O pastor Renato, que não se calou e pagou para ver.
“Abraham Kuyeper, pastor reformado, muda a face da Holanda; Martin Niemoeller resiste ao nazismo; o mesmo regime martiriza, Dietrich Bonhoeffer. Martin Luther King Jr. tem um sonho, que uma bala assassina quer transformar em pesadelo, mas que termina por socializar esse sonho em milhões de corações. Desmond Tutu faz tremer os alicerces do apartheid. Arriscados são os caminhos dos ungidos do Senhor, desinstalados e desinstaladores, que ousam além da rotina paroquial. Oscar Romero nos lembra que os que “perdem a cabeça” de João Batista ainda o fazem literalmente, enquanto que leigos conservadores ou clérigos amofinados apenas (e “bondosamente”) o fazem ao nível do simbólico.”
Essas palavras foram escritas pelo bispo Robinson Cavalcanti (brutalmente assassinado pelo próprio filho adotivo no domingo passado, conforme você pode conferir no meu post de ontem). O texto é parte do prefácio do livro do pastor Renato Luiz Becker, que relata a sua experiência como candidato a deputado estadual pelo PT do Rio Grande do Sul nos anos 1990. Não me lembro o nome do livro, que está esgotado, infelizmente. Leia o texto de Cavalcanti na íntegra aqui.
As palavras do bispo Cavalcanti representam muito do que nós, Renato e eu, pensamos e dizemos. Os nomes que ele cita são espelhos universais; cristãos que não transformaram o Evangelho em mero enfeite de seus púlpitos ou vestimenta litúrgica para mostrar-se ao povo como sumo sacerdote imaculado. Todos eles enfiaram seus narizes na mais espúria podridão humana e, em muitos casos, foram martirizados por conta da sua ousadia profética.
O Renato foi muito mais corajoso do que eu. Meteu a cara – e quebrou-a! – como candidato do PT a deputado estadual. Ele não apenas falou de política, dos problemas e da busca de soluções, do povo pobre e das injustiças. Não se limitou aos discursos vazios. O seu púlpito criou cara de caminho, com pedras e muita poeira. Púlpito com cheiro e textura de realidade.
Ele chafurdou na lama, sujou as mãos com a imundície espalhada na nossa sociedade e foi tratado como figurinha fácil pelos correligionários, que viram nele um bom degrau de escada para subir e se dar bem. Renato apanhou no lombo desnudo por acreditar no seu sonho e investir pesado nele. Hoje Renato é pastor de paróquia, na IECLB em Joinville. O seu lombo continua fortemente marcado pelas cicatrizes do que ousou sonhar e dizer.
Mesmo com menos coragem do que o Renato, também eu pago um preço exorbitante pelo que ouso dizer aqui e em outros escritos. Talvez ambos estejamos sentindo as mesmas sensações de Rubem Alves, que escreveu que a coragem só vem com a idade, porque a gente vai ficando velho, sentindo-se mais perto da metade final da vida e começando a achar que não vale a pena continuar calado. Mas abrir a boca tem um preço. Tem muita gente querendo repetir a cena da cabeça de JB na bandeja... Ou dar um fim na boca que não se cala, como fez o filho adotivo de Robinson Cavalcanti...
Não nos calemos, amigo, apesar de tudo...
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