terça-feira, 8 de março de 2011

Academia de falsos doutores

Karl-Theodor zu Guttenberg perdeu o título de doutor e o cargo de ministro da defesa da Alemanha.

Eu sempre imaginei que a fraude científica fosse uma praga que se dá muito bem nas universidades brasileiras. Afinal, a nossa orgulhosa academia se move num planeta à parte, que é o Brasil. Neste mundo em particular, as falsidades mais óbvias são movidas pelas teclas control+C e control+V, que são o meio mais rápido, barato e fácil de construir trabalhos de conclusão de curso, dissertações de pós-graduação e até partes substanciais de teses de doutorado.

Num caso recente na USP, por exemplo, um conceituado professor foi sumariamente demitido do corpo docente da universidade simplesmente porque o seu doutorado, tão apreciado no mundo científico, havia sido construído sobre a movediça areia do plágio de textos de autoria alheia.

Também sempre imaginei que o nosso meio acadêmico fosse um dos poucos terrenos férteis em que proliferam ghostwriters de trabalhos acadêmicos. Eles são discretos. Mas todo quadro de avisos de universidade tem os famosos papéis A4, impressos em impressoras jato de tinta, oferecendo o eficiente serviço: “Faço trabalhos de pós-graduação”. Os mais discretos oferecem-se para digitar o trabalho. Os mais ousados, entretanto, dizem na caradura o que realmente está em jogo: montam todo o trabalho, desde a pesquisa até a redação. Alguns já têm até trabalhos prontinhos para vender a um precinho módico aos incautos estudantes que passaram o seu período de pesquisa na cervejaria da esquina e estouraram todos os prazos que tinham para montar o trabalho.

Este é certamente um dos mais lucrativos negócios dentro das nossas universidades, mesmo porque os mestres estão cada vez menos valorizados, com os seus salários beirando os rendimentos do serviço braçal. Dar aulas, ainda mais a alunos com um reduzindo índice de interesse, além de ser desgastante, não é um bom negócio. É melhor escrever trabalhos para os outros. Isso sim, é um serviço especializado e muito bem pago, num mercado carente de gente com conhecimento suficiente para isso.

O mundo acadêmico brasileiro, com honrosas exceções, é uma grande mentira intelectual. De um lado, muitos professores fingem que ensinam (até porque já fingiram sua própria graduação, construída de forma duvidosa e pouco honesta); do outro, muitos estudantes fingem que estudam, que frequentam as aulas e os seminários e que escrevem seus TCCs.

Como eu dizia no início, eu sempre imaginei que isso só podia acontecer no Brasil. Afinal, somos bem afeitos à corrupção e ao jeitinho, segundo se diz. Mas as notícias que vêm da Alemanha mostram que, pelo jeito, esta é uma praga mundial. Ninguém menos do que o ministro da defesa alemão Karl-Theodor zu Guttenberg (ofensa suprema, este sobrenome!), é o pivô do maior escândalo de plágio universitário de todos os tempos na Europa. A sua tese de doutorado foi conceituada com a letra “A” pela universidade de Bayreuth, até aqui vista como uma instituição onde só estudam juristas de primeira linha.

A descoberta do plágio em Bayreuth custou a Guttenberg o título de doutor e o cargo de ministro da defesa. Para a orgulhosa academia europeia, o escândalo Guttenberg arranhou uma imagem de séculos de rigor acadêmico, agora envolta num manto negro de suspeitas de fraudes. A semanal Der Spiegel foi atrás dos ghostwriters nas universidades alemãs e desvendou um universo hermético de engodos e mentiras dentro do mais tradicional mundo acadêmico europeu (http://www.spiegel.de/unispiegel/jobundberuf/0,1518,747608,00.html).

Não que essa descoberta minimize a falsidade em terras tupiniquins, aliviando o já reduzido peso em nossas fracas consciências. Antes, ela deixa claro que o nosso mundo acadêmico e científico pode, na verdade, ser um gigantesco castelo de areia de proporções planetárias. Neste cenário, um diploma na parede pode não ter significado algum. Pois ele pode ser uma deslavada mentira.

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