Não sei quem é o autor ou a autora do texto a seguir. Armazenei sem referi-lo, o que lamento. Parece ser um texto de um pensador católico e do tempo de João Paulo II. Algumas referências me levam a deduzir isso. Mesmo assim, suas palavras merecem ser lidas com muita atenção no atual contexto dos ácidos debates no Facebook, especialmente nos grupos de pessoas ligadas à IECLB. O resumo: muito mais do que a sempre citada origem da democracia na Grécia antiga, a igreja primitiva praticava uma democracia radical, na qual nada acontecia sem a participação de todos. Além de perdermos este vínculo primordial da “Ekklesia” (assembleia popular), transformamos a Igreja num lugar pouco democrático.
Vejam:
EKKLESIA E DEMOCRACIA
Sempre que falamos de democracia, nos reportamos à experiência fundadora dos gregos. Em suas cidades, os cidadãos exerciam o poder de decisão de forma direta, consoante o princípio da predominância da maioria. Entretanto, por mais que a idealizemos – especialmente depois das teorizações de Platão e Aristóteles – a democracia era na verdade muito restrita. As cidades-estado gregas eram pequenas e somente um sexto da população exercia a democracia concretamente: os cidadãos livres. As mulheres, os escravos, os artesãos, os estrangeiros e os imigrados eram excluídos. Mas a experiência grega se tornou referência para toda a reflexão política posterior.
Entretanto, há uma outra experiência de democracia muito mais radical que a grega e que foi vivida pelas duas primeiras gerações de cristãos. Ela é paradigmática para todo o pensamento utópico posterior, embora tenha sido abandonada pelo cristianismo vigente que se organizou numa forma oposta. Ela não permaneceu referência para o discurso político atual pelo fato de ter sido realizada nos quadros de uma experiência religiosa, pouco ou nada valorizada pelo pensamento laico e laicista. Hoje, a despeito de seu nicho religioso, vemos a democracia cristã como qualquer outro fenômeno social, merecendo consideração especialmente quando se busca uma democracia radical, levada a todos os campos da convivência humana, aos movimentos sociais e também à economia; quer dizer, uma democracia sem fim.
A experiência geradora da democracia radical cristã foi a prática de Jesus: absolutamente anti-discriminatória, anti-hierárquica e de fraternidade universal. O apóstolo Paulo resumiu tudo dizendo: “Agora já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos são um em Cristo Jesus” (Gl 3.28). O resultado foi que escravos, livres, portuários, mercadores, advogados e soldados, independente de sua situação social e de gênero, formavam comunidades fraternas que viviam a koinonia (comunhão), palavra para expressar o comunismo radical de “colocar tudo em comum”, repartindo os bens materiais “conforme as necessidades de cada um”. E como louvor se diz que “não havia pobres entre eles” (At 2 e 3).
Essa democracia era radical mesmo, pois as decisões eram tomadas com a participação de toda a comunidade. A lei básica era: “o que concerne a todos, deve ser decidido por todos”. Isso valia também para a nomeação dos bispos e dos presbíteros.
Chamou-se tal comunidade de ekklesia em grego, ecclesia em latim e “igreja” em português. O sentido original de ekklesia não era religioso, mas político: a assembleia popular. Escolheu-se esse nome profano para distinguir a democracia cristã de outras expressões religiosas da época.
Essa memória foi perdida na Igreja Católica. Perguntaram, certa feita, a João Paulo II se a Igreja era uma democracia. Respondeu: “Não; ela é uma koinonia”. Ora, koinonia é sinônimo de democracia radical, coisa que seguramente o Papa não pensou. Com efeito, hoje como ela se estrutura, não é koinonia. É uma monarquia absolutista espiritual organizada sob a influência das monarquias do passado. Como tal, fecha as portas à democracia cristã dos primórdios. Ou só a aceita sob a forma inócua da espiritualização. É importante resgatarmos a memória revolucionária escondida na palavra “Igreja”. Quem sabe, não inspira outro jeito de ser cristão e de ser cidadão? (Autor/a desconhecido/a)
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