Datada de 01 de outubro de 1972, em Lebon Régis, mostra grupo de amigos posando para a posteridade em frente a um caminhão Chevrolet, que leva consigo uma única tora de madeira que toma conta de toda a carroceria. Época em que a extração madeireira era uma das principais atividades da região.
Nesta foto, datada de 1958,e que fica para a prosperidade, vemos um Ford F8 carregado de madeiras.
Caminhões carregados de toras de madeira em Lebon Régis, entre as décadas de 50 e 60. Cargas enormes eram transportadas em robustos caminhões durante a exploração madeireira no município, próspera naquela época.
Frota de caminhões da firma Bonatti & Comper LTDA, carregados com toras de madeira, em julho de 1986.
Essas fotos são um testemunho contundente do que fizemos ao meio ambiente no passado. Milhares, talvez até milhões de caminhões como estes das fotos arrancavam árvores e mais árvores da mata atlântica todos os dias e conduziam seus cadáveres às serrarias. Era parte da rotina diária. Todo mundo via isso como a construção do progresso das colônias de imigrantes de diversas nacionalidades e de pequenas localidades de nativos brasileiros do interior por todo o sul do Brasil.
Foi assim por anos a fio, por décadas e décadas. Durante um século inteiro dizimamos o que a natureza levou milhares de anos para erguer, paciente e diligentemente. No lugar das árvores foram surgindo estradas. Primeiro em forma de picadas, depois de estradas bem cobertas por macadame e, posteriormente, melhoradas e cobertas de asfalto. Ao longo desses rastros mata adentro, foram surgindo vilarejos, vilas, pequenas cidades e metrópoles. Em sua origem elas eram todas de madeira. Agora, asfalto e concreto dominam a paisagem, numa nova e moderna visão de selva, agora de pedra.
Elas também representam um legado assombroso que eu guardo dentro de mim desde muito pequeno. Cresci envolto em pilhas de tábuas e serragem de madeira. Todas as casas em que eu vivi desde que nasci até o dia em que saí de casa para fazer faculdade, eram feitas de espessas tábuas de madeira, caibros e barrotes de canela preta da melhor qualidade e assoalho com tábuas de variadas larguras, partindo de 25 centímetros até quase meio metro de largura. Até o calor do fogão, que eu socava de serragem até o topo todos os santos dias, era movido a mata atlântica. E de graça. O pessoal da serraria ao lado da nossa casa agradecia por retirar aquele lixo de debaixo das serras, que faziam mais serragem sem parar, dia e noite.
A cerca da divisa com a serraria, também de madeira, separava o nosso quintal de uma “metrópole” de arranha-céus de tábuas de madeira, que eram empilhadas umas sobre as outras para secarem ao sol. A madeira verde, ainda com o cheiro dos cadáveres recém-extraídos da floresta, aguardava ao sol o dia de ser transformada em assoalho, paredes, portas e janelas. Brincávamos de esconde-esconde entre as pilhas de tábuas. Longe dos olhos dos adultos, subíamos nelas e observávamos o mundo do alto, com olhar privilegiado.
Bem na boca da fila de serras fitas e circulares, famintas por madeira novinha, acumulavam-se centenas e centenas de toras de canela, peroba, cedro, jacarandá, pinheiro brasileiro, sassafrás, maçaranduba, freijó e incontáveis outras espécies. Eram trazidas pelos motoristas de chevrolets, fenemês e fords, num esforço gigantesco e por gente que nós, moleques, considerávamos verdadeiros heróis desbravadores. Tínhamos miniaturas daqueles caminhões, que carregávamos com miniaturas de toras, que conduzíamos por miniaturas de estradas a miniaturas de serrarias... Imitávamos aquela destruição como se esse fosse o único jeito de lidar com a natureza, que todos consideravam inóspita, inesgotável, e extremamente perigosa e inimiga, que deveria ser subjugada até os joelhos.
E ela ficou de joelhos e ali ainda se encontra. Apesar de todos os esforços por recuperação e todas as brigas para preservar o “um por cento” que sobrou do que se considerava inesgotável outrora, o que se vê são pequenos mostruários de mata atlântica. Um aqui e outro ali, como pequenos canteiros em meio à floresta de concreto e asfalto. Somos todos ingênuos, os moleques e os adultos de então; os moleques e os adultos de hoje.
Agimos e não medimos as conseqüências. Continuamos reproduzindo esse mesmo jeito de lidar com a floresta, hoje não mais com minúsculos chevrolets, fenemês e fords, mas com gigantescos tratores, trabalhando em duplas, ligados por uma corrente. Os cadáveres de madeira nobre não caem mais por causa dos machados dos Daniel Boons, mas em inacreditáveis arrastões, que jogam ao solo os gigantes de madeira ao lado das débeis mudinhas que pretendiam alcançar a luz do sol algum dia; os pequenos e workahólicos formigueiros ao lado dos tamanduás que deles vivem.
Agora não mais na mata atlântica, que não mais existe, mas na maior floresta do planeta... que tomba tão indefesa e sem luta quanto todas as outras que derrubamos por aqui durante o século passado. Por lá, neste exato momento, outros meninos, como eu, crescem entre pilhas de tábuas e montanhas de serragem, brincando com miniaturas de tratores em parelhas, arrastando uma corrente que derruba gravetos enfiados no pátio poeirento em volta da casa, para carregar em seus pequenos mercedes, volvos e scanias e levar à miniatura de serraria para fazer o que, também para eles, parece o jeito mais natural do mundo de levar a vida e erguer o futuro.
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