terça-feira, 30 de abril de 2013

A história se repete 500 anos depois



“Ele é como um filho rebelde”, resumiu o bispo da Diocese de Bauru, da Igreja Católica Apostólica Romana, ao referir-se ao padre Roberto Francisco Daniel, o “padre Beto”. Depois de um longo e doloroso processo que tentava fazer padre Beto retratar-se de suas polêmicas posições sobre sexualidade, hierarquia da igreja e mudanças que considera necessárias para que a igreja chegue bem à atualidade, ele foi excomungado na última segunda-feira por Dom Caetano Ferrari, bispo de Bauru. Segundo o Direito Canônico, ele não é mais padre, nem pode mais participar da eucaristia enquanto não pedir perdão à igreja.

Antes de receber o veredito de excomunhão, padre Beto já havia entregado seu pedido de afastamento do sacerdócio ao bispo. “Não posso ser padre de uma igreja que nega o direito de reflexão e o direito de livre expressão”, disse.  Agora vai enfrentar um processo canônico, o que de modo algum o intimida ou incomoda.

A história do padre Beto insiste em trazer à minha lembrança outra história bem parecida, que aconteceu com o frei capuchinho Martim Lutero. Obviamente, há várias diferenças entre as duas histórias. 

A primeira delas é a inacreditável distância de cinco séculos entre cada uma delas. 

A segunda é que, mesmo há 500 anos, frei Martim foi julgado por um tribunal que era presidido pelo próprio imperador Carlos V. Já padre Beto foi levado a uma sala separada das dependências da diocese de Bauru para ser julgado pelo bispo e dois presbíteros, sem antes ter sido informado de que estava “num tribunal”.

A terceira é que frei Martim foi excomungado por uma bula papal. Padre Beto foi excomungado por uma “Nota da Diocese ao Povo de Deus de Bauru”.

O que impressiona, entretanto, é a grande semelhança que há entre frei Martim e padre Beto. “Não posso nem quero retratar-me de coisa alguma, pois ir contra a consciência não é justo nem seguro. Deus me ajude. Amém”, disse Lutero em Worms, diante do imperador.  “Eu não tenho do que me redimir. Muito menos a quem ou do que pedir perdão de tudo aquilo que eu fiz e declarei nas redes sociais. Se refletir é um pecado, eu sou um pecador e sempre serei. Não vou negar ser uma pessoa reflexiva e uma pessoa que pensa”, declarou padre Beto. “Acho impossível seguir o evangelho de Jesus Cristo em uma instituição que, no momento, não respeita a liberdade de reflexão e de expressão. O modelo que nós temos que seguir se chama Jesus Cristo e esse modelo viveu plenamente essa liberdade e fez com que as pessoas refletissem”, emendou o padre.

Acho que frei Martim assinaria embaixo da declaração do padre Beto.

Leia a íntegra da história de padre Beto aqui.

O dia que durou 21 anos



O documentário "O dia que durou 21 anos" foi escrito pelo jornalista Flávio Tavares e relata a interferência dos Estados Unidos para derrubar o governo de Jango, sob o pretexto de evitar uma segunda Cuba na América Latina. O embaixador Lincoln Gordon tinha linha direta com o presidente Kennedy e articulou a derrubada do governo. O recrudescimento do regime, com os atos institucionais, incomodava o governo americano, mas segundo palavras do próprio presidente Johnson, eles estavam “pouco se lixando” para as repercussões de sua atrevida intromissão nos destinos do Brasil. Assistir aos três episódios desse documentário é indispensável para qualquer brasileiro que queira conhecer o mínimo necessário sobre a mais longa ditadura da história da América Latina e suas dramáticas consequências. A partir de agora, você vai mergulhar na mais dolorosa ferida da história brasileira, e que jamais cicatrizou.

EPISÓDIO 1
EPISÓDIO 2
EPISÓDIO 3

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Castigando todos por conta dos desobedientes



Penso que está iniciando um debate pertinente no Brasil sobre a questão da redução da maioridade penal para os 16 anos. O problema, entretanto, está no ponto de onde este debate parte. Em vez de pautar a discussão pela regra, o que está determinando todo o arcabouço da argumentação é a exceção. Casos pontuais, evidentemente de extrema gravidade – como o frio assassinato de um jovem de 19 anos por outro de 17 anos e 350 dias que se beneficiou da lei que diz que ele é “inimputável” –, estão sendo usados de modo emocional para determinar um debate que exige muita reflexão e sobriedade.

A matéria de capa da revista ISTOÉ desta semana está entre os quilômetros de páginas de artigos construídos sobre este viés argumentativo. Aliás, a própria capa da revista é uma peça da mais irrefletida discriminação, ao retratar um jovem skatista com uma arma na mão, como se o simples fato de praticar esse esporte o tornasse um menor infrator. O efeito é tão devastador que deixa muita gente indignada com a insinuação. 

