Lembrar Nicolau Copérnico no dia em que lembramos os 540
anos do seu nascimento, é uma obrigação para a Igreja, em pleno século 21 e
meio milênio depois do erro “astronômico” que representou a sua condenação não
somente por Roma, mas até mesmo por reformadores como Martim Lutero e João
Calvino.
Copérnico nem de longe era um homem alheio à fé ou inimigo
da Igreja. O astrônomo e matemático também era cônego da Igreja Católica,
portanto um homem que estava envolvido com as coisas da Igreja até a medula.
Tanto que ele dedicou o seu tratado científico ao Papa, por saber exatamente o
que a sua teoria significava para séculos de teologia baseada na visão de
Gênesis sobre a “ordem” dos astros no universo.
Copérnico virou o universo literalmente de pernas pro ar.
Outros já haviam chegado à mesma conclusão que ele, qual seja, de que a terra
não é o centro de tudo. Ela era apenas mais um astro a girar em torno do Sol e
não o contrário. Sua teoria ficou conhecida como Heliocentrismo. Ele também já
sabia disso há muito tempo, mas publicou o livro De revolutionibus orbium coelistium somente no ano de sua morte, em
1543, com a ressalva "quando dediquei algum tempo à ideia, o meu receio de
ser desprezado pela sua novidade e o aparente contra-senso quase me fez largar
a obra feita".
Para a Igreja valia o geocentrismo aristotélico, que
colocava a Terra no centro do universo. E a obra de Copérnico foi incluída no Index
Librorum Prohibitorum ainda um século depois de publicada, durante o processo
de condenação de Galileu, permanecendo na lista proibida até 1835, um século e
meio depois que a sua teoria passou a ser reconhecida como verdadeira.
A cuidadosa observação do céu levou Copérnico a construir
sua teoria, que apesar de tudo tinha muitos excessos, como o exagerado apego à
simetria estética, imaginando que os corpos descreviam círculos perfeitos ao
redor do Sol, em posições fixas e cuidadosamente separadas de modo igual entre
si. Mas a sua obra quebrou um paradigma e foi o fundamento para grandes
pensadores depois dele, como Galileu, Kepler, Newton e até Albert Einstein.
A Igreja reconheceu que errou ao condenar as pesquisas de Copérnico.
Muito tempo depois. Mesmo assim, não aprendeu a lição. Ela foi e continua
sendo arrogante em muitos aspectos. Aliás, há dois tipos de arrogância.
A arrogância científica é a maior inimiga da pesquisa. Lembro aqui de Richard Dawkins, um cientista
brilhante, mas um fundamentalista do ateísmo, que defende tão apaixonadamente como um apóstolo da
não-fé.
Já a arrogância teológica é inimiga absoluta da fé. A
humildade é sempre o melhor caminho, pois nos permite abertura para o
aprendizado da insondável força criadora de Deus. Precisamos aprender esta
postura ainda hoje, quando nos colocamos na posição de donos da verdade
(lembro, tristemente, da entrevista de Silas Malafaia a Marília Gabriela, por
exemplo).
Na teologia, a postura da humildade começa por reconhecer que a
Bíblia não é um livro científico, mas um testemunho de fé, que foi composto dentro de um determinado momento da história e, por isso,
sofreu influência do contexto sócio-cultural e cognitivo do momento histórico
em que foi escrito. Mas isso não a desmerece como testemunho de fé. No caso de
Copérnico, do ponto de vista da realidade amplamente comprovada hoje, o relato
de Gênesis que coloca a Terra como o centro de tudo está fundamentalmente
errado. Mas isso não diminui a fé do autor de que Deus criou tudo o que existe.
E vamos por aí, com esta humildade de aprendizes da
grandiosidade divina, ficando admirados com as teorias da evolução, do
big-bang, das supercordas, da partícula de Deus, da matéria escura e de outras
mais que devem ser descobertas. Como diz o astrofísico Marcelo Gleiser, os cientistas do
futuro certamente irão se divertir com as nossas teorias da origem do universo,
mas espero que tenham a humildade de reconhecer que elas contribuíram para que
eles pudessem chegar a novas descobertas, mais próximas do dedo criador de Deus
e de como ele construiu tudo o que existe.
Por isso, neste dia,
obrigado a Nicolau Copérnico pela sua astuta capacidade de observação e pela coragem
de enfrentar a Igreja, mudando, literalmente, a cosmovisão da humanidade.
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