemática. Ninguém os quer. Ninguém se compadece, nem mesmo se importa com o destino de quem não tem mais pátria, nem nada.
Também é a experiência que marcou um grupo de 46 solicitantes de asilo vietnamitas detidos em alto-mar durante um mês pelas autoridades australianas, antes de devolvê-los a seu país de origem. Este grupo foi interceptado em 20 de março de 2015 e detido até 18 de abril e submetido a interrogatórios individuais em alto-mar e investigado. Nenhum foi reconhecido como "refugiado" pelas duríssimas leis de imigração da Austrália, um país feito de imigrantes, que transformou os nativos aborígenes em párias.
Este também é o mundo do absurdo absoluto que marca a descoberta estarrecedora de centenas (talvez milhares) de corpos enterrados em valas comuns nas montanhas, próximos a campos de refugiados implantados pelo tráfico humano na Tailândia. Com a repressão que se seguiu à terrível descoberta, os traficantes abandonaram as embarcações no mar e deixaram centenas de migrantes à deriva, o que provocou o caos na região. Malásia, Indonésia e Tailândia se recusaram a receber os migrantes e acabaram por ceder à pressão internacional e passaram a oferecer abrigo temporário.
A ONU calcula que 2.000 pessoas permanecem à deriva no mar, em um momento crítico, a poucas semanas do início da temporada de chuvas de monção. Nas últimas duas semanas, mais de 3.500 pessoas chegaram às costas da Indonésia, Tailândia e Malásia. Os migrantes são bengaleses que fogem da miséria em seu país e integrantes da comunidade muçulmana rohingya, marginalizada em Mianmar e sem direito à cidadania no país. E, o pior: gente absurdamente sem escrúpulos fazendo negócios com essa massa humana desesperada.
A lista deve incluir também os haitianos que migram para o Brasil, entrando pelo Acre em condições desumanas e jogados daqui para lá e de lá para aqui como pelanca no balcão do açougue da humanidade. Eternos esmoleiros, pressionados pelo desemprego alguns deles não veem saída a não ser retornar ao destroçado Haiti. Onde quer que aportem, os rostos se viram e os olhares se desviam. O mundo vira solenemente as costas ao Haiti desde 2010, ano em que o terremoto destrocou a economia haitiana. É o mesmo mundo que fez um Plano Marshall para recuperar a Alemanha destroçada pela segunda guerra mundial, mas não é capaz de devolver o Haiti a condições mínimas que permitam a esperança e a reconstrução.
A humanidade é sórdida.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Dom Óscar Romero e os santos

Óscar Arnulfo Romero Galdámez é um mártir de cristo na América Latina. Seu martírio foi precedido da condição de profeta. Ergueu sua voz para defender o povo de El Salvador da tirania dos poderosos. Tratou o povo simples como "pequeninos irmãos" e sua voz profética em defesa do povo ecoa até hoje através dos vales de lágrimas da injustiça que ainda corre solta pelo nosso continente. E fez a sua defesa incondicional dos pobres e do povo através dos instrumentos da não-violência ativa, sendo comparado a Mahatma Gandhi e Martin Luther King.
Por ser profeta, por clamar contra a injustiça, por defender o povo injustiçado e oprimido em plena guerra civil salvadorenha, Dom Óscar Romero foi covardemente assassinado durante a missa, em San Salvador, no dia 24 de março de 1980. Foi arcebispo da capital salvadorenha por pouco mais de três anos.
Dom Óscar Romero é um legítimo mártir da paz. Mas não daquela paz que não se envolve, que se retira das lutas e que se isola sem compromisso. O seu compromisso com a justiça e a igualdade a torna uma paz de enfrentamento, que martiriza. A paz que oferece a outra face, é aquela que chama a violência para si, absorvendo-a em defesa das vítimas.
Assim, o mártir da paz, da América Latina, de El Salvador entra para a lista dos santos mártires da igreja, sendo beatificado no sábado, dia 23 de maio. Sua santidade lhe advém da ousadia de ter levado seu batismo (que torna todos os cristãos santos, segundo Lutero) a sério e ter vivido sua fé até a última consequência, pagando sua fidelidade ao evangelho com a própria vida.
Óscar Romero encaixa-se com perfeição no papel que Martim Lutero reservou aos santos da igreja em todos os tempos: Eles são exemplo, pois a sua vida e obra apontam para Cristo como o único mediador e salvador. Os santos são inspiração para a nossa fé e a vida deles tem a função de oleiro para moldar o barro da nossa vida.
Óscar Romero é oleiro que nos molda e desafia a não mediocrizar nossa fé numa preocupação egoísta pela nossa salvação pessoal. Óscar Romero aponta para a nossa missão profética neste mundo, demonstrando que a fé não combina com injustiça, com ausência de paz, opressão, exploração e dor. Óscar Romero, segundo a compreensão de Lutero, "impulsiona Cristo", com a sua vida e com o seu martírio.
Com sua beatificação, ele entra para a lista dos mártires cristãos do século 20, como Dietrich Bonhoeffer e Martin Luther King; mas também para a lista dos santos que Deus escolheu sem a igreja, como Mahatma Gandhi, por exemplo.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Tudo pela audiência

