terça-feira, 10 de novembro de 2015

Um mar de lama, dois pesos e duas medidas

Há um ano e dez meses, o segundo maior incêndio da história do Brasil matava 242 jovens e deixava mais de 600 feridos. Os donos da boate Kiss e a banda que fazia um show (com efeitos pirotécnicos) no palco foram presos no dia seguinte. Há incontáveis erros no processo, mas houve prisões.
Agora a absurda irresponsabilidade ambiental de mineradoras, negligência do poder público e dos órgãos fiscalizadores são responsáveis pela maior tragédia ambiental do Brasil. A mineradora Samarco não soterrou apenas uma indefesa vila em Mariana. Não há somente dois mortos e uma dezena de desaparecidos. Um mar de lama real eliminou qualquer vestígio de vida e comprometeu por décadas o ecossistema de toda uma bacia hidrográfica mineira, e não haverá operação lava-jato capaz de limpar toda aquela sujeira. A natureza terá que se virar para eliminar toda aquela lambança. O rio doce, agora insalubre, que se vire para voltar a ser doce algum dia. Daqui há 50 anos talvez tenha um ou outro peixinho nadando nele novamente.
E todo mundo fala das cidades que ficaram sem água, dos humanos afetados e dos negócios paralisados. É claro que isto é dramático. Mas, quando finalmente vamos perceber que a espécie humana não sobrevive som as outras?
Do ponto de vista jurídico, o dramático caso de irresponsabilidade coletiva em Santa Maria produziu jurisprudência para o caso de agora. Apesar dos muitos erros e falhas no processo, os principais causadores das mortes daqueles jovens estão ou já estiveram presos.
No Vale do Rio Doce, a lama já avançou mais de 500 quilômetros e ninguém foi preso. Mineradora interditada e seus executivos circulando... e ninguém foi preso. Um lodaçal de desculpas, mentiras mais sujas do que a lama... e ninguém foi preso. O governador de Minas Gerais e o ex-governador e inconformado candidato derrotado à presidência defenderam deslavadamente a Mineradora Samarco... e, mais uma vez, ninguém foi preso. Os órgãos ambientais fiscalizadores, o poder público negligente e os sindicatos de mineradores indiferentes... e ninguém foi preso. O Ministério das Minas e Energia tratando tudo com uma leveza inacreditável, sem interditar as potenciais outras centenas de bombas de lama semelhantes Brasil afora... e ninguém foi preso.
Detalhe: Nós não estamos lidando com uma tragédia que matou duas pessoas e, provavelmente, também as outras 15 desaparecidas. Não estamos pedindo justiça apenas por uma vila que nunca mais poderá voltar a existir. Estamos falando de sonhos, de futuro lançado na lama, de incontáveis populações que dependem daqueles cursos d'água. Mas estamos falando também de uma NEGLIGÊNCIA que destruiu TODA A VIDA em toda a extensão do Vale do Rio Doce, afetando seu ecossistema por um século. E, ninguém foi preso até agora?

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