segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

À procura dos culpados no país das gambiarras



Aconteceu de novo. Todo o país está chocado. O surreal cenário do piso de um ginásio de esportes com mais de 230 corpos estendidos é o resumo de uma ópera bufa. As vítimas são todas “jovens, jovens, jovens”. O motivo de mais um luto nacional é outra vez o mesmo: uma sucessão de gambiarras. 

Elas estavam lá em 2006, na queda do avião zerinho da Gol que se chocou com um Legacy e matou 154 pessoas. Estavam lá em 2007, no acidente da TAM que vitimou 199 pessoas. Elas também estavam a bordo do voo da Air France, que matou 228 pessoas em 2009. Depois de apontar “culpados”, novas gambiarras tentam contornar o quadro caótico da aviação civil brasileira. A ocorrência de novas tragédias não é uma questão de “se”, mas de “quando”, pois são de fácil previsão.

A sucessão de exemplos de gambiarras facilmente preencheria esta e muitas outras páginas. Elas são massivamente utilizadas em bares, restaurantes, shoppings, supermercados, quadras esportivas, estádios de futebol, casas noturnas, teatros, cinemas e outros. 

Em aeroportos, aeronaves, portos, navios e barcos, caminhões, trens, carros, motos e bicicletas elas estão lá, como uma praga definitiva. Marcam presença em nossas rodovias e estradas, na segurança do trânsito, nas calçadas cheias de armadilhas, na fiação ao longo de toda sorte de redes de eletricidade e de comunicação. 

Elas estão em nossos prédios, casas, móveis e utensílios domésticos; em nossas roupas e calçados. Para resumir numa frase, uns fingem que cumprem as leis e outros fingem que fiscalizam. Os tristes resultados de toda essa absurda irresponsabilidade social epidêmica do país do “jeitinho” manifestam-se a cada nova tragédia. 

Depois, começa o infindável empurra-empurra em busca de culpados. Sucedem-se as promessas de punição rigorosa e mudanças nas leis e na fiscalização. Mas o tempo desmente todas as nossas promessas, até que ocorra o próximo drama.

No caso de Santa Maria, não se trata de defender a banda que utilizou o sinalizador ou o dono da boate; a ausência de saídas de emergência ou os seguranças que impediram os jovens de sair sem pagar. A culpa é deles, mas também dos bombeiros e da prefeitura que não fiscalizaram com o rigor necessário.

Mas há um aspecto de culpa coletiva em tudo isso. Ele pode estar na sociedade que obriga os jovens a ir a uma verdadeira arapuca isolada acusticamente com material altamente inflamável para que a música não incomode quem não está na festa. E elas existem às milhares em quase todas as cidades brasileiras, todas com o mesmo isolamento acústico que asfixiou os jovens corpos que forraram o chão do ginásio de esportes em Santa Maria.

A principal culpa coletiva é o “jeitinho” que tanto nos caracteriza. Em vez de procurar um bode expiatório para assumir a culpa, está mais que na hora de mudar o nosso teimoso comportamento de resolver tudo à base de gambiarras.

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