A era da comunicação digital é fascinante. Frequentemente é
possível saber dos acontecimentos quase na mesma hora em que acontecem. Em
qualquer parte do planeta, há “olheiros” de plantão, sempre prontos a divulgar
as novidades. A internet – mormente as redes sociais – contribui enormemente
para tal agilidade.
A agilidade é tanta que os meios tradicionais de
comunicação, os noticiosos televisivos e impressos, perdem de goleada para a internet.
Quase diariamente, ao ver o jornal na TV ou ler as páginas do diário impresso,
a sensação é de déjà vu. Ou seja,
vivemos num tempo em que os noticiários da noite e os jornais do dia seguinte
parecem comida requentada.
Essa versatilidade da internet está longe de ser um problema.
Muito pelo contrário, a rapidez da informação beneficia todos, inclusive os
meios tradicionais.
Entretanto, o maior problema da pulverizada informação a
jato dos meios digitais é de caráter ético. O jornalismo tradicional era “controlado”
por uma série de regras escritas ou cristalizadas pelo tempo que ainda hoje
enquadram abusos. Identificar menores de idade, expor crianças ou mostrar
imagens chocantes, por exemplo, são episódios raros e regularmente punidos por
um código de ética interno ou leis reguladoras.
Um bom exemplo são reportagens sobre catástrofes ou guerras.
Muitas imagens são intencionalmente borradas nos meios noticiosos abertos. Num
acidente ou na guerra, por exemplo, o código de ética não recomenda a
publicação de imagens com corpos dilacerados ou a exposição explícita da morte.
De certo modo, há um censo comum que exige um paciente tr4abalho de maquiagem
daquilo que é mostrado.
Já na internet frequentemente tudo é mostrado. De certa
maneira, nas redes sociais resgata-se um antigo instrumento de pressão social
pela via do terror.
O crime e o castigo eram publicamente exibidos no passado da
humanidade. A crucificação de Jesus no Calvário não era uma exceção. Havia
dezenas de cruzes todos os dias no império romano; sempre à beira do caminho ou
na periferia das cidades. Era comum expor a pena de morte, com requintes de
crueldade.
Na idade média, a praça principal era o palco da exposição
pública da justiça. Pelourinhos expunham os criminosos à execração pública, com
a cabeça e os pés atados a pesados troncos, presos a correntes. A vila inteira juntava-se
ao redor de patíbulos de enforcamento, fogueiras para queimar bruxas ou pelourinhos em que os criminosos eram
vaiados, agredidos e cuspidos pelos passantes. E a igreja cristã participou desses atos com uma naturalidade vergonhosa, mesmo tendo em um crucificado o seu principal Senhor e na cruz um de seus mais significativos símbolos.
Aqui mesmo, no Brasil, a sociedade era acostumada ao
pelourinho e ao castigo público. O enforcamento e posterior esquartejamento de
Tiradentes é um dos exemplos mais conhecidos dos livros de história do Brasil.
Os escravos eram expostos publicamente em pelourinhos quando castigados com a
chibata.
A internet transformou-se no pelourinho global do século 21.
Especialmente depois da exibição das execuções de James Foley, Steven Sotloff e
David Haines pelos terroristas do Estado Islâmico (EI), tal pelourinho global
tomou proporções jamais presenciadas em tempo algum na história humana. Suas
decapitações viraram virais nas redes sociais.
Terroristas de todas as estirpes expuseram suas vítimas à
execração pública em todos os séculos da história da humanidade. E seu objetivo
sempre foi o mesmo. Os sádicos carrascos do Estado Islâmico estão na mesma
lista dos criminosos que incendeiam ônibus às pencas aqui em Santa Catarina. Promovem
terror, medo e insegurança. A exposição de seus atos de terror potencializa a incapacidade
de reação e a fraqueza.
O problema da exposição dessa natureza no século 21 é que
ela deixou de ser exceção para tornar-se regra. Ela é diária, epidêmica e monstruosamente
gigantesca. Já não é possível dar mais de três cliques sem topar com alguma
imagem chocante. E ela pode atingir qualquer pessoa. Teoricamente, cada cidadão
ou cidadã deste planeta está sujeito a virar, de uma hora para a outra, uma
exposição macabra no pelourinho digital.
O risco de ser vítima desse pelourinho é real. Mas o fato de
sermos todos impotentes expectadores da volúpia pela tragédia alheia é um drama
ético de proporções épicas. É assustador. Devíamos nos preservar.
Enquanto sentir eu um arrepio na espinha com imagens do
gênero, minha saúde mental está preservada. Der
Mensch ist ein Gewohnheitstier. Este é o risco real: acostumar-se; tolerar
cada vez mais, como no passado, quando patíbulos, cruzes e pelourinhos viraram
espaços públicos apreciados junto ao poço da vila. Com o viés viral da
internet, este risco nos transformará lentamente em insensíveis sádicos,
apreciadores do sofrimento alheio.
O problema é que a tecnologia nos permite ver coisas que, de
outro modo, nos faria desviar o olhar, ficar vermelho de vergonha ou,
simplesmente, indignado. Através dos óculos digitais, espiamos para a
intimidade das pessoas com lupa aumentada, imaginando que tudo é permitido,
mesmo à custa da reputação alheia.
Para contrapor tal voyeurismo digital precisamos de uma dose
de sensatez e de ética humana. O prazer do escândalo, a fascinação pelo terror
ou a infantil curiosidade mórbida não combina com censo humanitário. Por isso,
cada espiada e cada clique deveriam ser precedidos da pergunta: Realmente
desejo ou preciso ver isto? Vou compartilhar isto e com que objetivos?
Bela argumentação. Excelente!!!
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