quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Uma carta de Manoel Kanamari

Aldeia Kanamari, no Amazonas

O planeta está entrando na UTI. Enchentes na China e no Paquistão, incêndios incontroláveis na Rússia e no Brasil, um calor insuportável no verão europeu e norte-americano, umidade relativa do ar próxima de zero no centro-oeste brasileiro...

Enquanto isso, sucedem-se meetings, cumbres, cúpulas, protocolos e acordos que não chegam a acordo algum. Fala-se em mudanças para não ter que mudar nada. Divulgam-se aos quatro ventos centenas de experimentos com novos combustíveis, veículos com emissão zero e energia limpa, mas ao mercado continuam chegando bólidos com duzentos, trezentos e até quatrocentos cavalos sob o capô, que engolem mais gasolina do que poeira... Usinas hidroelétricas gigantescas continuam sendo construídas. A pesquisa nuclear continua a todo vapor. Ninguém vai parar a exploração de petróleo, em um único poço que seja, em qualquer parte do mundo. A economia sustentável é uma conversa fiada tão gigantesca quanto a poluição gerada pelo desenvolvimento a qualquer custo. Nada, absolutamente nada, nenhuma catástrofe ou desastre ambiental, irão parar a roda. Até quando? Até que caia o último dos moicanos.

Por isso, em mais uma tentativa de arranhar pelo menos um pouquinho o lustro da pujante economia humana, que não pode, não quer e não vai parar, um alerta desesperado de Manoel Daora Kanamari, um indígena da tribo Kanamari, do Amazonas. Obrigado, Hans, por fazer este texto chegar até nós.

Meus amigos, chega de fazer poluição e desmatar a floresta. Não destruam mais as árvores, a natureza, porque são elas que protegem a terra e armazenam a água. Se forem destruídas não haverá mais água. Nós podemos desaparecer por falta de água, por isso, por favor, parem de poluir o ar, a atmosfera que não agüenta mais tanta poluição. Também nós podemos desaparecer sob essa seca, podemos até ser castigados sobre o fogo com nossas atitudes. Além disso, parece que quanto mais poluição mais doenças diferentes surgem. Vamos parar com essas indústrias que só geram calor e seca; vamos parar para que possamos nos refrescar um pouco mais. Quando não existia não-indígenas aqui, não havia tanta doença nem tanto calor (quentura).

Meus irmãos, meus amigos, nós indígenas não poluímos a atmosfera nem poluímos a natureza. Nós indígenas vivemos sem nenhuma indústria, por quê vocês não-indígenas não podem viver? Sinto que vocês também podem viver como nós, sem poluição e destruição. Nós indígenas podemos não conhecer muito de livros [ciência], mas sabemos respeitar a natureza, não poluímos ou destruímos a mata irresponsavelmente. Fazemos isso porque reconhecemos que as árvores também têm vida, como a gente. Não poluímos o ar porque reconhecemos que o ar é o nosso ar, precisamos dele para respirar, para continuarmos vivos. Se poluirmos o ar, pegaremos doença que nós mesmos criamos, por poluirmos o ar. Nós indígenas precisamos do ar, por isso que o respeitamos.

Meus amigos não-indígenas, se vocês não sabem que precisamos do ar para sobreviver agora saberão. Vocês são homens da ciência e de leis, mas não aprenderam a respeitar o ar, a natureza. Se vocês não conhecem sobre a natureza e o sobrenatural poderão conhecer agora conosco. Meus amigos, eu sou índio e fico refletindo: os não-indígenas são muito inteligentes, mas parecem não conhecer nada. Pois eu sou índio e reconheço a natureza, o ar, a atmosfera, os rios, a mata.

Manoel Daora Kanamari, Itamarati-AM

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