segunda-feira, 26 de março de 2012

Estão matando as ONGs


Uma surda campanha dentro do Brasil e do próprio governo brasileiro tem levado Organizações Não Governamentais (ONGs) a morrerem de fome ou a fecharem as portas. Cada vez mais vistas como vilãs – por conta de falsas entidades intencionalmente criadas para apoderar-se de verbas destinadas ao serviço social –, as ONGs sérias estão sendo severamente afetadas por conta da má fama desse tipo de organização em todo o mundo.

Outro fator que dá origem ao recuo das ONGs tem por base a crise financeira internacional dos países desenvolvidos. Os maus resultados das economias dos países ricos diminuem o fluxo de dinheiro para investimento social nos países menos desenvolvidos.

Há ainda um terceiro fator, que começa a prejudicar o caixa de entidades sociais históricas que atuam no Brasil. Este fator é a nova projeção do Brasil no cenário internacional, que coloca o país no papel de doador de recursos e não mais de receptor – causando uma falsa percepção de que os problemas internos estão resolvidos. O Brasil não precisa mais de ajuda, segundo esta interpretação.

Recentemente, importantes organizações dedicadas ao tema fecharam suas portas depois de anos de serviço público relevante.

A ameaça do fechamento também paira sobre outras organizações históricas que enfrentam crises severas de recursos, como o Grupo SOMOS (Rio Grande do Sul), o GAPA de Minas Gerais e o GAPA de São Paulo que já anunciaram a suspensão de suas atividades.

Parte da origem da crise das ONGs brasileiras vem do recuo financeiro da cooperação internacional. Essas ONGs dependiam desse modelo de cooperação internacional para prestar um valioso papel na defesa do interesse público e na luta por políticas públicas que universalizem direitos e cidadania no país.

Além de se basear num argumento simplista de que o PIB brasileiro é o sexto maior do mundo e ultrapassa inclusive o do Reino Unido, o estrangulamento financeiro das ONGs parece ter outros interesses por trás que querem intencionalmente a debilidade da sociedade civil organizada.

É verdade que o PIB brasileiro aumentou drasticamente. Mas também é óbvio que são poucos os que se beneficiam realmente desse crescimento econômico. Excluem-se da equação a renda per capita, as fortes desigualdades internas, as situações de extrema exclusão de parte da população e a manutenção de vulnerabilidades sociais. O Brasil que brilha nos salões de Genebra e Nova Iorque certamente não é o mesmo com o qual essas ONGs lutam todos os dias, com suas incoerências, injustiças e inadequações. O Brasil das ONGs ocupa o 81º lugar no índice de desenvolvimento humano.

Politicamente está patente que há um “clima anti-ONGs” no Brasil. Para satisfazer a insaciável gula da “base aliada”, o Governo se afasta da sociedade civil organizada, entre elas com forte recusa às reivindicações das ONGs. Jamais houve, na história recente do país, um período de tamanho distanciamento entre o Ministério da Saúde e a sociedade civil brasileira, por exemplo. Na lista dessa “guerra surda” está, por exemplo, o visível desmonte do Departamento de DST AIDS, onde um número expressivo de pessoas classicamente envolvidas na luta contra a AIDS no país estão sendo desligadas.

Todas essas instituições estão sendo lançadas na vala comum da desconfiança, com o argumento de que as ONGs se desvirtuaram e servem hoje apenas de instrumento de desvio de dinheiro público. Também há a aceitação pacífica da crença de que o Brasil está em pleno desenvolvimento, no qual a participação da sociedade civil organizada é um elemento supérfluo, anacrônico.

Entretanto, a partir da redemocratização do Brasil nos anos 1980 e da Constituição cidadã de 1988, os movimentos sociais tiveram um papel histórico na construção da cidadania no Brasil. A restrição do princípio do controle social agora em curso certamente afeta todo o processo democrático. Como dizia Betinho (o sociólogo Herbert de Souza), não cabe às ONGs brasileiras acabar com ou pretender substituir o Estado, mas colaborar para a sua democratização. Muitas ONGs têm feito isso com dedicação há pelo menos trinta anos e não é por outro motivo, por exemplo, que o programa de Aids do Brasil é considerado um dos melhores do mundo.

No momento em que o enfraquecimento dessas organizações é mais latente, o silêncio impera. No entanto, as ONGs ainda têm muito que dizer, fiscalizar, propor e defender. Nem que seja em mensagens coladas em portas de ONGs fechadas.

É preciso lutar contra esse processo de desmoralização das ONGs, para que não sintamos saudades dos dias em que o controle social existia de fato. A luta deve levar as autoridades que agem com descaso frente ao desmantelamento desse princípio a sentir vergonha proporcional à ofensa que representa à democracia brasileira e a todos que lutaram por ela.

A democracia não se constrói sem a participação efetiva das organizações civis. Não se pode aceitar a idéia de que cabe ao governo resolver todos os problemas da sociedade. As organizações civis devem participar do processo, sob pena de, ao não fazê-lo, estarmos contribuindo para o enfraquecimento da democracia que vem sendo construída nas últimas três décadas no Brasil.

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