sábado, 17 de abril de 2021

O SEGUNDO DIA EM WORMS - 17.04.1521

 

Bom dia! De volta ao túnel do tempo! Antes, porém, uma parada para acertar alguns ponteiros que julgo importantes para a nossa viagem.
Primeiro! Entre quem lê essas postagens há alguns historiadores, o que é uma enorme honra. Quero deixar bem claro que não sou historiador. E História é uma ciência complexa! Estudei história eclesiástica “pro gasto”, só. Sou um apaixonado. E, no caso de Lutero, sou fã mesmo! Assim, me perdoem os deslizes. Às vezes, sou meio empolgado e heterodoxo. Se você deseja aprofundar-se na biografia e obra de Lutero, recomendo: leia “De Luder a Lutero”, do mui estimado professor Martin Dreher! Aí sim, você vai ver como a vida de Lutero foi eletrizante. Eu li num fôlego só!
Segundo! Disseram aqui que, depois de ler essas coisas, não entendem como hoje a igreja luterana volta a sentar na mesa com a igreja católica. Quero dizer que eu também sou fã do ecumenismo e sento com católicos sempre! Somos parte da MESMA IGREJA DE CRISTO. Por quê? Simples: a) Quando isso tudo aconteceu, Lutero também era católico e amava a sua igreja, ainda que a criticasse; b) A igreja católica de hoje não é mais nem sombra do que foi há 500 anos! O Vaticano hoje é um estado independente de apenas UM QUILÔMETRO QUADRADO, sem a riqueza e o poder daqueles tempos. O Papa Francisco aprecia Lutero e seria apreciado por ele. Além do mais, Roma tem um grupo de trabalho que estuda REVOGAR A EXCOLUNHÃO DE LUTERO. Só queria dizer isso... Voltemos à nossa jornada.
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Não deixa de ser espantoso que este monge atrevido tenha chegado a Worms com a pele intacta. Tudo o que Lutero escreveu e disse sobre a igreja e o papa, sobre as autoridades, sobre a nobreza e sobre a liberdade cristã o havia tornado um inimigo público. Ele já havia sido declarado herege pela igreja e excomungado em janeiro. Na prática, isso significava que também a sua cidadania fora revogada. Qualquer pessoa podia se apoderar dos seus bens sem sofrer as consequências, ou mesmo tirar-lhe a vida. É muito mais do que o CPF retido na dívida ativa da União. O próximo passo seria a prisão e a fogueira. Até mesmo o salvo-conduto que o protegia naqueles dias foi ineficaz para muitos outros na mesma situação.
Mas Lutero tinha algo a mais. Ele era um trunfo político! Assim, nenhum milagre o fez chegar ileso até aqui.
Lutero era bom de briga e não desistia fácil. Isso encantou o príncipe Frederico da Saxônia. E o monge granjeou um fã príncipe! Longe de ser o anjo protetor de Lutero, esse príncipe tinha outros interesses nisso tudo – aliás, como todo político... Assim, tratou de salvar a pele de Lutero e apelou para que Carlos V o ouvisse primeiro, usando uma brecha na lei que dizia que ninguém pode ser proscrito sem poder se defender antes.
Com um armário repleto de velhas relíquias da fé, Frederico pouco se importava com as publicações daquele monge. Mas aah, sua ousadia ao peitar o Papa era algo de outro mundo! E o papa, que se metia em tudo, levava os príncipes alemães à loucura. Frederico queria se livrar das intromissões de Roma nos assuntos da Alemanha. Quem sabe, Carlos V podia dar um jeito.
Carlos V era um jovem fervorosamente católico... mas um bom aprendiz de político. Fazer alianças era a saída para evitar a divisão do seu vasto império, formado por Áustria, Espanha, Alemanha, Países Baixos, os reinos de Nápoles e da Sicília, a Lombardia, o Franco Condado, Artois, o Ducado de Milão e as terras do Novo Mundo conquistadas pela Espanha. Lutero era o trunfo para a crise política dos poderosos. Então, Carlos V abriu uma exceção, resolvendo ouvir o monge.
No dia 17 de abril, na hora marcada, Carlos V mandou dois oficiais imperiais buscarem Lutero no Johanniterhof, onde estava hospedado. Ele não seria imediatamente levado à grande Plenária da Dieta de Worms. O imperador reservara na agenda um encontro na própria sede do Bispado, onde estava instalada sua corte desde que começou a Dieta. Quem sabe, assustado com a grandiosidade de tudo aquilo, aquele monge fosse um sujeito fácil de convencer e as coisas se resolveriam numa boa conversa, digamos, mais “intimista”.
Ah, mas o imperador ou seus mais chegados conselheiros não tinham a menor noção de quem era aquele monge!
Quando chegou na hospedaria, o general Pappenheim já foi logo botando regras. O imperador queria ver Lutero em sua própria corte, mas não haveria discussão, nem qualquer debate ou oportunidade de argumentação. Seria tudo sem “mas, contudo, todavia, entretanto!”. Lutero só deveria responder as perguntas do oficial que presidia a sessão, Johann Eck (Lembro que Carlos V mal falava alemão e tudo passaria por um tradutor).
O que acontece a seguir é, numa concepção moderna de linguagem, literalmente um desastre comunicacional. Ao entrar na sala do trono, feitas as mesuras cabíveis ao imperador, Johann Eck apontou para uma mesa com 25 livros, cuidadosamente preparada para a ocasião. E tascou: “Foi você quem escreveu estes livros? Está pronto a refutar todas as heresias que estão escritas neles?”
Jeromee Schurff, professor de direito canônico da Universidade de Wittenberg, advogado de Lutero, pediu que os títulos das obras fossem lidos em voz alta. A lista continha: “As 95 Teses”, “Resoluções Sobre as 95 Teses”, “Sobre o Papado de Roma”, “Discurso à Nobreza Cristã”, “O Cativeiro Babilônico da Igreja”, “Sobre a Liberdade de um Cristão” e diversas outras obras.
Logo depois da leitura, Lutero foi novamente instado a responder. O acusado deve estritamente retirar as suas teses. Aquilo era muito surreal! Duvido que Carlos V tenha lido algum daqueles livros! Lutero titubeia e pede um tempo para refletir: “Para que eu possa responder corretamente às perguntas sem o risco de prejudicar minha espiritualidade”.
E o imperador, curto e grosso, faz um desdenhoso gesto para que o monge se retire da sala do trono e lhe concede mais 24 horas: “Compareça amanhã neste mesmo horário, com a devida resposta!”.
Amanhã conto mais.

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