Entre os dias 23 e 27 de julho as Nações Unidas realizam em
Nova York a Convenção do Tratado de Comércio de Armas. Embora haja acordos
diplomáticos que controlam posse, desenvolvimento e comércio de armas
nucleares, químicas e biológicas, esta é a primeira tentativa desde a década de
1930 de regular de forma abrangente a compra e venda de pistolas, revólveres,
fuzis e munições de pequeno calibre – o tipo de arma utilizado regularmente em
muitas violações de direitos humanos em países como Síria, Colômbia e República
Democrática do Congo. A Anistia Internacional recomenda que o tratado tenha uma
“regra de ouro” que proíba ou interrompa a venda de armamentos (inclusive
componentes, munições e transferência de tecnologia) a governos envolvidos em
atrocidades e desrespeitos à legislação humanitária e de direitos humanos.
Em 2003 a Anistia Internacional, a Oxfam e a International
Action Network on Small Arms lançaram a campanha pelo estabelecimento de um
Tratado de Comércio de Armas. Três anos depois, a petição “Um Milhão de Rostos”
foi apresentada ao secretário-geral da ONU e contribuiu para que 153 países
aprovassem na Assembléia-Geral da instituição o processo de consulta e
negociação do acordo diplomático que está em discussão neste mês.
A campanha desta última década faz parte de uma tradição de
redes internacionais humanitárias que desde o século XIX têm conseguido
importantes avanços para regular e controlar a conduta de Estados e grupos
armados em guerras e outras formas de conflitos violentos, estabelecendo
padrões éticos e jurídicos que definem o tipo de armamento que pode ser
utilizado, o tratamento que deve ser dispensado à população civil e aos
prisioneiros, e os mecanismos para julgar e punir pessoas que violem tais
normas. São exemplos dessas mobilizações as conferências de Haia (1899 e 1907),
as Convenções de Genebra (1864-1949), a Convenção sobre a Prevenção e a Punição
do Crime de Genocídio (1948) e a criação do Tribunal Penal Internacional
(2002).
A falta de regulação no comércio de armas convencionais tem
sido uma grave lacuna no direito internacional. A ausência de acordos sobre o
tema torna mais fácil aos países comprar e vender um fuzil do que fazer o mesmo
com uma réplica de brinquedo, que precisa se submeter a vários padrões de
qualidade e proteção às crianças. Há apenas um protocolo sobre armas de fogo à
Convenção da ONU sobre Crime Organizado, mas é um acordo frágil que não faz
referência a direitos humanos e lida apenas com casos extremos, como armas sem
registro.
A proposta da Anistia Internacional é que o Tratado de
Controle de Armas incorpore mecanismos rigorosos de avaliação dos direitos
humanos, caso a caso, e que sejam usados como pré-requisitos para a venda ou
transferência de armas, munições e componentes. É importante que haja uma lista
abrangente dos itens a serem controlados e regras claras para monitorar sua
implementação.
Cerca de 75% das exportações globais de armas são realizadas
por seis países. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU
(Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido, França) e a Alemanha. Os três
países europeus têm posições favoráveis à incorporação da “regra de ouro”. Os
governos chinês e russo se mostram contrários, embora a Rússia seja signatária
de acordos regionais com a União Européia que têm cláusulas semelhantes. Os
Estados Unidos modificaram sua tradicional objeção ao Tratado de Comércio de
Armas e afirmam que querem elevar os padrões globais de monitoramento e
controle de armamentos.
O governo do Brasil mostra simpatia pelos objetivos do
Tratado de Comércio de Armas, fazendo as ressalvas de que as negociações devem
se ater a princípios de direitos humanos reconhecidos em acordos diplomáticos
formais, e que as restrições não devem afetar o direito ao desenvolvimento
tecnológico, para evitar a criação de um sistema de não-proliferação em que
alguns países possam ter armas, e outros não. A Anistia Internacional reconhece
as preocupações das autoridades brasileiras, mas acredita que é preciso ir além
delas. Para que o tratado seja eficaz, é importante que incorpore também os
costumes e práticas informais do direito humanitário, e que seu escopo seja
abrangente, abarcando transferências de tecnologia, peças e componentes de
armas.
Mauricio Santoro
Assessor de Direitos Humanos, Anistia Internacional Brasil
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