Todos esses textos querem cobrar responsabilidade dos jovens infratores pelos seus atos, metendo-os no lugar que merecem: a cadeia. Mas ninguém até agora olhou com a devida distância as responsabilidades do outro lado. Como cobrar a responsabilidade dos que conduziram a vida desses jovens dos zero aos dezesseis anos? Eles viraram bandidos por conta própria?  Ou uma imensa rede de incompetência, que envolve famílias desestruturadas, pais inconsequentes, professores sem nenhuma capacidade ou vontade, um governo preocupado com eleições e reeleições e até uma sociedade que deixa as rédeas soltas carrega pelo menos tanta culpa quanto o menor infrator por seus crimes?

Por isso, deve-se ouvir com muita atenção quem defende o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA foi construído para defender a maioria, não para proteger a minoria dos que se desviam. O ECA foi promulgado para proteger os nossos filhos, não os bandidos. Vamos tirar a proteção da maioria para tentar resolver um problema – evidentemente grave, repito – que é causado por uma minoria? Não acho justo com a imensa maioria da nossa juventude, que é ordeira, estudiosa, sonhadora, anda dentro da linha e quer se tornar alguém na vida, pague o pato por essa minoria. Será que eu estou tão errado assim?

Então, em vista disso, eu proponho que, em vez de abolir ou mudar o ECA a nossa sociedade comece a buscar mecanismos realmente eficientes de inverter o rumo dessa minoria que “anda na contramão da lei”. E nesse sentido estou de pleno acordo que o atual sistema não funciona. Esses centros de internamento de menores são mal estruturados, mal administrados e nunca vão conseguir qualquer resultado positivo na reeducação de jovens infratores. Então por que não mudam isso, em vez de mudar o ECA?

É bom que se diga que concordo plenamente que jovens que cometem crimes hediondos merecem tratamento diferenciado. Passou, para eles, a hora de “passar a mão na cabeça”. Mas não se justifica que a sociedade passe a agir como alguns pais que, para dar o exemplo, em vez de castigar só o filho desobediente, coloca todos os outros junto de castigo.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Storm das capas

Morreu ontem, aos 69 anos, vitimado por um câncer, mais um ícone da era áurea do rock inglês: Storm Thorgerson. Não, ele não integrava nenhuma banda. O seu instrumento de criação era a arte gráfica. Thorgerson foi o criador de grande parte das capas dos discos do Pink Floyd. A mais conhecida delas eu referi aqui, há poucas semanas: o prisma de Dark Side of the Moon.

Thorgerson era amigo de infância e adolescência dos integrantes da banda. Ele era um dos designers de estilo mais inconfundível do mundo da música pop. Para o Pink Floyd ele criou a vaca triste de Atom Heart Mother, o homem de negócios em chamas de Wish You Were Here, o porco voador de Animals e o famoso prisma, já mencionado.

David Gilmour divulgou um comunicado lamentando a morte do amigo. "Nos conhecemos no começo da adolescência. Nos reuníamos em Sheep's Green, à beira do rio em Cambridge, e Storm estava sempre na ativa, fazendo barulho, cheio de ideias e entusiasmo. Ele foi uma força constante em minha vida, no trabalho e na vida privada; um ombro para chorar e um grande amigo. Sentirei a sua falta."

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Uma ideia absurda...

Os chargistas - sempre eles - têm a capacidade de resumir numa imagem e duas frases tudo o que precisa ser dito. Hermano Cortés, teólogo e escritor espanhol de traço maravilhoso e humor ferino, amado e odiado pela igreja na Espanha, é um desses analistas espetaculares. Pena que ele decretou um "ano sabático", encostando seu jogo de lápis num canto. Mesmo assim, vale a pena pescar no seu inesgotável aquário de tiradas certeiras e geniais. Aproveite e visite o link acima e veja o que ele publicou no Periodista Digital.

Esta charge, que o jornal O Caminho, edição de maio, estará publicando nos próximos dias, é simplesmente definitiva! Imaginar o grupo dos discípulos de Jesus reunidos, após a crucificação, a Páscoa e a ascensão, discutindo acaloradamente o que irão fazer sem o Mestre por perto, é coisa de pregador de mão cheia! Meio sem rumo, e de olho nas possibilidades reais para um futurto razoável, um dos discípulos (no caso, Tiago) ousa sugerir que eles fundem uma Igreja. A reação de quem conduz a reunião (que eu imagino ser Pedro) é de absoluta indignação. Que ideia mais maluca!

Pois veja no que deu, dois mil anos depois...

terça-feira, 16 de abril de 2013

O texto sobre Feliciano e uma repercussão especial



A jornalista Susan Liesenberg faz referência ao meu artigo sobre Feliciano em sua coluna, no Jornal de Santa Catarina de hoje, 16 de abril. Leia e aprecie! É uma voz respeitada dando o seu aval à temática dos direitos humanos. Leia o texto de Susan abaixo ou no site do Santa, aqui.

