Reproduzo abaixo um artigo muito
interessante do professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle. Ele revela o que não se ouve na grande mídia
sobre a crise financeira internacional, especialmente sobre caminhos ousados e
bem alternativos de resolver. Divulgar o sucesso da Islândia na luta contra o trator da União Europeia não interessa a ninguém, porque isso significa abrir um precedente de que é possível resolver bem e rápido uma crise que se arrasta por anos em outros países (Grécia, Espanha, Portugal, Itália, etc.), rendendo lucros incalculáveis para os bancos e os über-bilionários. Veja o artigo do professor:
“A
Islândia é uma ilha com pouco mais de 300 mil habitantes que parece decidida a
inventar a democracia do futuro. Por uma razão não totalmente clara, esse país
que fora um dos primeiros a quebrar com a crise financeira de 2008 sumiu em
larga medida das páginas da imprensa mundial. Coisas estranhas, no entanto,
aconteceram por lá.
Primeiro, o presidente da República submeteu a plebiscito
propostas de ajuda estatal a bancos falidos. O ex-primeiro-ministro grego
George Papandreou foi posto para fora do governo quando aventou uma ideia
semelhante. O povo islandês, todavia, não se fez de rogado e disse claramente
que não pagaria nenhuma dívida de bancos. Mais do que isso, os executivos dos
bancos foram presos e o primeiro-ministro que governava o país à época da crise
foi julgado e condenado.
Algo muito diferente do resto da Europa, onde os executivos
que quebraram a economia mundial foram para casa levando no bolso ‘stock
options’ vindos diretamente das ajudas estatais.
Como se não bastasse, a Islândia resolveu escrever uma nova
Constituição. Submetida a sufrágio universal, ela foi aprovada em meados de
outubro. A Constituição não foi redigida por membros do Parlamento ou por
juristas, mas por 25 ‘pessoas comuns’ escolhidas de maneira direta. Durante sua
redação, qualquer um podia utilizar as redes sociais para enviar sugestões de
leis e questionar o projeto. Todas as discussões entre os membros do Conselho
Constitucional podiam ser acompanhadas do computador de qualquer cidadão.
O resultado é uma Constituição que estatiza todos os
recursos naturais, impede o Estado de ter documentos secretos sobre seus
cidadãos e cria as bases de uma democracia direta, onde basta o pedido de 10%
da população para que uma lei aprovada pelo Parlamento seja objeto de
plebiscito. Seu preâmbulo não poderia ser mais claro a respeito do espírito de
todo o documento: ‘Nós, o povo da Islândia, queremos criar uma sociedade justa
que ofereça as mesmas oportunidades a todos. Nossas diferentes origens são uma
riqueza comum e, juntos, somos responsáveis pela herança de gerações’.
Em uma
época na qual a Europa afunda na xenofobia e esquece o igualitarismo como valor
republicano fundamental, a Constituição islandesa soa estranha. Esse estranho
país, contudo, já não está mais em crise econômica. Cresceu 2,1% no ano passado
e deve crescer 2,7% neste ano. Eles fizeram tudo o que Portugal, Espanha,
Grécia, Itália e outros não fizeram. Ou seja, eles confiaram na força da
soberania popular e resolveram guiar seu destino com as próprias mãos. Algo
atualmente muito estranho.”
Peguei
daqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário