terça-feira, 5 de abril de 2011

Costa do Marfim afunda na xenofobia



Mais uma eleição “democrática” faz aflorar o que as pessoas têm de pior dentro de si. Desta vez, é na Costa do Marfim. Mais uma nação africana “forjada” a ferro e fogo pelo antigo colonialismo europeu, que misturou tradicionais inimigos tribais sob um mesmo guarda-chuva nacional, a Costa do Marfim está longe de ser uma nação de gente que se sente abrigada numa mesma pátria. Ela lembra mais um caldeirão em ebulição, repleto de elementos químicos conflitantes, que explodem quando se fundem. Na Costa do Marfim, esses elementos são a xenofobia e o racismo.

A briga que aflora é entre duas forças eleitorais que não querem reconhecer o resultado das urnas. De um lado, está o atual presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, que não quer deixar o poder. De outro, o presidente eleito e reconhecido pela comunidade internacional, Alassane Ouattara. Em luta feroz, até a última gota de sangue, os partidários dos dois. Entre os brigões está a população civil, que sempre é a parte mais prejudicada em qualquer conflito. Mas o pano de fundo é o ódio entre nativos e imigrantes.

Mais do que uma briga eleitoral, há informações de que o conflito estaria descambando na direção de massacres e ações de limpeza étnica, por partidários de ambos os lados em conflito. Estão sendo cometidos abusos de direitos humanos e matanças.

O ódio entre os marfinenses não decorre somente da luta política entre os que disputaram a presidência em novembro último. Na cidade de Duékoué, no oeste do país, os assassinatos em massa podem ter causado a morte de até mil pessoas. Tensões entre as etnias existem há muito tempo na Costa do Marfim. Como, por exemplo, entre a população do norte do país ou os imigrantes de países vizinhos e a população nativa da região. Essa tensão foi fortalecida pela ideia de identidade nacional criada nos anos 1970 – o conceito de ivoirité, que enfatiza as características comuns dos marfinenses após o fim do colonialismo.

Já nos anos 1980, o conceito de ivoirité foi utilizado contra a população não nativa, ao dar prioridade à população nativa na questão da posse da terra. Na década de 1990 novos documentos de identidade com rigorosas regras no tocante à origem, discriminaram os imigrantes, que não chegaram nem mesmo a receber o documento, por não serem marfinenses. Essa é uma das principais causas do conflito, para o qual a Costa do Marfim não encontra saída já há dez anos.

Sob o pretexto de controlar documentos de identidade, forças de segurança procediam de forma agressiva contra migrantes e pessoas do norte do país. Esses se sentiam perseguidos. Em 1994, o conceito de ivoirité foi integrado à lei eleitoral. Somente poderia tornar-se presidente quem vivia no país há mais de cinco anos e cujos pais eram marfinenses.

Assim, por muito tempo, o próprio Alassane Ouattara não esteve apto a concorrer, sob a alegação de que sua mãe teria vindo de Burkina Fasso, onde também teria sido emitido o passaporte de Alassane Ouattara. Com 60 grupos étnicos, a xenofobia se alastrou no Estado multinacional da Costa do Marfim – uma carga explosiva que levou à guerra civil em 2002. Até hoje, Ouattara é uma importante figura de identificação nacional, especialmente para os imigrantes, que perfazem um quarto da população da Costa do Marfim.

Dessa forma, a clara dicotomia eleitoral entre um imigrante e um nativo incendiou a nação com o explosivo ingrediente da intolerância xenófoba. Não só os marfineses estão de mãos amarradas. A comunidade internacional não sabe o que fazer para resolver mais este imbróglio, que, como todos os outros na África, originou-se na lambança e na ganância do período colonialista.

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