Não, não! Não me refiro àquele programa engraçadinho do Multishow (que, aliás, faz tudo mesmo pela audiência, como abusar de pessoas fisicamente fora do nosso esquálido conceito de beleza, por exemplo). Falo é do velho Jornal Nacional, o JN. 
Agora deram para tentar sair do jurássico padrão Repórter Esso, mais engessado que perna quebrada. Querem imitar o bem-sucedido Jornal Hoje na descontração e nos apresentadores desfilando por um mundo que mais parece ter saído de cenários da ficção de Hollywood. Mas não deu muito certo. 
Bonner está muito mais para Heron Domingues (Repórter Esso). Por mais que se esforce, não tem a desenvoltura de um Evaristo Costa (Jornal Hoje); não para improvisar comentários sobre as notícias. 
Veja a grande bobagem que Bonner fez na segunda à noite (Não assisti, porque faço parte dos 70% da não-audiência do JN). Por este caminho, vão perder mais um terço da audiência rapidinho. 
Para terminar, dou um conselho de graça ao Bonner: Você quer recuperar a audiência do JN? Tente começar a falar a verdade! Quem sabe, quando pudermos acreditar novamente em vocês, voltemos a fazer o JN bombar no Ibope!

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Na contramão energética

O governo brasileiro decidiu seguir rumos opostos aos do resto do mundo no planejamento do futuro energético do país. O ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, anunciou, no dia 15 de abril, que está nos planos do ministério a construção de 12 novas usinas nucleares no Brasil até 2050. Enquanto Europa e Japão se distanciam dos altos riscos desse modelo energético, o Brasil parece ser o destino de velhas tecnologias rejeitadas por lá.
Pior é que não aprendem com o que já temos. O Complexo Angra é um terror! Uma verdadeira bomba de efeito retardado. Conhecida como "usina vaga-lume", a usina nuclear de Angra dos Reis (na foto, Angra I) não funciona, vive com problemas e está construída sobre um terreno instável, que compromete a segurança de toda a região onde está construída. Angra ainda vai ser responsável pelas notícias que ninguém quer receber no Brasil, nem no resto do mundo.
Não entendo essa estúpida insistência do governo nesse tipo de fonte energética. A Alemanha tem uma inveja boa do sol que temos por aqui o ano todo. Constrói usinas solares por todo o país e está num acelerado processo de desmonte de suas usinas nucleares, erguendo milhares de geradores de energia eólica por todo o país (inclusive mudando radicalmente a paisagem das extensas planícies do mar do norte). E nós aqui, abençoados por um sol tropical que faria explodir baterias, fazendo uma banana para tanta bênção.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

As veias continuam abertas

Hoje é o dia... Primeiro a notícia da morte de Günter Grass. Agora, o passamento do historiador e escritor uruguaio Eduardo Galeano (aos 74 anos). Ele que foi uma das referências das esquerdas latino-americanas, com sua espetacular obra "As Veias Abertas da América Latina", uma obra história fundamental para entender o passado e o presente de todos os países do Cone Sul.
Todos devíamos ler este livro, uma obra em que a seca história ensinada no ensino fundamental e médio se torna viva, clara como cristal e, acima de tudo, reveladora. Graças à sua pesquisa, ficamos sabendo quanto ouro e quanta prata foram arrancados do nosso solo, quantos indígenas deram o seu sangue no holocausto que foi a conquista espanhola, bem como portuguesa, deste continente.
Também por causa dele é que ficamos sabendo detalhes da aviltante expropriação a que historicamente foi submetida a América Latina. No momento, uma de minhas consultas constantes é um livrinho seu chamado de LIVRO DOS ABRAÇOS. Trata-se de um livro de versos, meditações e histórias instigantes que fazem pensar.
Sugiro ainda digitar o seu nome no YouTube. Há dezenas de depoimentos dele, que arejam nossa mente e nos fazem ver nosso continente com outros olhos, numa visão holística da nossa história. Ele revelou as muitas veias abertas da nossa história, que continuam sangrando. Uma das mais significativas representações desta visão é a mão da qual escorre sangue, símbolo do Memorial da América Latina em São Paulo, criado por Oscar Niemeyer.

