Um dos pontos mais controversos nos debates em torno da correta interpretação da Bíblia diz respeito ao que muitos chamam de liberalismo ou relativismo teológico.
Segundo os que acusam a teologia de ter ido longe demais, a reflexão de muitos teólogos passa por cima de preceitos bíblicos que deveriam permanecer intocados. Os alvos preferidos desses críticos são os teólogos que utilizam as ferramentas da pesquisa histórico-crítica e aqueles que se abrigam sob o grande chapéu da Teologia da Libertação.
Segundo esses mesmos acusadores, foi graças a esta relativização teológica que hoje as igrejas na Europa estão vazias (o que de modo algum é verdade, uma vez que um evento como o Dia da Igreja na Alemanha reúne tantos cristãos quanto a Marcha Para Jesus no Brasil). Afirmam, ainda, que este processo deve acontecer no futuro também no Brasil, especialmente na IECLB e nas igrejas que seguem o pensamento teológico europeu.
De minha parte, sou profundamente grato pela pesquisa histórico-critica da teologia do século 20, que tem trazido à luz importantes verdades ligadas ao contexto histórico dos personagens bíblicos. Este conhecimento não reduziu a minha fé, nem enfraqueceu convicções. Antes, desmistificou alguns conceitos pueris sobre a fé, amadurecendo-a e aprofundando a reflexão contextualizada da mesma, permitindo avançar. Afinal, a fé não é algo estanque. A própria Bíblia é fruto de uma caminhada de fé de três milênios e a Palavra de Deus é dinâmica e requer constante atualização.
Também sou grato pela moderna teologia europeia, que joga limpo com a complexa realidade da humanidade pós-moderna e não tenta passar anestésico nas dores do presente. Antes, parte da Palavra de Deus para refletir com sobriedade sobre temas como guerra e paz, intolerância, ecumenismo, sexualidade, consumismo, gênero, preservação da Criação e muitos outros.
Por isso mesmo, também julgo a teologia da libertação um importante passo nesse processo constante de atualização da Palavra de Deus. Ela busca concretizar a mensagem de Cristo para dentro da realidade de injustiça e segregação do mundo, anunciando a salvação e a justiça de Deus em Cristo num formato que fala para dentro da realidade das pessoas que sofrem.
Esta curva de reflexão não é nenhuma novidade e o próprio Jesus histórico a fazia todos os dias, ao longo dos seus três anos de ministério. Por isso, não entendo a recusa dessa reflexão, nem a acusação de "relativismo", quando a radicalização da palavra de Deus é um princípio inalienável da reflexão teológica em todos os tempos.
A maior prova dessa curva de reflexão é que Jesus mesmo disse várias vezes: "Eu, porém, vos digo!". Cada vez que o Mestre iniciava uma frase com esta afirmação, ele praticava flagrante relativismo teológico. Ora para contestar, ora para enfatizar mais ainda alguma afirmação do Antigo Testamento, que era a Bíblia que Jesus usava e conhecia.
Isso de modo algum significa que Jesus amenizou a Palavra de Deus. Antes, a tornou atual, acentuando seu significado para os tempos em que viviam ele e seus contemporâneos.
Este é um bom princípio hermenêutico, do qual eu não pretendo abrir mão. E as ferramentas da pesquisa histórico-crítica, bem como a profunda reflexão teológica baseada no confronto da Bíblia com outras ciências, como a sociologia, a psicologia e a pesquisa científica, só contribuem para a crucial atualização do que Deus tem a nos dizer hoje.
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