Aconteceu de novo. Todo o país está chocado. O surreal
cenário do piso de um ginásio de esportes com mais de 230 corpos estendidos é o
resumo de uma ópera bufa. As vítimas são todas “jovens, jovens, jovens”. O
motivo de mais um luto nacional é outra vez o mesmo: uma sucessão de
gambiarras.
Elas estavam lá em 2006, na queda do avião zerinho da Gol
que se chocou com um Legacy e matou 154 pessoas. Estavam lá em 2007, no
acidente da TAM que vitimou 199 pessoas. Elas também estavam a bordo do voo da
Air France, que matou 228 pessoas em 2009. Depois de apontar “culpados”, novas
gambiarras tentam contornar o quadro caótico da aviação civil brasileira. A
ocorrência de novas tragédias não é uma questão de “se”, mas de “quando”, pois são
de fácil previsão.
A sucessão de exemplos de gambiarras facilmente preencheria
esta e muitas outras páginas. Elas são massivamente utilizadas em bares,
restaurantes, shoppings, supermercados, quadras esportivas, estádios de
futebol, casas noturnas, teatros, cinemas e outros.
Em aeroportos, aeronaves, portos, navios e barcos,
caminhões, trens, carros, motos e bicicletas elas estão lá, como uma praga definitiva.
Marcam presença em nossas rodovias e estradas, na segurança do trânsito, nas
calçadas cheias de armadilhas, na fiação ao longo de toda sorte de redes de eletricidade
e de comunicação.
Elas estão em nossos prédios, casas, móveis e utensílios
domésticos; em nossas roupas e calçados. Para resumir numa frase, uns fingem
que cumprem as leis e outros fingem que fiscalizam. Os tristes resultados de
toda essa absurda irresponsabilidade social epidêmica do país do “jeitinho” manifestam-se
a cada nova tragédia.
Depois, começa o infindável empurra-empurra em busca de
culpados. Sucedem-se as promessas de punição rigorosa e mudanças nas leis e na
fiscalização. Mas o tempo desmente todas as nossas promessas, até que ocorra o
próximo drama.
No caso de Santa Maria, não se trata de defender a banda que
utilizou o sinalizador ou o dono da boate; a ausência de saídas de emergência
ou os seguranças que impediram os jovens de sair sem pagar. A culpa é deles,
mas também dos bombeiros e da prefeitura que não fiscalizaram com o rigor
necessário.
Mas há um aspecto de culpa coletiva em tudo isso. Ele pode
estar na sociedade que obriga os jovens a ir a uma verdadeira arapuca isolada
acusticamente com material altamente inflamável para que a música não incomode
quem não está na festa. E elas existem às milhares em quase todas as cidades
brasileiras, todas com o mesmo isolamento acústico que asfixiou os jovens corpos
que forraram o chão do ginásio de esportes em Santa Maria.
A principal culpa coletiva é o “jeitinho” que tanto nos
caracteriza. Em vez de procurar um bode expiatório para assumir a culpa, está
mais que na hora de mudar o nosso teimoso comportamento de resolver tudo à base
de gambiarras.
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