A última pele da cebola

O escritor alemão Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura com sua magnífica obra "Die Blechtrommel" (O Tambor), morreu hoje de manhã, aos 87 anos de idade.
O polêmico gênio da literatura alemã contemporânea era um homem de corajosa ousadia. Em todas as suas obras ele realizou uma análise monumental da tragédia nazista na segunda guerra mundial, tornando-se seu mais pontiagudo crítico. Era um apaixonado critico dos rumos da sociedade alemã.
Com sua obra "Beim Häuten der Zwiebel" (título de difícil tradução para o português, que foi publicado por aqui como "Nas Peles da Cebola"), entretanto, Grass foi vítima da mesma navalha que usou por toda a vida, sendo impiedosamente criticado e largamente incompreendido.
O áspero crítico do nazismo confessa na obra que foi integrante da Waffen SS e, na adolescência, nutria inocente admiração pelo "Führer". Despelando a cebola da sua vida camada por camada, Grass não se intimidou e escancarou sua biografia, expondo com isso as tremendas incoerências de toda alma humana, como exemplo de si próprio. Com isso, toda a Alemanha, da imprensa à igreja, caíram de pau em cima de sua bem-sucedida biografia literária.
A obra e a vida de Günter Grass, entretanto, permanece sendo inspiração constante para despelarmos as camadas da cebola da humanidade com coragem e muito choro... Porque, bem sabemos, que mexer com a intimidade da cebola da nossa vida provoca lágrimas, muitas lágrimas. Com sua morte, a humanidade inteira perde um dos raros seres humanos até ontem vivos, ainda capazes de enfrentar uma cebola sem máscaras ou pudores. De Grass, vei-se assim a última camada da cebola. Mas a nossa continua por ser enfrentada...

sexta-feira, 20 de março de 2015

Metade vazia do copo será o principal problema

Este mapa foi divulgado ontem (19 de março) pela UNESCO. Classifica a diminuição drástica das reservas de água do nosso planeta até 2030. Segundo a ONU, essa redução deve chegar a 40 por cento. E não vai adiantar consolar-se que "o copo está meio cheio". Na verdade, ter 40 por cento menos água no copo será um drama, principalmente para as populações mais pobres do planeta.
O pior é que este não é um quadro sombrio acerca do nosso futuro. Já hoje, neste exato momento, 748 milhões de pessoas no planeta não têm acesso a fontes de água potável.
Mais ainda. Se você pensa que, só porque o Brasil parece tão verdinho nesse mapa da sede, não tem problemas com a água, o relatório da UNESCO desmente isso. Segundo a entidade, o Brasil está entre os países que mais registraram estresse ambiental após alterar o curso natural de rios. As mudanças nos fluxos naturais, segundo a análise feita entre o período de 1981 e 2010, mas que foi concluída em 2014, foram feitas para a construção de represas ou usinas hidrelétricas. Entre as consequências dos desvios estão uma maior degradação dos ecossistemas, com aumento do número de espécies invasoras, além do risco de assoreamento.
Só por isso, estamos pisando duplamente na bola no que diz respeito à questão ambiental. Ou seja, além de mudar drasticamente o curso de diversos rios importantes para todo o continente, esnobamos solenemente nosso potencial energético que pode ser produzido com energia solar.
Segundo a UNESCO, 20% dos aquíferos mundiais já são explorados excessivamente, o que pode gerar graves consequências como a erosão do solo e a invasão de água salgada nesses reservatórios.
Ou seja, estamos em curso de colisão com o futuro e não diminuímos a velocidade do nosso ônibus, nem desviamos. Estamos todos sentados nos bancos, dormindo a sono solto...

quinta-feira, 12 de março de 2015

Bullying, recuperar em vez de castigar

As escolas da Alemanha adotaram uma nova estratégia para combater o Bullying. Parte-se do princípio de que o castigo quase nunca é a melhor saída. Em vez disso, é adotada uma estratégia chamada “No Blame Approach”, algo como “aproximação sem culpar”. Acredite, funciona. Como numa escola, num ambiente de trabalho ou em qualquer lugar todas as pessoas têm o direito de se sentirem confortáveis, bem-vindas e aceitas, é necessário acabar com os absurdos cometidos pelo Bullying.
À estratégia, pois. Quando acontece um caso de bullying e é denunciado, acontece uma reunião com professores e orientadores. Quase sempre se chega à conclusão que não é apenas um aluno, mas diversos colegas de classe que estão envolvidos. Geralmente, Bullying é coisa de turma.Também é quase sempre o caso de que as vítimas são as mesmas ao longo de um bom período de tempo.
Com o consentimento dos pais, é formado um grupo de apoio dentro da classe em que acontece o caso. Intencionalmente, também alguns dos que praticaram bullying são integrados ao grupo. Nesse grupo, há um diálogo sobre o que houve e dizemos claramente que o nosso objetivo é impedir qualquer manifestação de bullying daqui para frente. Este grupo de apoio deve ajudar a escola nisso, combinando ações bem concretas para controlar e impedir. Um deles é designado para ficar de olho na sala, outro no pátio durante o recreio, um terceiro senta ao lado da vítima na Van de transporte escolar, ou depois da aula a acompanha na rua. A professora ajuda a controlar em sala de aula.
Alguns encontros garantem o apoio e o acompanhamento das ações de todos os envolvidos até que a melhora seja visível. Em 90 por cento dos casos, as escolas alemãs descobriram que este método funciona realmente, sem nenhum tipo de castigo e sem agressividade ou vingança.
O mais legal desse método é que ele não julga as pessoas pelos seus erros, separando o mundo em vítimas e culpados. As pessoas são muito mais do que os seus erros. Jesus disse, numa parábola, “assim também vai haver mais alegria no céu por um pecador que se arrepende dos seus pecados do que por noventa e nove pessoas boas que não precisam se arrepender” (Lc 15.7). Dar um jeito nas “ovelhas perdidas” é questão de método, não de dedo apontado.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um nó em Blumenau


Ontem aconteceu aquele temido nó no trânsito de Blumenau, que ninguém conseguiu ou soube desatar.Foi como espuma na cerveja: Vai se desfazendo aos poucos, lentamente, por conta própria. E olha que demorou horas!
Cada um no seu quadrado! Todo mundo sabe o que significa esta frase. Para trabalhar com medicina, tem que ser médico; farmácia tem que ter farmacêutico, pedagogia é coisa de professor. Só o SETERB, na nossa "germânica" Blumenau, não aprende. Se tiver algum engenheiro de tráfego a serviço daquela autarquia, melhor nem comentar. Porque de trânsito, ali, ninguém entende do riscado. Copiam Bierretzepte und Lederhosen da Alemanha mas ninguém por aqui nunca ouviu falar de engenharia de tráfego. Pelo menos, no SETERB, não.
Só três coisas que gente da área resolveria facilmente:
1. SEMÁFOROS NÃO SINCRONIZADOS. Taí algo que não dá para resolver de dentro do gabinete. Tem que ir para a rua, cronometrar, regular no capricho, dia sim dia não. Tem alguns aí, nos grandes gargalos do trânsito de Blumenau (que são muitos!!!), que ninguém regula faz anos.
2. MUITOS SEMÁFOROS. Em Blumenau impera a cultura do semáforo. Deu problema de fluxo em algum ponto, já vão metendo mais um poste de luzes piscantes, achando que é a solução.
3. LARGURA DAS FAIXAS. Alguém aqui já ouviu falar em SUPERLARGURA DE RODOVIAS? Pois é. É engenharia de tráfego pura. Questão de Física mesmo. O Google explica como se mede. Dá as fórmulas e tudo. Deem uma olhada no link e vocês vão descobrir que gargalos absurdos se formam em Blumenau só porque isso é um parâmetro amplamente desconsiderado pelos nossos "engenheiros" do SETERB. Basta passar uma única vez pela São Paulo, Beira Rio e Martin Luther para perceber, com nítida clareza, do que eu estou falando. Você consegue andar ali sem medo de perder um espelho, ainda que esteja dentro de um minicarro? E o SETERB não sabe porque ali sempre tem engarrafamento.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A graça de Deus é otária

