quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Solidariedade de fachada

Debate acirrado no centro evangélico de Kronberg


Uma grande reportagem no semanário Die Zeit, de Hamburgo, causou alvoroço na cidade de Kronberg no Taunus, na Alemanha. O local está repleto de casarões. Gente rica mesmo, como banqueiros, executivos e industriais, e muitos milionários. Durante a terceira semana do Advento, o jornalista Hennig Sussebach disfarçou-se de sem-teto em companhia de uma atriz e ambos circularam pelas ruas da cidade durante alguns dias, colhendo impressões. O resultado do laboratório foi divulgado pontualmente no Natal, sob o título “Maria e José no gueto do dinheiro” (Leia a matéria em alemão, na íntegra, aqui. É um comovente relato do desprezo do luxo pelo lixo, uma matéria que desnuda o egoísmo e a falta de compaixão de modo cruel e definitivo). Entre outros citados, o próprio pastor luterano da cidade, Hans-Joachim Hackel, apareceu de modo pouco lisonjeiro na reportagem.

A repercussão da matéria levou o superior do Decanato de Kronberg, o decano Eberhard Kuhn, a convidar o autor da matéria para uma noite aberta de debate sobre o seu texto. Convite aceito, Sussebach esteve diante de um salão comunitário lotado na noite do último dia 30 de janeiro, em Kronberg.

O que deveria ser um debate respeitoso e um diálogo diferenciado, acabou por transformar-se numa dura troca de opiniões, que despertou muito interesse mas ficou longe de alcançar alguma unanimidade. A pergunta inicial sobre a péssima impressão que o texto divulgou sobre a cidade não recebeu resposta satisfatória. Muitos dos presentes lançaram pesadas acusações contra o jornalista, acusando-o de difamação e de prática de jornalismo duvidoso, com intenção maldosa. Segundo alguns, ele lançou mão de argumentos preconceituosos para vir à cidade e montar o seu espetáculo “escandaloso”.

Segundo o jornalista, entretanto, o seu artigo é absolutamente fiel ao que ele e a atriz Viola Heess experimentaram naqueles dias em Kronberg. Caracterizados de sem-teto, os dois tentaram conseguir abrigo e comida em muitas residências na cidade, ao longo de toda uma semana. Segundo o seu relato, eles foram sistematicamente rejeitados.

O pastor local Hans-Joachim Hackel – presente ao debate, no salão lotado – havia demonstrado solidariedade, mas negara pernoite ao casal. Hackel defendeu-se que, depois de diversas experiências negativas, havia se tornado pessoalmente mais cauteloso com os pedintes à porta da sua comunidade. Nem sempre a ajuda tem motivado essas pessoas a mudar de vida, disse.

O jornalista, por seu turno, confessou que nem ele saberia dizer se daria abrigo em sua casa a um sem-teto. Mas que isso não deveria ser algo irreal para uma “instituição que se orgulha de sua solidariedade”, tascou. Mas o seu objetivo com a reportagem não era desnudar o caráter da igreja ou de quem quer que seja.

“Eu queria debater o nosso trato com a pobreza de modo geral”, explicou. Um estado que arrecada menos impostos dos ricos também tem menos programas sociais para ajudar essa gente, comparou, o que os torna cada vez mais dependentes de programas privados de auxílio, “feudalizando a ajuda”. Em sua opinião, programas privados de ajuda promovem uma “distribuição seletiva e arbitrária de recursos”, o que é menos possível em programas sociais do governo. “Sozinho ninguém pode resolver o problema da pobreza”, comparou o jornalista.

Alguns dos presentes concordaram com essa visão, complementando que é particularmente difícil ser pobre em uma região de gente abastada, como é Kronberg. Entretanto, nem todos concordaram. Especialmente pessoas mais idosas se revoltaram com a reputação negativa que o artigo espalhara sobre a cidade, ao estar cheio de meias verdades. Mas o jornalista Sussebach, em sua frase final, desafiou a todos: “Vocês devem refletir sobre o seu modo de agir do mesmo modo que eu sobre o meu”.

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