segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Nós envergonhamos Jesus Cristo




A crônica de Luís Fernando Veríssimo (foto), publicada em vários jornais do Brasil no dia de hoje, é ácida. As igrejas podem até espernear, protestar, gritar com veemência que não é bem assim e que Veríssimo é um ateu que só vê o lado escuro da fé. Certamente haverá muitos admiradores e admiradoras de LFV que o deixarão de ser ao menos um pouquinho, depois desse texto. Mas eu não seria tão precipitado assim em jogá-lo aos leões. LFV fala do que se vê. Eis, absurdamente desnudado, o comportamento das religiões. Nós envergonhamos Jesus Cristo. Ele chora, outra vez, sobre a nossa “Jerusalém”, que enche o peito para dizer que é “Igreja de Jesus Cristo”. Nossas atitudes desmentem vergonhosamente nossa pregação. Por isso, ouvir LFV atentamente – sem se encher logo de ufanismo raivoso em defesa da fé e de o quanto ele está errado em sua análise – é uma necessária postura autocrítica. Como igrejas, temos feito muito mal ao Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, replico aqui o seu texto:

“Deus hipotético
Um religioso dirá que não faltam provas da existência de Deus e da sua influência em nossas vidas. Quem não tem a mesma convicção não pode deixar de se admirar com o poder do que é, afinal, apenas uma suposição. A hipótese de que haja um Deus que criou o mundo e ouve as nossas preces tem sobrevivido a todos os desafios da razão, independentemente de provas. Agora mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às voltas com a sucessão no comando do seu vasto e rico império, e o admirável é que tudo – o império, a riqueza e o fascínio dos rituais e das intrigas da Igreja de Roma – seja baseado, há 2000 anos, em nada mais do que uma suposição.

Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas tem causado o mesmo dano, em nome da hipótese. Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e intolerante para a sobrevivência de Israel. O fundamentalismo cristão que representa o que há de mais retrógrado e assustador no reacionarismo americano, e as religiões neo-pentecostais que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração da crendice. A igreja católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos, contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas.

Há aquela parábola do Dostoiévski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo, que volta à Terra – o filho da hipótese tornado homem – para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo. Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios do poder. Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje, deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.”
(Luís Fernando Veríssimo)

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