Para todos os efeitos, também entre nós luteranos, o lugar
de um órgão de tubos é dentro da igreja, para ser usado durante a liturgia dos
cultos e para acompanhar os cantos, todos tão tradicionais quanto “Castelo
Forte é nosso Deus”. Quando muito, ele é um excelente instrumento para um concerto
de Bach, o grande mestre criador de peças absolutamente divinas para serem
executadas nesse instrumento, que tem uma aura celestial e é mais respeitado do
que muitos outros elementos que compõem a sacralidade centenária do
cristianismo.
Não é o que pensa o músico americano e performer espetacular
do órgão de tubos Cameron Carpenter. Para começo de conversa, ele prefere um
órgão em que a procura pelos seus espetaculares tubos de madeira e metal se
torna uma busca frustrada. Porque eles simplesmente não existem. O instrumento
que ele usa é digitalizado e os sons, inclusive com os sopros característicos,
é comandado por um programa de computador que elabora os sons de 58 caixas acústicas digitais.
“Não tenho como me apresentar em qualquer lugar com um órgão
preso a uma igreja. Preciso de um instrumento tão móvel quanto uma guitarra
elétrica”, explica o instrumentista de 31 anos. Com o seu instrumento,
especialmente fabricado para as suas apresentações, ele pode subir a qualquer
palco. Permanece o imenso teclado, os registros e as pedaleiras do órgão, mas
toda a parafernália de tubos desaparece.
Mas a coisa não termina por aí. Ele toca Bach não pela sua
origem litúrgica e teológica, mas por conta da beleza musical. “Ich bin Gottfrei”, ele
fulmina. Algo como se declarar livre de Deus, ou ateu. Mesmo assim, talvez até com Bach se virando no caixão a cada
apresentação do virtuose, Carpenter toca o instrumento como jamais se viu e ouviu. Os seus pés voam sobre os pedais do baixo profundo do órgão
como numa desatinada dança de balé. Carpenter também é bailarino e, por isso,
tem uma agilidade incrível nos pés. Quase não dá para acompanhar os movimentos
e é até complicado acompanhar a sequência de tons de baixo que saem dos alto-falantes.
Performático, o acorde final do Prelúdio de Bach é
acompanhado de um teatral esticar dos braços às alturas, e ele joga para trás o
seu corpo atlético, moldado pela musculação, como num solo alucinante de
guitarra que lembra o Queen. Tudo isso enfiado numa roupa colante e repleta de
lantejoulas brilhates, que refletem a luz como faíscas, com os pés enfiados em
botinas de salto alto, como um autêntico roqueiro.
Já há anos ele se apresenta com os seus órgãos digitais e as
performances incríveis. No momento ele está numa turnê pela Europa. Seus planos
não são nada modestos. “Quero ser o maior organista de todos os tempos”,
planeja Carpenter. E ele está no rumo certo. Famoso, premiado e bem-sucedido, o
jovem instrumentista é uma celebridade por onde quer que se apresente. O seu
primeiro CD “Revolucionary”, gravado em 2009, o transformou no primeiro
organista do mundo indicado para o Grammy.
O “exterminador de teclados”, como é conhecido, adora tocar
Bach, “mesmo que Bach odiaria ver as suas peças apresentadas num palco e fora
da igreja”, diz ele. As belas peças cristãs do grande compositor, entretanto,
tornam-se louvor a Deus mesmo nas mãos e nos pés de um ateu. Lutero também já
dizia isso com relação à pregação, que continua palavra de Deus mesmo na boca
de quem não crê. Carpenter é mais um instrumento que Deus usa, mesmo à nossa
revelia, para mostrar que o espírito sopra onde ele quer e não onde nós
determinamos.
Ele poderia tocar la em Brusque, na igreja matriz... ia ser divertido!
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