terça-feira, 4 de maio de 2010

O professor que eu não tive

Marcelo Gleiser, brasileiro, físico e astrônomo nos EUA

O físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser é pouco conhecido em seu próprio país. É uma pena, pois ele é um daqueles professores que a gente gostaria de ter. Professor da Universidade de Dartmouth, nos EUA, Marcelo Gleiser é famoso por odiar frases pomposas e aulas de exposição de fórmulas no quadro negro.

Uma de suas disciplinas em Dartmouth se chama Física para Poetas, que o tornou o professor mais popular da Universidade. Mas ele não só dá aulas ou faz pesquisa. Ele tem vários livros e peças de teatro publicados. Além disso, o cara é uma figura única. Numa das vezes em que veio ao Brasil, visitar os familiares, ele desfilou vestido de Santos Dummont na escola de samba Unidos da Tijuca.

Por causa de seus múltiplos talentos, Marcelo Gleiser recebeu condecoração especial das mãos do presidente Bill Clinton por seu trabalho de pesquisa em cosmologia e por sua dedicação ao ensino. Difícil acreditar, diante de tanto sucesso profissional, que este cientista famoso um dia quis largar tudo para ser músico.

Mas não é só a fama de professor incomparável que me fez chegar mais perto de sua trajetória, na qual já o comparam a Carl Sagan, que, humilde, diz ser um ícone para ele. Em meio ao seu incrível dom de transformar a astronomia numa deliciosa reflexão sobre a vida, ele não encara a ciência como a única resposta a tudo, mas como uma grande porta aberta para refletir sobre a existência humana até sob um prisma espiritual (Carl Sagan iria odiar isso!).

Numa entrevista dele, que eu vi recentemente, ficou registrado que a pesquisa cósmica abriu tanto o nosso leque de visão sobre o universo, especialmente depois do lançamento do telescópio Hubble, há 20 anos, que o foco, na verdade, se fechou novamente (Os resultados da pesquisa do Hubble valem uma visita em: http://hubblesite.org/gallery/).

Para Gleiser, no passado a ciência oferecia uma visão totalmente antropocêntrica do universo. Tudo girava em torno do ser humano, que, nada modesto, colocava o seu próprio planeta no centro de tudo. A ciência na época de Colombo, por exemplo, era totalmente geocêntrica, ou seja, todos os outros astros giravam em torno da Terra, que era considerada o centro do universo.

Com a ciência ampliando a visão do universo, o ser humano e o seu próprio minúsculo planeta Terra foram sendo empurrados cada vez mais para uma insignificante periferia do universo. Dentro da nossa galáxia, a Via Láctea, por exemplo, o nosso Sol é um entre bilhões, e está apenas numa das remotas pontas da galáxia, enquanto o nosso planeta é um pequeno astro girando ao redor dessa estrela – de quinta grandeza! – que está na beiradinha da Via Láctea. Ao mesmo tempo, a nossa própria galáxia é somente uma entre milhões de outras galáxias, e nem é tão majestosa assim. Ou seja, durante boa parte do século 20, o ser humano perdeu o foco do centro e tornou-se um insignificante grão de areia diante do universo infinito.

Com as pesquisas do Hubble, o foco ficou muito concentrado, provocando um radical retorno ao antropocentrismo. Descobrimos de repente, conta Gleiser, que o nosso planeta é único em sua configuração no Sistema Solar. Por causa da sua posição específica, da sua massa e do sua composição química especial, ele é o único com condições de abrigar vida. “Inclusive os tão temidos terremotos contribuem para que o planeta tenha a química ideal para manter essa enorme biodiversidade que vive nele”, diz Gleiser. O Hubble revelou que a vida é um milagre no universo conhecido.

“Certamente há vida em outros lugares do universo. Seria muita arrogância imaginar o contrário”. Dentro do universo conhecido, entretanto, é uma aparição muito rara. Na configuração existente na Terra, com certeza, ela é absolutamente única. “Agora, vida inteligente no universo conhecido, é algo definitivamente raro!”

Segundo Gleiser, “estamos sozinhos, pelo menos, até onde conseguimos enxergar com o Hubble”. Isso é algo muito especial. Não temos visinhos, nem temos qualquer lugar semelhante que esteja suficientemente próximo de nós para que, algum dia, possamos alcançá-lo em tempo real.

Portanto, é hora de cuidarmos deste diamante vivo, absolutamente raro e insubstituível. Mais do que provocar a extinção de espécies, está em nossas mãos evitar a extinção da vida na forma em que a conhecemos neste planeta.

Pensando bem, este cara não é como o Carl Sagan. Ele é muito melhor que o Carl Sagan. A sua poesia pode nos ajudar a entender a urgência de amar esta criação que, como privilegiados observadores – também através dos fantásticos olhos do Hubble – somos os únicos a poder observar desta maneira tão complexa.

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