Uma afronta ao bom censo. Assim seria classificada a ousadia trabalhista daquele vinhateiro. "Você quer subverter a ordem trabalhista em nosso meio?", perguntariam seus colegas proprietários de vinícolas. "Depois não se queixe, se não conseguirmos mais ninguém para colher as nossas uvas!".
É que ele havia decidido pagar o salário mínimo aos seus trabalhadores. Mas saiu em diferentes horários, pois não conseguiu todos os trabalhadores logo de manhã. Ao meio dia, contratou mais alguns. No final do dia, ainda encontrou alguns sem trabalho e os contratou também. E no final do dia, pagou igual pra todo mundo: um salário mínimo, conforme combinado. Ah, mas o barraco rolou solto, assim que os primeiros viram que a turminha do fim da tarde recebeu a mesma coisa. Imagina! Que absurdo! (Confira a história de Jesus, em Mateus 20.1-16).
"Eu sei o que vai acontecer", profetizou um dos viticultores naquela exacerbada reunião de classe... "Amanhã você vai sair para contratar trabalhadores e ninguém vai querer vir pela manhã. Mas lá pelas quatro horas da tarde, quando você ficar o dia todo sem colher nada, eles virão às pencas para trabalhar uma hora e receber o seu salário mínimo! Eu conheço bem este povo. Você é um otário!".
É uma história surreal. Subverte nosso conceito de justiça e trucida nossos padrões de economia. Somos capazes de criar o "meio salário mínimo", num país que tem o Salário Mínimo como padrão mínimo de pagamento a alguém, não é? "É justo!", dizemos, pois o cara só trabalhou meio período...
Para Deus não tem isso. Salário Mínimo é Salário Mínimo, e acabou. Isso é graça. Não importa se quem vem para receber a sua parte é Madre Tereza de Calcutá ou o ladrão que foi crucificado à direita de Jesus e pediu perdão pelos seus crimes no último segundo antes da meia noite...
A graça é otária. Assumidamente otária. E isso nos revolta, não é mesmo? Como pode Deus ser tão injusto que aceita aquele safado do meu vizinho que só aprontou a vida toda com a mesma serenidade com que recebe um cara que dedicou toda a sua longa vida e profissão à pregação do evangelho?
Lamento decepcioná-lo, mas Deus é tão otário que nem balança tem. E se você faz as contas de cada tostão que põe na caixa de ofertas da igreja ou de cada gesto de caridade que pratica, então você é mais otário do que Deus...
Agora, se você quer arriscar e ficar sem trabalhar o dia inteiro e ser contratado somente às 17 horas na expectativa de receber o mesmo dos dedicados trabalhadores que trabalharam o dia inteiro na colheita, é seu direito. Mas você pode ficar sem contrato e sem salário... Entendeu, otário?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A salvação e as gaiolas


Os três reis magos nos ajudam a ter mais tolerância, sabe por quê? Essas pessoas que se aproximam do presépio são estranhas e, antes de qualquer coisa, muito suspeitas. Segundo os teólogos, eles não eram nem três, nem reis, nem magos, com toda a carga que esta condição traz consigo. A tradição os fez três, porque três são os presentes. Mas o seu número permanece um grande mistério.
Para o pastor Lisandro Orlof, eles são suspeitos “porque vêm de um grupo que está fora da comunidade de fé”, o que é um escândalo. “Deus se revela àqueles grupos que, por diversas razões, se excluíram ou nós excluímos dos limites da comunidade de fé”. Isso coloca em cheque o pensamento de que “a salvação não existe além das hipotéticas fronteiras que temos estabelecido para limitar a ação de Deus aos grupos que consideramos politicamente corretos”. Isso é um escândalo para muitos, porque “a ação de Deus vai além de tudo o que podemos compreender e, pior, além do que podemos tolerar”.
Orlof atingiu o âmago da nossa intolerância e do nosso radicalismo bíblico, repletos de cercas. A salvação de Deus é tão livre quanto um pássaro e não nos cabe engaiolá-lo.

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...