Eles nos representam

Susan Liesenberg

A balança comercial dos valores sociais e humanos mantém o equilíbrio por força justamente daquilo que poderia fazer com que se desestabilizasse. É pela ação da insensatez que a coerência tem valorizada a sua moeda, o que garante a compensação pelo ônus da primeira. Nesta matemática financeira da vida, o valor de palavras como as ditas por gente como Clóvis Horst Lindner e Ronaldo Baumgarten Jr. ganha ainda mais peso pela lucidez e inteligência em meio a chumbo grosso e irracionalidade.

Em mais um de seus brilhantes posicionamentos e reflexões, publicado em artigo na semana passada, o pastor luterano reforçou a importância de se preservar em absoluto a integridade do Estado laico para o bem da essência democrática, coletiva, pilar central da cidadania tão perigosamente posto em risco pelo fundamentalismo religioso vigente, em especial. Lindner, ele também um sacerdote a serviço da Igreja, empunhou, com a destreza dos firmes de caráter e dotados de bom senso, a espada da sensatez em defesa da laicidade política em resposta aos golpes de Feliciano, tirano que se investe de um poder maior do que o atribuído ao divino para arbitrar sobre o homem, sua cidadania e seus direitos.

Baumgarten, na entrevista de final de semana dada ao colunista Francisco Fresard sobre os dois anos em que esteve a frente da presidência da Acib, também descompressou o ar pesado que é respirado ao se ter de, pela necessidade protocolar e diplomática do cargo, transitar no meio político: “A composição política de uma administração é um negócio complicado. Vejo
como funciona e como a gente é inocente perto do que existe nos bastidores da política.”

Lindner e Baumgarten, cada um a seu modo, nos seus contextos e papéis, lançam luz sob algumas sombras das trevas mundanas que nos cercam, mas nem por clareá-las lhes concedem o protagonismo de uma ribalta que não merecem. Assim como a balança comercial dos valores sociais e humanos, eles exatamente nos reequilibram como sociedade coerente.
Não são os destemperos felicianos nem as negociatas nada inocentes dos bastidores políticos a ameaça do nosso pilar democrático, cidadão, de preservação da integridade absoluta do Estado laico. São os homens que se acovardam e se calam diante deles. Coisa que Lindner e Baumgarten não fazem.

Um portfólio de incompetência em Blumenau



Demorou, mas a “TatuFoz do Brasil” virou capa do Santa. Pomposamente auto-apresentada como da “Organização Odebrecht” – como se isso fosse sinônimo de qualidade –, a empresa transformou a cidade em solo lunar, espaço de rally, com corredores intransitáveis.

Mais do que isso, a empresa não sabe fazer as obras da gigantesca tarefa que assumiu, de canalizar os dejetos humanos de Blumenau para um destino menos poluidor. Em várias esburacadas frentes em que iniciou suas desastradas obras a empresa abriu e fechou valos ao menos duas vezes, em alguns casos, como no trevo da Coca-Cola, com risco de engolir carros inteiros nos mal tapados valões.

Agora eis o resultado: com 265 trechos de ruas com defeitos absurdos, constatados pela fiscalização, a TatuFoz está proibida de cavocar novos buracos por aí sem fechar direitinho esses quase 300 que deixou pela cidade. E agora, ainda vão berrar para receber mais dinheiro? É muita cara de pau!

A realidade é que a empresa já engoliu milhões e deixou a loira Blumenau com cara de moça cheia de acne, com muita celulite e até cicatrizes absurdas por todo o corpo. A beleza de Blumenau se foi pelo ralo da Foz.

Mas, ainda assim, nem mesmo o indignado jornal da RBS é capaz de admitir que a privatização de obras públicas, no mínimo, também não resolve os problemas da administração pública. Tão afeita a escrever furibundos editoriais para desancar as esquerdas e louvar atos de privatização, A RBS não é capaz de admitir que a iniciativa privada também erra, é incompetente, só quer o dinheiro e não sabe fazer. A TatuFoz é nosso mais recente portfólio de incompetência da iniciativa privada fuçando nas coisas públicas. Eca!

Tenho muitas saudades dos tempos em que a prefeitura resolvia as coisas. Era tarefa dela patrolar as ruas, fechar buracos, colocar tubos e calçamento, asfaltar, trocar ralos quebrados e fazer tudo o que diz respeito ao funcionamento da infraestrutura das cidades. E olha que havia um tempo em que faziam isso com uma patrola, um caminhão basculante, alguns tratores e operários muito dedicados, que entendiam do riscado.

Hoje, é lá no espaço destinado às obras públicas que há um imenso cabide, onde se penduram todos aqueles correligionários e cabos eleitorais que para nada mais servem do que para transformar a cidade numa grande vaca cheia de tetas. Quem poderá nos salvar desses tempos de desastrada administração das coisas públicas?

DEPOIS DE WORMS, A CAÇADA A LUTERO

No último dia da Dieta de Worms, 26 de maio de 1521, já sem a presença de Lutero, foi decretado o Édito de Worms. O documento fora redigido ...