A Noruega de luto inundou a praça diante da Catedral de Oslo com um mar de flores e velas acesas. Mais de 150 mil pessoas estavam lá ontem à noite, participando do gigantesco luto nacional.
Eu escrevi ontem aqui que Anders Behring Breivik, além de amealhar contra si a repulsa do mundo civilizado, secretamente está também sendo admirado como um herói pelos que concordam com a xenofobia que se instala na Europa. Tem muita gente que gostaria de ter feito o que ele fez, só não tem coragem. Espera e torce para que outros o façam em seu lugar.
Eu disse também que muitos outros Anders estarão surgindo. A intolerância, em vez de ser lentamente espremida num canto pelos que amam a paz, transferiu-se solenemente também para os cristãos e agora o terrorismo e a violência imperam, de modo igual, dos dois lados. A chanceler alemã Angela Merkel reconheceu ontem que a política da democracia racial fracassou, diante do crescimento da extrema direita em toda a Europa. Como quebrar o ciclo do ódio?
Ontem alguém comentou a matança promovida por Anders, no twitter do Ricardo Gondim: “Se um cristão disser ‘não se pode julgar uma religião pelos atos de alguns’, eu respondo: ‘parabéns, agora sabe como um muçulmano se sente’” (@diego_calazans). E ele tem razão, porque toda uma religião está sendo julgada com preconceito por causa de fanáticos e terroristas em seu meio.
Agora também temos um terrorista fanático que mancha a reputação dos cristãos.
Somos todos um pouco culpados pela atitude de Anders. Calei-me vezes demais diante de opiniões racistas, xenófobas, discriminatórias, contribuindo para fortalecer esse tipo de pensamento em nosso meio. Como quebrar o ciclo do ódio?
Talvez devêssemos ter mais atitudes como a que foi tomada na semana passada, na Alemanha. O túmulo de Rudolf Hess, em Wunsiedel, no sul da Alemanha, foi destruído depois de os restos mortais do líder nazista terem sido exumados. Os restos mortais de Hess foram exumados na quarta-feira, 20 de julho, incinerados e lançados ao mar.
A comunidade evangélica de Wunsiedel decidiu negar à família a prorrogação do arrendamento do túmulo, vencido desde 2007. A neta de Hess chegou a entrar na Justiça contra a decisão, mas acabou cedendo e concordando com a remoção da sepultura. O túmulo de Hess foi durante mais de duas décadas local de peregrinação de grupos neonazistas. Com a remoção da sepultura, a comunidade espera que as marchas neonazistas na cidade tenham fim.
Após cometer suicídio em 17 de agosto de 1987 na sua cela na prisão berlinense de Spandau, aos 93 anos, os restos mortais de Hess foram sepultados em Wunsiedel e o túmulo se converteu em local de peregrinação para a extrema direita alemã.
Na cena neonazista alemã, Hess era considerado um mártir. E isso confirma o que eu digo sobre Anders.
Nos últimos anos, os desfiles neonazistas em Wunsiedel tinham sido sistematicamente proibidos pelas autoridades, mas a extrema direita obtinha a autorização nos tribunais, invocando o direito à liberdade de manifestação, constitucionalmente protegido. É o mesmo direito constitucional que vigora nos EUA e que protege inúmeros sites neo-nazistas que continuam divulgando o pensamento da extrema-direita em nosso meio. Livres e soltos, eles dão suas aulas de graça. E eles têm discípulos, seguidores, defensores fanáticos, também entre nós.
Condescendências como estas reviveram o Nazismo na alma de muitos jovens extremistas na Alemanha e no resto do mundo. Aqui no Brasil, os skinheads atacam travestis e nordestinos, e praticam toda ordem de ataques xenófobos, até como brincadeira do tipo lançar combustível sobre andarilhos durante a noite e atear fogo neles enquanto dormem. Como quebrar o ciclo do ódio?
Mesmo aqui entre nós, no sul imigrante, tem muita gente que ainda se nega a acreditar no holocausto. Afirmam ser propaganda anti-alemã. São cabeças que fazem vingar ideias como o movimento “O Sul é Meu País”, de clara verve xenófoba contra nordestinos e o norte pobre do Brasil. Eles são a base ideológica dos skinheads que praticam seus atos xenófobos pelas madrugadas. No fundo, flertam com a extrema direita europeia no mesmo pensamento sobre o mundo islâmico. Na cabeça deles, a identificação externa que caracteriza um muçulmano é sinônimo de homem-bomba. São os nossos Anders. Como quebrar o ciclo do ódio?
Há diversos episódios recentes que revelam a sua presença latente em nossa sociedade, tão tolerante e condescendente. Aqui, em se plantando, tudo dá. Tudo viceja. Só lembro da jovem advogada que expressou livremente sua opinião xenófoba contra os nordestinos no twitter, no ano passado. O twitter continua cheio dessa gente. E nós nos calamos.
Ficamos quietos quando os nossos adolescentes emitem opiniões semelhantes nos corredores de nossas bem-pagas escolas de classe média. Não queremos nos queimar com os pais, que pagam suas mensalidades e mantêm a escola. Cada aluno não é um ser humano em formação, mas apenas uma conta bancária para onde enviar um boleto cobrando a mensalidade. Um caldo propício para que novos Anders se desenvolvam livremente, enquanto nos calamos. Como quebrar o ciclo do ódio?
Esta é uma pergunta que não larga do meu pé, nos últimos dias. Quero continuar trabalhando nela. Espero por companheiros e companheiras que ajudem a nossa sociedade a refletir sobre ela. Que esta pergunta não nos deixe em paz.
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