sexta-feira, 29 de abril de 2011

O pastor herege


“Deus nos livre de um Brasil evangélico”, disse o pastor Ricardo Gondim, em entrevista à revista Carta Capital, esta semana. Polêmico e cada vez mais famoso – e perseguido – por causa de suas posições contundentes e sem meias palavras, Gondim é presidente da Igreja Assembléia de Deus Betesda e mestre em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo. “Sou o herege da vez”, disse ele na entrevista ao jornalista Gerson Freitas.

“Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico se deixa influenciar”, disse Gondim. O crescimento dissipa o rigor doutrinário e os valores que são mais fortes nos pequenos grupos, aproximando os evangélicos “do perfil religioso típico brasileiro”.

Com isso, começa a delinear-se um perfil eclético, no qual “pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um evangelicalismo popular, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás”, descreveu Gondim.

Enquanto isso, “o movimento cresce, mas perde força”. Segundo Gondim, para fugir disso, o movimento elegeu alguns temas que lhe assegurem identidade, como a questão do aborto e da homossexualidade, “com um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras... com aberrações éticas enormes”.

Para Gondim, o projeto evangélico quer impor toda uma espiritualidade, cultura, estética e cosmovisão que “de nenhum modo” é desejável. “Seria a talebanização do Brasil”, exagera. Precisamos da diversidade cultural e religiosa, alerta. Para ele, o objetivo político da Igreja Universal “é maquiavélico”. No desejo de salvar o Brasil da perdição, “os fins justificam os meios”.

A inspiração, segundo Gondim, vem dos EUA. “As lideranças daqui leem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental”. Com base nesse modelo, gerencial e pragmático, impõem ao Brasil “uma lógica individualista e antiética”, no qual Deus “abre portas de emprego para os fiéis”, à moda dos políticos corruptos.

“A teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto”, defende Gondim.

Gondim defende que “Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, quando diz que este mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida”.

“A decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente”, finalizou Gondim.

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