“A escrita, quando você escreve errado, também mata um povo.”
A frase, que revela a profunda dor dos mortalmente feridos pelo preconceito,
foi escrita por professores indígenas, do povo guarani-kaiowá.
O motivo da dilaceração do sentimento dessa gente é uma matéria publicada pela
revista Veja (de novo a Veja, ora veja!), na edição de 4 de novembro, com o
título “A ilusão de um paraíso”.
Desinformados sobre a realidade agrária no Mato Grosso do
Sul, os jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo Coura desfiam uma série de
afirmações inverídicas, com o propósito de confundir a opinião pública e de
criminalizar os defensores dos direitos humanos e os povos originários do
Brasil.
Entre outros absurdos, o texto de Veja afirma que as
reivindicações do povo guarani-kaiowá são construídas sobre uma ilusão, fruto
da “visão medieval de antropólogos”, porque levam os “índios” a sonhar com “uma
grande nação guarani” na “zona mais produtiva do agronegócio em Mato Grosso do
Sul”. Segundo Veja, os indígenas são uns coitados, desinformados, transformados
em “massa de manobra”, em nome de interesses fundados numa “percepção medieval
do mundo”.
Para coroar o festival de racismo, ódio e instigamento ao
medo, a revista coroa sua sequência de absurdos com a pérola: “o resto do
Brasil que reze para que os antropólogos não tenham planos de levar os caiovás
(sic) para outros estados, pois em pouco tempo todo o território brasileiro
poderia ser reclamado pelos tutores dos índios”.
Na contramão do que vem acontecendo, no ambiente da defesa
dos direitos das minorias e dos direitos humanos em todo o mundo, a espantosa
revista de maior circulação no Brasil faz questão de apresentar os índios como
seres incapazes, que não devem ser classificados como seres humanos pensantes,
por serem selvagens e truculentos.
Veja, em nome dos seus próprios negócios e com base em seu
tradicional preconceito sobre tudo o que tem iniciativa popular e envolve
minorias, deseduca, desmotiva e desconstrói uma visão pacientemente construída
ao longo de décadas nas escolas, por exemplo, onde se busca uma percepção dos
povos originários do Brasil para além de cocares e fantasias estúpidas no dia
do índio. A reportagem de Veja desconstrói dramaticamente uma paciente formação
de consciência de nação para o Brasil, um país multicultural e multirracial,
que só é o que é por conta da contribuição das diferentes culturas indígenas,
negras, portuguesa e de dezenas de povos originários da imigração, e que busca
viver em paz e respeito mútuo.
A descabida reportagem publicada por Veja não merece maior
atenção. É uma pérola de desinformação e preconceito. A acusação dos autores da
reportagem aos antropólogos e ativistas (ultrapassados, medievais, manipulados
e ignorantes) recai dramaticamente sobre a própria revista, que despeja numa
única matéria toda a sua condição de publicação medieval, ultrapassada,
manipulada e ignorante.
Este blog une-se aos manifestantes que pleiteiam “Direito de
resposta aos Guarani-Kaiowá já!”. E afirma, mais uma vez: “Não leia Veja!
Livre-se de um Brasil que não nos serve mais, começando por Veja!”.
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