A crônica de Luís
Fernando Veríssimo (foto), publicada em vários jornais do Brasil no dia de hoje, é
ácida. As igrejas podem até espernear, protestar, gritar com veemência que não
é bem assim e que Veríssimo é um ateu que só vê o lado escuro da fé. Certamente
haverá muitos admiradores e admiradoras de LFV que o deixarão de ser ao menos
um pouquinho, depois desse texto. Mas eu não seria tão precipitado assim em
jogá-lo aos leões. LFV fala do que se vê. Eis, absurdamente desnudado, o
comportamento das religiões. Nós envergonhamos Jesus Cristo. Ele chora, outra
vez, sobre a nossa “Jerusalém”, que enche o peito para dizer que é “Igreja de
Jesus Cristo”. Nossas atitudes desmentem vergonhosamente nossa pregação. Por
isso, ouvir LFV atentamente – sem se encher logo de ufanismo raivoso em defesa
da fé e de o quanto ele está errado em sua análise – é uma necessária postura
autocrítica. Como igrejas, temos feito muito mal ao Evangelho do Nosso Senhor
Jesus Cristo. Por isso, replico aqui o seu texto:
“Deus hipotético
Um religioso dirá que não faltam provas da
existência de Deus e da sua influência em nossas vidas. Quem não tem a mesma
convicção não pode deixar de se admirar com o poder do que é, afinal, apenas
uma suposição. A hipótese de que haja um Deus que criou o mundo e ouve as
nossas preces tem sobrevivido a todos os desafios da razão, independentemente
de provas. Agora mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às
voltas com a sucessão no comando do seu vasto e rico império, e o admirável é
que tudo – o império, a riqueza e o fascínio dos rituais e das intrigas da
Igreja de Roma – seja baseado, há 2000 anos, em nada mais do que uma suposição.
Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas tem causado o mesmo dano, em nome da hipótese. Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e intolerante para a sobrevivência de Israel. O fundamentalismo cristão que representa o que há de mais retrógrado e assustador no reacionarismo americano, e as religiões neo-pentecostais que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração da crendice. A igreja católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos, contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas.
Há aquela parábola do Dostoiévski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo, que volta à Terra – o filho da hipótese tornado homem – para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo. Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios do poder. Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje, deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.”
Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas tem causado o mesmo dano, em nome da hipótese. Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e intolerante para a sobrevivência de Israel. O fundamentalismo cristão que representa o que há de mais retrógrado e assustador no reacionarismo americano, e as religiões neo-pentecostais que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração da crendice. A igreja católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos, contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas.
Há aquela parábola do Dostoiévski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo, que volta à Terra – o filho da hipótese tornado homem – para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo. Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios do poder. Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje, deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.”
(Luís Fernando
Veríssimo)
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