quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
MST tem vitória importante
Um grupo de trabalhadores sem terra invadiu um laranjal da Cutrale em 2009. Manifestei-me sobre essa questão na época (http://clovishl.blogspot.com/2009/10/o-suco-de-laranja-mais-barato-do-mundo.html). Muita gente ficou indignada e parte da sociedade brasileira intensificou o processo de criminalização dos movimentos sociais, principalmente a imprensa e muita gente que, do conforto de seus lares e sobre a montanha de propriedades privadas que compõem o seu patrimônio, condenaram o MST e os colonos que promoveram aquela invasão. Inclusive a justiça os condenou e foram presos.
O resumo da ópera é que aqueles trabalhadores rurais não foram só condenados pela mídia, pelos ruralistas do congresso nacional e por muita gente da sociedade que, no fundo no fundo, acha mesmo que a gente tem que se conformar com esse estado de coisas no Brasil. Aqui as capitanias hereditárias não foram abolidas. Elas continuam existindo, sim, e são tão gigantescas quanto aquelas do Brasil colônia. E quem ousar tocar nesse status quo é bandido, comunista, agitador, invasor da propriedade alheia.
Até filhos de imigrantes estão entre os sem-terra. Os imigrantes saíram da Europa como sem-terra miseráveis e enxotados, venderam até a mãe para comprar um pedacinho de chão por aqui, e, dez gerações depois, a sua terra foi tão exaurida, dividida entre a parentela e pisoteada, que eles voltaram a ser sem-terra. Sim senhor! Entre aqueles que dizem ser bandidos, malandros e agitadores sociais está muita gente de olhos azuis, com sobrenome alemão e tudo. É gente nossa e, tenham certeza, há até luteranos entre eles.
Voltando aos invasores do laranjal da Cutrale, eles foram perseguidos até pela justiça, em nome dos poderosos que detêm a terra e os meios de produção.
Agora o MST vem a público para divulgar a primeira vitória dessa gente. Por meio de habeas corpus impetrado pelos advogados da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e do Setor de Direitos Humanos do MST, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, por unanimidade, o trancamento do processo crime instaurado na Comarca de Lençóis Paulista/SP contra todos os trabalhadores rurais sem terra acusados da prática de crimes durante a ocupação da Fazenda Santo Henrique (Sucocitrico-Cutrale) entre 28/9 e 7/10/2009.
Os trabalhadores tiveram prisão temporária decretada, que foi posteriormente convertida em prisão preventiva. Os decretos de prisões foram revogados em fevereiro de 2010, por meio de liminar concedida pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, mas, a decisão final no habeas corpus aguardava desde então voto vista do Desembargador Luiz Antonio Cardoso.
Para firmarem as revogações das prisões preventivas, os Desembargadores além de entenderem que a Magistrada de primeiro grau deixou de indicar os indícios de autoria em relação a cada um dos acusados, declararam inexistir ocorrências dando conta de que os trabalhadores tenham subvertido a ordem pública.
Por outro lado, determinou-se o trancamento do processo crime sob entendimento de que o Promotor de Justiça, em sua denúncia, não descreveu “referentemente a cada um dos co-réus, os fatos com todas as suas circunstâncias” como lhe é exigido pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, de forma que:
“Imputa-se a todos a prática das condutas nucleares dos tipos mencionados. Em outras palavras, plasmaram-se imputações em blocos, o que implicaria correlativamente absolvição ou condenação também coletiva. Isso é impossível. Imprescindível que se defina qual a conduta imputada a cada um dos acusados. Só assim, no âmbito do devido processo legal, cada réu poderá exercer, à luz do contraditório, o direito de ampla defesa. (…) Imputações coletivas, sem especificação individualizada dos modos de concorrência para cada episódio, e flagrante contradição geram inépcia que deve ser reconhecida. O prosseguimento nos termos em que proposta a ação acabaria, desde que a apuração prévia deve ser feita no inquérito, não, na fase instrutória, por levar aos Órgãos jurisdicionais do primeiro e segundo grau, um verdadeiro enigma a ser desvendado com o desprestígio do contraditório e da ampla defesa, garantias constitucionais inafastáveis.”
A decisão do Tribunal de Justiça representa importante precedente jurisprudencial contra reiteradas ilegalidades perpetradas contra a luta dos trabalhadores rurais sem terra, contra o ordenamento processual penal, e, sobretudo, contra as garantias constitucionais vigentes. Esperamos que esta decisão se torne cotidiana, para fazer prevalecer o senso de justiça em oposição aos interesses do agronegócio, do latifúndio e dos empresários contrários ao desenvolvimento da reforma agrária que, naquela oportunidade, louvaram os ilegais decretos de prisão contra os trabalhadores.
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Eu espero que esses "senhores feudais" nunca passem fome por conta da inatividade e improdutividade de suas terras. Chegará o dia que elas terão de ser utilizadas, de uma forma ou de outra.
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