Termina no dia 28 de fevereiro, de modo tão controverso como
toda a carreira de Joseph Ratzinger em Roma, o pontificado do Papa Bento XVI.
Ratzinger torna-se o sétimo papa, de um total de 265, em toda a história da
Igreja Católica Romana a renunciar ao pontificado ainda em vida, sendo que a
última renúncia ocorreu em 1415.
Ele assumiu o pontificado em 19 de abril de 2005, já em
idade bastante avançada, aos 78 anos. Após um pontificado de sete anos e dez
meses, pontuado de problemas e crescente crítica à igreja por conta de
diversos escândalos, Bento XVI sente-se esgotado e, sobretudo, com os ossos
moídos como um trabalhador braçal após um estafante dia de trabalho.
A sua decisão merece elogios. Como bem descreve a revista alemã
Stern, trata-se quase de um milagre alguém tão poderoso renunciar ao poder. E
Ratzinger sente-se pequeno diante do Trono de Pedro. Está cansado da rigidez do
pontificado. Não é difícil encontrar imagens como a que abre este texto, de um papa amuado, sem ânimo e com o semblante marcado pelo desejo de sumir dali. Aos quase 86 anos, quer retirar-se para morrer em paz, sem ser um
fardo para a entravada hierarquia de uma igreja que tentou uma reforma tardia, mas
que, sob a poderosa batuta de Ratzinger, fez um esforço tremendo para retornar
aos glamorosos tempos dos papas-imperadores. Entretanto, até para quem lutou
por isso a vida inteira, o peso da Coroa de Pedro pesa demais sobre a cabeça.
O pontificado de Bento XVI durou quase oito anos, mas o
poder de Joseph Ratzinger em Roma estendeu-se por muito mais tempo. Ele foi o
grande fio vermelho teológico do longevo pontificado de João Paulo II, o
polonês que acabou com a União Soviética e desconstruiu o Vaticano II, não
deixando pedra sobre pedra. Como o todo poderoso Prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger exerceu o poder eclesial com extremo zelo,
muito mais do que agora, nesses anos em que teve o cetro de Pedro nas próprias
mãos.
Teólogo brilhante, Ratzinger tinha todos os argumentos da
tradição conservadora para baixar decretos implacáveis, de silêncio obsequioso
a excomunhão sumária. Ele era talhado sob medida para a função. Como papa,
entretanto, ele afrouxou. Foi amenizando e até desfazendo alguns dos grilhões
que amarrou na assessoria teológica e legal a João Paulo II.
Com sua renúncia, vem a controvérsia final. Elogiada como
desapego ao poder, ela pode ser vista com ressalvas pelo olho da teologia
católica, já que sua investidura como sucessor de Pedro não poderia ser
recusada até que parta fisicamente deste mundo.
Mas o seu retiro faz bem para um homem cansado e arqueado
pelo peso da idade. Ratzinger merece descansar. E ele terá um retiro digno e
cheio de mordomias atrás dos muros do Vaticano.
O seu retiro também faz bem para a maior igreja cristã do
mundo. A igreja precisa de novos ares. Esperamos que a juventude chegue à cadeira
de Pedro e abra as janelas do Vaticano, diminuindo aquele insuportável cheiro
de mofo. Roma precisa de alguém com coragem de fazer uma faxina, que passe um bom
ar naquele ambiente carunchado e coloque flores sobre a mesa.
Quem sabe, meio século depois do início do Concílio Vaticano
II, o sonho de João XXIII finalmente chegue a um bom termo e boa parte daquilo
que Lutero, intrépido conterrâneo de Ratzinger, já queria no século 16 se torne uma boa
perspectiva para a igreja no século 21.
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